sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Jardins da memória















ontem, procurando uma foto para colocar no facebook, encontrei as que tirei no jardim Botânico do Rio de Janeiro. e achei-as bonitas. foto de flor é também como paisagem de mar::: não tem erro. mas é difícil. e é uma beleza que saiu de moda. de todo modo, estão aí em cima. e lembram uma tarde feliz.

lembrei que as primeiras tentativas de tirar fotos de flores, com a câmera bem próxima, foi na casa de d. Marlene, a mãe da Kotz. em algum lugar há fotos de flores da casa de d. Marlene nos meus arquivos sempre bagunçados. me veio o desejo de procurá-las. e há bem aqui. me veio o desejo daquela casa. não sei se a casa ainda existe. mas sei que d. Marlene não está mais aqui --- não há mais como voltar naquelas tardes preguiçosas, naqueles almoços pantagruélicos, nem para aquela rede de frente para as orquídeas e o jardim selvagem que rodeava a casa. e por isso me atravessa o pensamento de que as casas para as quais queremos voltar se desfazem mais cedo do que deveriam.   

se eu tenho saudade de d. Marlene, imagine Kotz, suas irmãs, as netas --- toda aquela família que gravitava em volta de d. Marlene --- que nos alimentava com tão poucas palavras, com sorriso tão terno. quase sinto o cheiro da comida. e vejo o fogão a lenha, a grande mesa de madeira sempre farta; e nós ali em volta. Kotz, com suas mil palavras; Lobão com a sua beleza compenetrada, seu Emílio, um gigante menino. pato, porco, galinha. gato. haveria cachorro? e ainda nós, mesmo depois de Kotz ter partido.

ali era um fazer-nada. ficar parada no refazer dos dias. ali, mesmo se eu e o Tatupai estivéssemos muito distantes, se suspendia essa distância. não era nada. e era a delicadeza por inteiro. Poeminha, por ali, tão pequeno. um braço era sempre um abraço. 
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agora que moro nesta casa com o rio e o mato em volta, que não é minha, compreendo bem mais a casa de d. Marlene. e se nunca desejei de fato ter uma casa assinada em cartório, agora me vem esta vontade quando passo distraída diante de uma destas janelas e vejo o rio lá fora. vejo as árvores. e ouço os passarinhos. se me for dado o tempo de envelhecer, bem que o tempo poderia me trazer a delicadeza de seu Emílio e d. Marlene. eu compraria, enfim, uma casa. e ela teria um jardim selvagem com muitas flores. para descansar meus pés inchados de espondiloartrose, eu os levantaria para cima enquanto tentaria ler um livro com os olhos também cansados. eu sei que cena bucólica é brega. e sempre há de se colocar os mosquitos. e a alergia aos mosquitos. mas que se dane::: rememorar o porvir com uma casa no meio de um jardim selvagem é bonito. é de fechar os olhos com a paz bem dentro deles. 
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