terça-feira, 22 de março de 2016

sim, gotas de alegria




Carlito Azevedo publicou em sua linha do tempo a seguinte história:::

Uma bailarina do Bolshói, já pelos 90 anos, numa entrevista, ouve a pergunta: “Quais foram os melhores anos de sua vida?” e responde “Entre 1936 e 1942”. O entrevistador se espanta: “Mas minha senhora, entre os expurgos de Stálin e a Segunda Guerra?”, e ela diz: "Sim, mas eu era jovem e bela.” Agora estamos no outono, a mais mágica das estações, e meu desejo para os amigos é que encontrem nos próximos dias uma felicidade pessoal (a felicidade coletiva foi mais uma vez adiada, como disse Drummond, para o outro século) que permita pensar que 2016 foi seu melhor ano. "Mas foi um ano terrível na política!", dirá seu entrevistador imaginário ou real. "Sim, mas sob aqueles céus de outono, quanta paixão!", dirá você, o nonagenário dos olhos marejados.

talvez tenha sido por isso que, ontem, em vez de ficar - ainda por muito tempo - olhando ansiosa as notícias aterrorizantes do Brasil, eu resolvi assistir a Não é um filme caseiro, de Chantal Akerman, que, embora seja um filme triste, é um filme com um olhar amoroso, sobretudo daquela que é filmada. os longos planos das paisagens desérticas nos ensinam qualquer coisa sobre o transcorrer do tempo.

e hoje, quando achei que ainda era cedo, já fazia três horas que lia as derradeiras páginas de Lolita. um livro que nos diz muito sobre este incrível poder da literatura de tudo poder dizer. e que de uma maneira totalmente indireta ajuda-me a compreender o tempo de agora --- um tempo obscuro. e que por isso mesmo exige de nós um maior cuidado com nossas vidas.

e depois das três curtas horas de leitura,  o dia todo foi tomado por afazeres. mas afazeres quase delicados, como escolher uma blusa vermelha para a festa de páscoa do Poeminha. e tentar explicar ao Tatupai que, apesar dos tempos de crise, a beleza ainda é fundamental. ou ainda mais fundamental. e antes de endurecer de vez pelos afazeres ininterruptos da casa, vi com muitas lágrimas nos olhos O sal da terra, documentário sobre Sebastião Salgado. e lembrei e lembrei de como é bonito ser fiel às paixões. retirei de mim uma memória intensa, grande, bonita. e pensei também em Ida que há poucos dias me lembrou que ainda somos as mesmas, no que toca os sonhos. 

e sábado, convidamos pela primeira vez pessoas para virem aqui no apê. aqui ou em Laura, a moça bonita que me cativou desde o primeiro instante e que mora um andar acima do nosso. acabou que foi aqui o nosso almoço comunitário. falamos, sim, de política; vez ou outra de trabalho. mas terminamos o dia, que adentrou longas horas da noite, na varanda --- cantando todos. doces, lindos, irmanados.
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sim, na minha entrevista imaginária, direi::: quanta paixão, quanta alegria. --- ainda que tudo esteja turvo.  

    

domingo, 6 de março de 2016

sobre os dias


(aviso::: a postagem é longa e confusa. estava meio bêbada. misturei histórias privadas com os fatos políticos que agora acontecem. pensei em modificar, agora sóbria, mas fiquei com preguiça. então, deixei assim). 

poeminha, eu só posso lhe dizer isto::: o mundo está estranho. o Brasil está estranho. mas estava antes de sua mãe nascer. e muito antes. e continua agora que você também já nasceu. e ainda assim, algo ainda mais diferente e alarmante parece estar em jogo. não sei lhe dizer exatamente. mas posso arriscar, como sempre. 

(((mas antes quero lhe dizer algo::: sou uma pessoa raivosa, filho --- algumas vezes e em algumas situações. muito raivosa. e brava. sua tia Maneca não acredita. nunca me viu brigar. nunca brigamos. e de fato, jamais briguei com minhas irmãs, a quem amo de uma paixão imensa. mas sinto, às vezes, que a distância contribuiu para que eu não destilasse minhas sinceridades nelas, que muitas vezes são presunçosas e burras; não elas, mas minha sinceridades. porque, na verdade, destilo bobagens para os meus amigos mais amados ---- como fazia quando era adolescente. desde lá. desde lá, sinto um impulso raivoso que me diz para não ir junto com a boiada. isso me deixa, muitas vezes, na valeta triste da solidão. mas uma solidão poderosa, é o que também imagino. convivo bem com a solidão. então, mesmo sem querer, guardo tanto em mim. eu misturo esta raiva com muita coragem de dizer. eu me divirto, filho, muitas vezes, com minha coragem. sabe, aquilo::: todos prostrados, de joelhos, diante de seus medos? aí, eu meio que finjo toda a coragem do mundo. é assim que eu sobrevivo. faço questão de que nada que eu diga entre poucos não possa dizer no meio de todos. filho, isso é de uma liberdade imensa, apesar de ser uma grande imprudência. é preciso não querer ser amada por todos. mas, no fundo, só precisa ter coragem de dizer. assim, o dizer tem um cadinho de boniteza)))

então, agora --- é um momento de coragem. eu não acredito nas inocências. mas desacredito muito mais nas imparcialidades. porque, filho, isso não existe. querem me fazer acreditar que levar Lula - logo ele - coercitivamente para depor é uma forma de mostrar que ninguém está imune às leis. mas isso é mentira. porque na verdade é a mesma lógica que faz com que a maioria dos presidiários seja pobre e negra. armaram o circo contra Lula porque era de interesse que assim o fizessem. por que não fizeram com Cunha? por que não fizeram com Alckmin? com Fernando Henrique? com  Aécio e seu heliporto? ok, filho, são todos personagens vazios para você. mas eu quero lhe garantir que Lula foi um divisor de águas neste país tão desigual. foi ele. foi ele e mais ninguém que nos deu um porvir. e é por isso que, hoje, ainda o defendo.

