domingo, 31 de agosto de 2008

eu no painel da cy


eu tenho que colocar isto aqui. estou super ocupada. tenho mil coisas para terminar... até amanhã! mas este mimo que minha amiga cyane deixou para mim no orkut deixou-me numa alegria tamanha e me deu vontade de compartilhar. nas palavras dela, um painel para alegrar meu domingo.

mais do que alegrar, cy me emocionou. sua sensibilidade, sua hospitalidade, seu ser artista que se espalha por quadros, por vídeos, por fotos e pelas palavras sempre me emocionam. aprendi a gostar dela muito antes de nos vermos – o milagre das palavras - e quando a vi em fevereiro deste ano tive a certeza de ter tido a sorte de conhecer uma das mulheres mais lindas. tudo nela transpira força coragem confiança sensibilidade beleza... e ela gentilmente nos doa um pouco disso tudo.

é aquilo que sempre digo. não sei se mereço as pessoas maravilhosas que tenho encontrado pela vida afora, mas sei que o fato de elas existirem é o que me faz realmente ter certeza de que a vida vale. e vale tudo. porque quando temos amigos toda dor carrega delicadeza.

sábado, 30 de agosto de 2008

Deus existe!

E ponto final. Esqueci meu ateísmo e soltei balões.

Será que contei aqui que uma caixa havia sumido na mudança? E dentro dela, no mínimo, uns 30 livros em francês, a maioria de Derrida, que custam em média cada um 50 euros, além das Galáxias, das Teresas, da única cópia de minha dissertação, da minha caixa amarela com minhas lembranças de Sampa, ainda mais meus marca-textos exclusivíssimos comprados nas minhas viagens? Os dois últimos itens eram o pior, porque os livros eu podia comprar outra vez, nem que fosse aos poucos, mas não poderia sair juntando pelo mundo todas as minhas desimportâncias guardadas naquela caixa... Contei não?

Não contei que eu chorei feito um bezerro quando percebi tudo que havia desaparecido, apesar de sempre dizer que quando algo se perde, ou se quebra, é porque já tinha cumprido seu tempo e não devemos nos abalar?

Pois bem.

Se não contei, conto agora que a caixa apareceu.

A-P-A-R-E-C-E-U!

E agora tem balões no céu, minha caixa bem guardada e uma fé inabalável.

...

o sol e o céu sobre mim são estranhos e violentos. traço mapas amassados na certeza de que daqui a pouco um outro sol e um outro céu.

:(

;)

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A saga dos dentes

Há duas semanas: Acho que não vai ser desta vez que tenho uma doença incurável ou qualquer coisa que eu imaginava já corroendo meu pescoço e indo até a minha pobre cabeça desmiolada. Talvez tudo não passe de um dente de siso que só pôde ser visto em um raio-X; é o que me disse compenetradamente um dentista muito simpático que já nasceu dentista, creio eu. Toda a família na placa de entrada do consultório c-h-i-q-u-é-r-r-i-m-o, onde tenho que fazer um esforço enorme para não rir diante de tanta chiqueza e formalidade. Como quem não quer nada, pergunto-lhe se é normal um transplante (é o que tenho que fazer em outro dente) junto com a extração do siso; ele me responde que é muito normal e quando lhe digo que minha pergunta é idiota porque, se não fosse normal, ele não me diria, ele se compenetra todo e me conta do seu mestrado em transplante. Fiquei mais tranqüila. Não pelo mestrado, porque eu costumo pensar enquanto falam comigo e pensava coisas deste tipo: eu também tenho mestrado, além de doutorado, nem por isso sei muito da minha área, aliás acho que sei bem pouco e também me perguntava se porventura ele não seria disperso como eu e quantas aulas ele havia deixado de assistir; e se tivesse sido justo aquela de arrancar um siso que nem está a olho nu? Enfim, ele falou uma boa meia hora e eu fiquei mais tranqüila apenas porque ele apertou bem forte minha mão e deu um sorriso dizendo que não doía nadinha! Como as mulheres são suscetíveis aos sorrisos... De todo modo, deixei lá seis folhas de cheque, tamanha a exorbitância, e agora só me resta torcer para não pensar nestas coisas enquanto ele estiver transplantando meu dente e jogando fora meu único juízo. E torcer para que depois esta dor no pescoço me abandone.

