quinta-feira, 17 de maio de 2018

Para poeminha




ei, menino, você está crescendo. já são oito anos e tudo é diferente de antes. o que resta de nós? daquela mãe e daquele filho de anos que se foram? eu tenho um medo danado de me perder de você. de perder nossa proximidade e nosso afeto --- eu que durmo pegando no seu cabelo; você que dorme procurando com a mão e com a perna alguma parte de mim para tocar.

o que nesse tempo me trouxe até você? e trouxe você até mim? da minha parte, Poeminha, parece que nada que você faz me distancia. você está aqui --- colado em mim como aquela dor nas costelas que eu sentia quando você estava dentro de mim. presente. e com uma ternura sem fim. já não tenho certeza se ocorre o mesmo com você ::: você me diz seguro e certeiro que algo falta::: "mamãe, você não me escuta". a escuta. 

passo o dia todo agora longe de você. e tenho que conviver com isto::: que você vive sem mim. sem mim seus dias passam. e a casa lhe parece mais acolhedora. eu chego à noite, cansada e infeliz muitas vezes, e seu mundo todo está ali espalhado::: papéis picotados, lols espalhadas, restos e rastros de um dia intenso e provavelmente feliz::: mas você diz 'mamãe' e, para mim, é como se eu estivesse ali o tempo tempo. você que é parte de mim.

Poeminha, digo algo como segredo::: perdi a alegria da escrita. perdi a alegria deste blog. não é por nada. e é por tudo. desde que perdi meu irmão, seu tio que você não lembra de ter conhecido, perdi o amor por esta escrita --- esta escrita descompromissada::: que pode ser uma carta para você, que pode ser uma resenha, uma opinião, um desabafo, uma beleza a não ser esquecida.

você não sabe o que me aconteceu ontem. nosso amigo Marcinho me ofereceu uma cerveja - meio ruim, mas suficientemente boa para que eu não lembrasse de imediato que era ruim - e eu pensei algo como::: "Mano vai gostar de experimentar esta cerveja". não sei porque pensei isso, Poeminha. meu irmão não bebia cervejas artesanais. mas por causa dessa cerveja esqueci por um instante que meu irmão estava morto --- esta cerveja.

eu não sei, Poeminha, o quanto podemos chorar pela morte de um irmão. o quanto podemos chorar sem que isso seja um nódulo que corrompe todo o resto. às vezes, eu penso que vou morrer antes de parar de chorar. ou que alguém mais vai morrer sem que eu possa sequer imaginar se poderei estar viva para viver uma nova morte.

---- eu sei apenas, filho, que nunca, jamais, em nenhuma hipótese, eu quero estar nesse mundo sem que você esteja. eu posso suportar qualquer vida ou qualquer morte --- desde que eu saiba que sua vida continua. e que seja bonita. exatamente como você é.
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não me pergunte nada agora, Poeminha. estou numa fase de teste. não sei exatamente o que sou agora. ou quem >>sei que em vários instantes penso e sei que sou sua mãe. e todo o resto resta.
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