nestes quase três anos depois da quasemorte, não prolonguei minha vida como desejei ali, cara a cara com ela. tropeços. mas sinto que nunca faltou amor ao meu Poeminha. nunca. mesmo quando ele me chama "só um pouco", escancarando a falta, sinto que ele sabe que há em mim um amor imenso. que eu sou feliz, como ele diz. e que ele mesmo é feliz. como aprendeu a verbalizar a diferença? eu não sei. sei que pergunta: "mamãe, você está feliz?". e eu respondo. às vezes sim, às vezes não. às vezes. e ele diz: "eu estou feliz". fiiz.
então, eles entenderiam esta noite. mariamada, arev, meu pai. meu pai que agora sofre. que agora perdeu o irmão. o irmão que eu fotografei naquela manhã de 2010. fotografei na área da casa da minha mãe. ele que foi lá ver meu filho, o Poeminha. e agora, foi embora, num repente. naquela manhã, tudo ainda existia. meu pai e minha mãe juntos. minha casa da infância. os móveis já outros que sempre odiei e ao mesmo tempo amei. tudo estava ali. registrei a elegância do meu tio lembrando que na infância ia para a casa dele e roubava as bolachas escondidas no armário. e ali eram todos tão bonitos, tão discretos, que nem demonstravam exasperação por uma ladra mirim de bolachas salgadas. eu, que sentia fome de tudo, principalmente daquela paz que parecia existir ali, naquele ermo longe da cidade.
foi quase ali, como o que fica nos rastros da memória. as cãimbras nas pernas. o rio. a serra. a serra que não escalei. a água represada. as bolachas. os queijos prensados. o terreiro enorme que dava para o rio. as tias dele que se foram bem antes. a casa grande. sua mulher tão bonita. seus filhos tão louros. a manteiga batida na tigela. a minha meninice quase sempre triste. é nossa história. e se hoje, ele nos falta, se ele se foi, ele, o herdeiro do nome do meu avô, este Inácio como o outro também era, o mundo todo parece acabar junto, mas ficará nos seus, em nós. só posso então atravessar esta noite e desejar que seja assim comigo, que eu vá, sem hora marcada. sem a lenta agonia como a daquela doença de sobrinha que certamente assustou o meu tio naquele agosto de 2010. neste agora, o susto é nosso. e eu me pergunto como não trair aqueles que carregavam a beleza do silêncio. e desejo ser uma herdeira à altura de todos aqueles ensinamentos. de saber manter vivo o que sempre reconheci como o que há de melhor no humano. se foram eles que me ensinaram, herdar. por Poeminha, por eles, por mim, por quem eu amo.
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