Há 9 dias: meu pescoço dói, minha cabeça mais ainda e ainda passei a noite insone. Mesmo assim, vou ao dentista começar o tratamento. Sei lá o que falei ao telefone, mas sei que entenderam que eu queria fazer o transplante naquele dia. Nem tive tempo de dizer que não, que estava doendo a minha cabeça, que eu não estava agüentando nem que me sorrissem quanto mais me arrancassem dois dentes. Não tive tempo. E quando dei por mim já estava debaixo de um lençol com a boca arreganhada ouvindo os barulhos mais terríveis que uma pobre alma pode ouvir e suportar. Uma tortura. Uma tortura sem dor, mas ainda tortura. Vez em quando eu mexia os pés e gemia. Puro medo, porque doer não doeu nada. Experimentava meus gemidos, talvez; porque um dos absurdos que descobri nestes dias de ida ao inferno é que gemidos que variam podem incomodar mais do que um elefante. Vejam se tem fundamento uma neurose desta envergadura? Sem gemidos, a frigidez; com gemidos, bah!, jesuscristinho me proteja de mim mesma, já que não me protegeu de uma neurose desta. Enfim, saí mais frágil ainda do consultório, anestesiada, boca rasgada, dentes a menos, e só me restou passar dias à base de sopinha e sorvete e muito analgésico e antiinflamatório que me deixaram grogue, grogue até não agüentar mais olhar nem para a rede nem para a cama e experimentar dormir em pé encostada na parede.

Há cinco dias: meu rosto ainda estava um pouco inchado, o que não me impediu de ir assistir a Kung Fu panda e me matar de rir, assim como não me impediu de berrar na derrota do vôlei masculino e dizer todos os palavrões possíveis e impossíveis na frente dos donos da casa onde fui pela primeira vez. Kotz, kotz!

Hoje: meu pescoço continua doendo. Hipocondríaca, penso que talvez vá morrer jovem. Amanhã irei a outro médico. Aquele dentista, apesar de levar TODAS as minhas economias inexistentes, não me tirou esta dor no pescoço. Também o que eu queria? Sua especialidade não é pescoço. Só uma coisa é certa: os dentes agora jazem e tenho uma janela entre os outros que me deixa com vergonha de sorrir. Fudeu! Vou bem ali me jogar da varanda. Pensando bem, vou continuar lendo os Sermões, senão, além de não sorrir, não vou saber o que falar amanhã na aula às 7h30. Mas quem sabe falar seja o que for às 7h30 da manhã? Fudeu duplamente! Ou triplamente ou de quatro ou um grande bacanal. Qualquer coisa, mas nunca às 7h30 da manhã, por favor.

...

Uma dezena de livros chegou pelo correio.
Pós-doc no forno.

E também In/Rainbows, do Radioread.
Thom Yorke é nada menos do que gênio.

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terça-feira, 26 de agosto de 2008

Noite de popstar

Na semana passada, acho que dei uma palestra do caralho (continuo influenciada pelos roqueiros!). A primeira como professora na universidade. E eu juro: não sabia qual seria a reação de quem a ouvisse. Havia dias que eu precisava preparar o que dizer no seminário de integração na abertura do semestre. E eu estava na merda, como meus três raros leitores devem ter sacado. Tão na merda que não conseguia ler nem uma linha. Então fui escrever que é coisa que qualquer alfabetizado consegue fazer mesmo quando está na merda. E escrevi em uma única noite 19 páginas, que tive de reduzir para 13 para ficar dentro do meu tempo. Sem crise. Havia muita bobagem para ser jogada fora, além das que eu deixei. Então lá fui eu com meu texto, com minha blusa nova, achando que, se fosse cantora, assim que eu começasse a falar, começariam a voar tomates na minha direção. Qual o quê! Se minhas ouças não me enganaram, fui aplaudida como uma popstar (roqueira, evidentemente!) Li meu texto sem nenhum tremor, apesar do temor, levantando os zóinhos vez ou outra para poder desviar dos tomates antes de eles estourarem na minha blusa nova.

