Nuno Ramos não deve caber dentro de si. Seus peixes metalizados agonizam faça chuva ou faça sol no Ibirapuera para não deixarem dúvidas da veracidade da sua inquietação. É um artista que sapateia sobre as várias formas da linguagem. Em busca de transbordá-las. Ou jogá-las fora quando parece usar todas ao mesmo tempo. Artista plástico, escritor, pintor, matreiro, urubuzento, é assim ele. Talvez por isso, por esta prévia imagem, eu tenha insistido tanto sobre o seu livro, O mau vidraceiro. E no entanto, foi difícil, foi sofrido. Eu lia e desejava acabar logo com o que parecia nunca acabar. Na maior parte do tempo, não fui capaz de alcançar a proposta, de entendê-la, de amá-la. Não encontrei um fio onde me sustentar e, por isso, vacilei. No jogo impiedoso do gosto-não gosto, fiquei com a segunda opção, embora tanta palavra bonita tenha ali, reconheço. É que fiquei com a impressão de que a escrita de Nuno Ramos oscila neste livro entre o sublime e a bobagem. E que a indefinição dos gêneros - microcontros, contos, ensaios, rascunhos (?) -, para além do caráter experimental, contribua muito mais para a bobagem do que para o sublime. Se fosse de outro jeito, se o experimental não fosse tão forçosamente avesso à narrativa propriamente dita, talvez fosse outra coisa, ainda melhor. Porém, no momento mesmo em que escrevo, me assalta a dúvida: e se meu alcance de leitora foi tão mínimo que me amarrou, incapacitando-me de ver a tanta beleza que parece haver ali? Vou deixar esta pergunta em suspenso, para respondê-la quando me demorar sobre o seu próximo livro, que já comprei, Ó.
E se eu tivesse amado o livro, se ele não tivesse me rejeitado, diria que a insistência sobre o corpo, sobre a materialidade, faz deste livro um objeto inquietante. Fiquei pensando o quanto Marcos Siscar tem razão ao dizer que é preciso saber formular as questões. Não dizer apenas, por exemplo: "Uma característica da contemporaneidade é o hibidrismo". Mas forçar a pergunta de outro jeito: "Afirmam que uma das características é o hibidrismo; como isso se realiza na obra tal do escritor tal?" Muitas respostas - inquietantes, traiçoeiras, fortes - sairiam se O mau vidraceiro fosse assim questionado. Suas personagens estranhas, em situações insólitas, envidraçadas numa linguagem que oscila entre tantos gêneros, alimentam-se dessa mistura desordenada que finca pé no nosso tempo. Mas não se conformam. É o que me parece. Como que pedem menos "novidades, sem, no entanto, perder a vontade de estranheza, da qual se compõem.
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