segunda-feira, 15 de junho de 2015

a pata do elefante. ou por que escrevo



a escrita tem me dado muitas alegrias. a escrita me deu alegrias a vida toda. dentre outras razões, é por isso que eu abrigo um blog --- exercitando esse fazer por nada, sob o risco muitas vezes de me sentir meio ridícula de ser uma quarentona que escreve nesta terra-de-ninguém o que se assemelha a um diário --- me deixem acreditar, please, que ao menos tento algo como uma pegada escritural.

mas falo de outra alegria hoje. como esta - de receber na manhã de sábado a revista que tem um artigo meu e uma tradução. o fetiche da publicação. mas o certo é que eu não escrevo apenas em nome da produtividade acadêmica. e demorei muito a fazê-lo. precisei levar seguidas broncas da Mariamada até ter coragem de pôr o meu bloco na rua. escrevo como resultado de ter algo a dizer. de querer ter algo a dizer. e algo que vem das leituras que tento fazer a duras penas. sim, porque somente a duras penas um professor universitário hoje se dedica ao ofício da leitura, tamanha a histeria da "produtividade" em todas as áreas::: pesquisa, extensão, social, aulas, orientação, reuniões para tudo e para nada - e o professor emparedado na própria ignorância que vai se formando como uma crosta. é contra essa ignorância que luto bravamente quando resolvo passar uma manhã toda relendo Ulisses só para encontrar uma passagem que, depois, descubro se resumir a duas linhas!  ou quando passo noites inteiras acordadas à base de coca-cola e cerveja [nesta ordem, geralmente...] escrevendo, como fiz ontem::: agora que me cerco outra vez da vontade de escrever sobre alguém.

Tatupai sempre diz que quando estou escrevendo um texto é quando fico mais feliz --- a alegria da ruminação. é mesmo como me sinto. pois escrever para mim é um modo de pensar sobre o que eu ainda não havia pensado. a expressão "penso com os dedos" tem muito de verdade quando se refere a mim. escrever sobre um autor ou uma questão é também uma forma de garimpo. e gosto muito da fase do garimpo. acercar-me da questão ou do autor por diversas maneiras - muitas vezes de modo aleatório, deixando-me pronta para o acaso, a surpresa. pois vejam como pode ser bonito::: ter um corpo de escrita é buscar, essencialmente, um corpo de leitora.

e tem também a alegria da surpresa (um autógrafo de laura erber na manhã de sexta).  não conto. mas digo da emoção --- que foi tamanha. esquilos de pavlov, que foi o livro de 2014 que mais achei "pancada" na literatura brasileira contemporânea. às vezes, a vida tem coincidências tão bonitas!
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deve ser lindo ser escritor ---- de verdade.  ser um criador. sempre penso em Roland Barthes querendo escrever um romance, acercando-se dele, e o seu romance que não existiu ser a história desse cerco. eu não quero escrever um romance. mas é um não-querer que vem da certeza da incapacidade, da impossibilidade. mas eu quero ser uma pessoa que escreve crítica de um modo honesto, íntegro. e mesmo assim, eu me arrisco o tempo inteiro, porque sou uma pessoa de mil vontades que sempre quer escrever sobre o que gosto, mesmo quando mal sei nada sobre aquilo que gosto - como uma "fisgada" que mal conseguimos localizar. estou nesta agora. e estava quando quis porque quis escrever um texto sobre o marcos siscar. me dava uma emoção me imaginar sendo uma leitora que escreve sobre sua poesia --- o problema é que não sou uma leitora assídua de poesia. o problema é que amo marcos pra caralho e não queria escrever algo escroto ou idiota ou desonesto. daí, o risco. mas um risco que foi bonito correr. dias e dias debruçada sobre o que eu não sabia... e bem ----não sei da qualidade do texto [publicado - agora ele viaja para chegar até a mim], não cabe a mim dizer sobre ela, a qualidade. isso de ser apenas uma das leitoras de sua escrita. como em tudo, há aquele intervalo entre o querer e o poder. a ambição e o saber. mas arrisco a  dizer que o texto tem uma busca de integridade. que todo texto que escrevo tem essa busca. e pode parecer bobagem, mas penso que essa busca existe porque, reitero, escrevo porque gosto de escrever.
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este texto da Alea - gosto bastante, a quem interessar possa. escrevi toda séria. queria falar mal de modo elegante ---- como Derrida fazia. e em uma edição para Derrida. muita emoção. mas elegância é um dos meus impossíveis. quem me conhece, sabe::: eu sou a pata do elefante. mas que graça seria se a pata do elefante não quisesse ser o pouso do passarinho?


sexta-feira, 12 de junho de 2015

nós






somos bem bonitos quando estamos juntos.

com amor.

