que era ainda construção
e já é ruína
(Caetano Veloso)
o que mais impressiona no trabalho de Liliana Porter, artista plástica argentina, que está com a exposição "El hombre com el hacha y otras situaciones breves", no Malba, não é exatamente a dimensão diminuta de suas personagens, mas o que elas, na sua pequenez, provocam. o sujeito é o que desencadeia as ações. e embora exista um ou outro gesto de construção, na maior parte das vezes, o que se produz são destroços. os rastros do homem, assim, de modo geral, são relacionados ao seu enorme poder de destruição. é lúdico apenas para o olhar desatento. o caminho que o humano percorre, e o que ele provoca, é quase sempre devastador. o tamanho e a quantidade das ruínas parecem estar sempre em desalinho com a dimensão do homem. seria fácil criar uma visão redentora do ser humano, como a que às vezes criamos do homem perante a natureza, mas o enorme lastro vermelho que a mulher espalha, numa das cenas mais significativas da exposição, deixa claro que não se trata de redenção, embora a simbologia da mulher e o vermelho permaneça intacta. são cenas de trabalho. e isso é impressionante (desculpem-me usar a palavra mais uma vez, mas foi exatamente assim que eu e Tatupai ficamos: impressionados. vagamente, eu lembrava do nome dessa artista, mas nunca tinha visto uma exposição. daí termos ficado encantados de verdade). não é, portanto, apenas a metonímia das mãos. todo o corpo trabalha nas cenas de Liliana Porter. obras deveriam, portanto, ser construídas. mas a construção são ruínas. cacos de objetos, fios pretos e marrons desalinhados, objetos tombados, a foice e o martelo, os soldados em sentinela; tudo contribui para a sensação de que o trabalho do homem, mais do que deixar obras inacabadas, produz, de fato, o aniquilamento. a demolição, a ruína, não é posterior; está já na origem do gesto. desalinha-se, assim, um dos maiores mitos modernos: a força de trabalho que constitui a dignidade do homem. que dignidade? que homem?... para as perguntas essenciais, é um pulo: quem somos? o que fazemos? o que queremos?
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(para as fotos terem ficado boas, precisaríamos de um tripé, para dizer o mínimo. mas eu e Tatupai fizemos várias tentativas. e resigno-me em dizer que as deles ficaram sempre melhores que as minhas)
Milena, não sei que fotos são suas ou quais são do Tatupai, só sei que as fotos permitem experimentar, lógico que direcionados pelo seu olhar e ou pelo seu desenho na escritura, mas sim, fotografia e escrita transmitem o sentimento e a percepção, o espírito da obra que nos apresenta.
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