praticamente, não existe um só político brasileiro que não esteja podre de rico pela única razão de ser político. uma pessoa que admiro intelectualmente escreveu nesta grande vitrine inconsequente (que é o facebook) que desacreditou do discurso de Lula quando ele começou a dizer sobre suas pobrezas passadas e que agora é preciso uma nova via. mas eu sinto que não existe uma nova via; não enquanto ela passar por essa total parcialidade -- com investigações que transformam tudo em um grande jogo midiático. tenho vergonha. não fiz jornalismo, que era meu sonho de juventude, e hoje agradeço aos deuses. teria ainda mais vergonha. e para mim a questão é esta::: não vou admitir que me digam que um apartamento e um sítio invalidam toda uma história, toda uma política que levou milhares de pessoas a ter outra visibilidade. não digo que isso seja certo, mas a lógica política brasileira é tão canhestra que, se fôssemos para agir certos, quase todo político perderia seus mandados. e claro que não perderão --- só a banda podre ligada ao PT vai para a cadeia, foi para a cadeia. isso é justiça? não creio. 

pedem o impeachment da presidenta como quem pedem pão. pedem por quê? pedem em nome da ignorância da qual todos fazemos parte? o que diabos fez a presidenta? por que esta relação direta? 
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filho, não acredite em nada disto. por ora, não tenho otimismos em mim. talvez perdemos. os próximos anos, a próxima década, serão entregues a um partido que odeia a educação (o que faz o PSDB para as universidades brasileiras, para a educação brasileira? sabemos a resposta, filho ---- e esta é NADA). mas ninguém quer saber. só querem saber de derrubar Lula, derrubar Dilma. e vamos pagar por tudo isso. fiquemos assim, filho:::: serenos. 

nem vou lhe pedir para nos regozijarmos quando tudo o que agora existe desaparecer::: vamos manter a mente tranquila, os pés fincados. somos de outro lugar. mas agora o lugar que agora lhe oferto é outro::: é um lugar de quem tem a face toda inteira::: a universidade que agora me planto tem se mostrado tão canhestra. mas acredite::: sou uma boa profissional. sou uma pesquisadora. sou uma leitora. escrevo como quem ama. e escrevo bem. e penso bem. modéstia às favas, filho. porque muitas vezes é preciso esquecer a modéstia. e é assim que iremos sobreviver serenos. sempre haverá um livro para ser lido, um disco para ser escutado e, agora, um mar para nos rodear.

é por saber dos jogos da posição que agora me ponho ao lado de Lula:::  porque sei que se Lula, se o PT cair de vez, não será a corrupção a cair --- de vez. é o contrário. e escute bem isto:::: todos TODOS aqueles que sempre se beneficiaram dos favores, das desonras, da política se beneficiarão ainda mais. porque saberão que jamais serão investigados, jamais serão expostos à vergonha pública. 

o Brasil, filho, infelizmente, é um país de não leitores. mesmo, nós, os supostos intelectuais, lemos pouco. e lemos mal. gastamos muito tempo entre mil afazeres. se não fosse assim, por exemplo, os Diários da presidência, de Fernando Henrique Cardoso, publicados pela Companhia das Letras, isentariam todas as supostas culpas de Lula. acredita nisto, filho? mas ninguém parece ter lido. somos todos apenas espectadores destas notícias fragmentadas do facebook, da internet, da rede Globo [eu, não, da Globo me salvei há mais de duas décadas e há cerca de duas semanas disse, na sua escola, que revistas como a Veja, Isto é e Caras - indicadas pela escola para "recorte" - não serviam nem para recortar]. é triste, filho. e temos que viver indefinidamente com essas tristezas.

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e o que nos restam? restam-nos não sermos parte desta massa amorfa. porque ela é mais triste do que qualquer tristeza que porventura carregarmos. não sejamos ingênuos. não vamos crer nas inocências. mas saibamos escolher de que lado estamos. porque, culpados, são todos.
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que nos sobre alguma fibra. para que aqui possamos estar. e termos em nós o desejo da diferença. 
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não há uma bandeira nesta foto de nenhum movimento social. mas ela só foi tirada porque um projeto deste governo nos permitiu ir até lá. lá onde o massacre das pessoas é indizível. que outro governo daria financiamento para dar visibilidade a um lugar de desonra brasileira:::: onde a polícia foi lá e humilhou e matou gentes. gentes do trabalho. do dia-a-dia? ... então é isto. não saia do caminho. para que você continue sendo o menino lindo que é. e possa um dia estar lá - nas lutas pelos movimentos sociais. mais até do que eu, a sua mãe.
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