terça-feira, 9 de junho de 2015

dos tempos




temporariamente, moro sozinha outra vez. sozinha, vírgula. tem a Nina, como antes havia Lady e Janis. aquele tempo foi tão bonito que não é possível fazer comparação. não era apenas a juventude. era uma crença muito grande nas pessoas --- em mim e na longueza da vida. mesmo nas pessoas mais egocêntricas que gravitavam ao meu redor, eu sentia a lindeza. e me alimentava dela. havia muita confiança em mim. no que eu podia fazer com meu tempo. e no que eu fazia com esse tempo. meus amigos eram os amigos mais bonitos do mundo. e cuidavam da minha insônia como quem cuida de quem precisa de pão. meu pão parecia ser aquilo que eu sorvia daquelas pessoas todas, ficando eu mesma bonita.


depois, foi o depois. há alguns anos, eu disse aqui que estava irremediavelmente sozinha. mas aí encontrei o Tatupai. e fizemos juntos o Poeminha. e aí eu virei esposa outra vez e virei mãe. achei tudo tão poderoso. só não foi comercial de margarina, porque não dá para acreditar em sabor da margarina. mas era tão bonito que me deixou em paz por um par de anos. agora que o par de anos passou, tentamos eu e Tatupai saber onde estamos. o que é bonito são as tentativas. aquele apego ao que em nós precisa um do outro. -------------------

--------------- quase não sinto dor. mas há dias que alguma esperança lateja. e sinto uma certa dor. porque não sei sentir esperanças.

meu alimento preferido nunca foi a esperança. sempre foi a beleza dos dias. tantos anos depois da doença que quase me matou, vejo bem que não senti medo ---- não senti medo pela razão errada, mas não senti. e isso importa muito. hoje tenho mais medo do que antes. porque não soube fazer o que deveria ter feito como uma sobrevivente. naquele tempo, eu tinha a certeza de tudo ter feito para viver bem. sem ainda conhecer a palavra, havia muito empoderamento naquilo que eu era. eu sentia que podia morrer --- e estaria em paz. eu ainda era a pessoa de dez anos antes que havia cumprido a promessa de tudo fazer para ser feliz -- dali em diante. dez anos haviam passado rápidos. e haviam sido muito poderosos. Tatupai, numa das longas noites, me disse que se ressentia do modo como eu havia dito na época que poderia morrer - e não seria nada ---- o que para mim era uma paz enorme comigo mesma e com o mundo, ele sentiu como um certo alheamento à nossa história. quando para mim era o exato oposto. era justamente porque estava tudo no lugar::: era tudo muito bonito e muito intenso. não era nada disso de "estar no auge" ou coisa parecida, mas era um estar inteira. achava que era assim que se deveria morrer, sem ter muito sobre o que se lamentar. ser uma morte qualquer entre tantas mortes. como chicoanysio, eu não sentia medo de morrer. sentia pena::: Poeminha estaria em boas mãos por mais que me doesse deixá-lo. e para Tatupai, eu deixaria tudo que havia em mim e de mim até aquele instante, que não era muito, mas era tudo que eu tinha::::: meus livros, meus cds e minha grande ânsia de vida. achava na época que essa era uma grande herança --- que ele poderia estendê-la até muito longe e ser feliz e fazer feliz nosso filho. e que eu seria uma memória muito bonita. 

deixar para o outro a intensidade das minhas alegrias era o meu maior legado--- não poderia haver herança mais significativa.  e esse empoderamento vinha do meu "miolo mole". eu era um "miolo mole" ----. agora,  já não sei. a herança é quase a mesma. mas o quase lateja.  agora eu sofro de excesso de realidade. dá para acreditar nisto? pois acreditem.
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e antecipando as perguntas, digo que houve muita lindeza neste depois. mas foram muitos os baques. perdi um pouco do amor pelas pessoas. e isso me feriu de morte muitas vezes. tem dias, eu mesma passo a mão na minha cabeça, no gesto que faço com Poeminha quando ele se machuca: "foi falta de sorte, filho, já vai passar". mas é que às vezes não passa. às vezes, tudo é acúmulo. e eu fico sem saber se as pessoas já eram assim ou se eu que não o era. talvez seja isto: eu tinha o olho mais bonito --- mas este olho quem havia me dado eram os amigos. e agora, eu me perdi deles. muita boniteza que eu pensava existir, não existe. e aí sinto espantos. e me pergunto por que perdi a mão. por que deixei de ver vaga-lumes no escuro.  

a conclusão que eu posso tirar deste marasmo de texto - e que pode consolar - é só uma::: morrer agora seria uma bobagem --- porque eu iria me lamentar de uma porção de coisas. e ia ter medo. e caralho, pois o que me fez não ter medo de morrer foi justamente não ter do que se lamentar. preciso de um tempo a mais para acertar o olho. porque morrer com medo deve ser muito triste.

[este texto é para meu amigoamado marcio. e que não reste dúvida::: ele é um daqueles amigos que por ter um olho todo bonito enche meu olho de bonitezas infindas vezes].