neste fim de tarde, aqui, rodeada dos meus livros, com Gal Costa neste belíssimo "recanto", me vem uma palavra que não sei o nome. um sentimento. eu deveria trabalhar, escrever dois ou três emails importantes, mas o que eu faço mesmo é ouvir o CD. letargia, talvez seria a palavra, se ela se carregasse do indefinível. é que ando num trabalho solitário. ando à procura de novas alegrias que a universidade poderá me dar. trabalho solitário, mas inexplicavelmente tranquilo. (re)descobrir que ainda é isto. estou sentindo cada detalhe para não me perder no emaranhado. porque eu preciso da sensação de que o caminho não é vão, pelo menos para quando a morte chegar de novo eu ter a mesma sensação que tive:::: de que não queria ir porque a vida era boa. e porque havia feito muito do que queria fazer. achei que não era a hora porque ainda havia muito a fazer, a ver, a querer, a sentir, e eu me sabia capaz de me dar isto - e dar aos outros. se nos últimos seis meses eu lutei contra um desânimo nunca sentido antes é porque nunca deixei de acreditar. e mesmo agora, que os acontecimentos gelaram meu peito por dias seguidos, me veio uma tranquilidade. uma certeza de que não semeio nem espalho dores. e aqui e acolá sei que amarrei relações muito bonitas, tão próximas a ponto de inspirar. e ser inspirada por elas. se há desvios, e se constantemente quebro minhas próprias promessas, não perco a capacidade de sonhar. às vezes, é tão bizarro. a cada vez que bebo umas cervejas, sem um tostão no bolso, planejo duas ou três viagens. é muito bizarro. mas não tenho a menor dúvida de que se a morte não chegar de novo eu as farei - por mais que demore. é assim::: sem maldade alguma, seguir.
e agora sou bicicleteira. minha bicicleta, escolhida pelo tatupai, quase voa. e eu que não sei dirigir carro, e estou sempre adiando aprender, de repente experimento uma liberdade de menina. ao revés da estranheza dos alunos que dão risinho nervoso quando me veem chegar à universidade, promovo um encontro comigo mesma enquanto cruzo as ruas da cidade. e mais prazer ainda quando saímos nós três, e o Poeminha faz uhhhuuuu a carda curva mais arriscada.
noite dessas, ao rever O ovo da serpente, de Bergman, me veio a sensação doída de que aquela opressão toda não se restringe àquele período histórico. faz parte mesmo das relações sociais - há sempre alguém apontando o dedo para o diferente, num jogo subterrâneo de preconceitos e imbecilidades que revelam o pior do humano. e Bergman, capaz de mostrar isso de modo tão contundente e definitivo, é essencial. ninguém deveria morrer sem a experiência dos seus filmes, foi o que pensei. e também noites dessas, vimos, extasiados, o Arnaldo Antunes ao vivo lá em casa. primeiro, eu amei a casa. Uma casa... de verdade: linda, cheia de histórias (um corredor repleto de fotografias), cheia de livros... e ainda assim uma casa comum: bagunçada, parecida com as casas paulistanas, com uma laje no fundo e grades na janela. E Arnaldo, lá, com toda sua inquietação. amo-o há tanto tempo que, sinceramente, não sei mais distinguir o que nele, artisticamente, é bom ou bobagem. porque o que eu gosto mesmo é dele - da vontade de fazer que ele expressa em cada coisa que faz. meio da semana e eu tive que beber um vinho para comemorar aquela celebração.
*
*
*
é bom existir assim.
é bom existir assim.
0 Palavrinhas:
Postar um comentário