E os tomates não vieram. Era para eu ter falado sobre pesquisa. Importância da pesquisa. Mas eu não sabia falar direito sobre isto. Então falei torto. Tintim por tintim porque eu me considerava uma pesquisadora; desde lá do início quando eu era aluna no curso de Letras. E como tia disfarcei conselhos no meio da confissão. Falei de Sampa. De Paris – e de como eu me relacionava com estas cidades. Falei de minha compulsão por coisas novas. Das minhas lágrimas. Da minha paixão por Barthes. Da traição que fiz a ele quando preferi escrever a tese sobre Derrida. E das angústias dos impasses. E chamei tudo isso de pesquisa, de pesquisa para a vida, e disse-lhes que esta era a que realmente importava, que era realmente a que fazia sentido se não quiséssemos ser amebas pela vida afora. Disse-lhes também que a maior parte das pessoas prefere ser ameba, porque não sê-lo dá muito trabalho, mas que eles acreditassem: podia ser tudo muito divertido se eles realmente sentissem desejo, porque sem desejo nada valia muito a pena. Disse-lhes tudo com minha voz de pato e mesmo assim deu tudo certo.

E escrevi tudo que escrevi, disse tudo que disse, porque precisava me lembrar de quem eu era e por que estava aqui. E acho que os alunos se identificaram porque, embora o que eu disse em tese deveria interessar apenas a mim, todo mundo acaba se identificando com quem tem alguma noção do que quer fazer para preencher os dias neste mundo besta. Depois dessa façanha acho que mereço férias. De preferência, em Paris, por favor! Mas antes darei três disciplinas no semestre, preparando tudo bem direitinho para honrar com minha nova posição de popstar. Sim, sim, porque como uma popstar ganhei muitos abraços e muitas pegadas depois da palestra, com direito a me dizerem que foram entrando, entrando na minha conversa até se sentirem totalmente lá dentro do que eu dizia. Oh yeah! Estou me achando, mas, convenhamos, não é todo dia que isso acontece. Não comigo.

sábado, 23 de agosto de 2008

Manhã

Sem TV perco a vitória das meninas do vôlei. Vou bater em qualquer porta hoje à noite para ver o masculino dizendo alguma frase do tipo: “Olá, eu sou professora na universidade, mas não tenho uma antena de TV. Será que eu poderia ver o jogo por aqui? Mas aviso antes que não consigo evitar alguns gritos histéricos quando vejo vôlei!”. Juro que vou. Já disse aqui muitas vezes como sou aficcionada pelo vôlei, então fui às lágrimas só de ler as notícias. Valeu, meninas!

E acabei de ler os poemas do Juba. Finalmente, cheguei ao apelido definitivo do meu ex-marido. Juba não é nem Júnior, nem Jujuba, nem todos aqueles apelidos bobos que criamos na cumplicidade. Juba ficou bom! Quem lê entrelinhas deve saber como pago o maior pau para ele, como confio e acredito nas suas escolhas, por mais que elas pareçam estaparfúdias para alguns. Daí que foi uma emoção ler seus poemas; leio-os e vejo-o inteiro. Rápidos como ele, tão cortantes como ele; viscerais, expondo dores, espantos e muita vida – de hippie. “Oh, Juba, nem preciso dizer que sempre soube que você era poeta. Mande quantos quiser que eu passo a minha lâmina de revisora. E adivinhe? Não prometi a você e a Ri que ia para a academia ganhar resistência para subir Macchu Picchu? Pois matricula feita!”.

Ontem também li os poemas de Rinaldo. E escrevi sobre eles. Rinaldo é o vocalista do Soda Acústica, um grupo muito maneiro de Porto Velho que vi na sala do Itaú Cultural, em Sampa. E gostei demais dos seus poemas e, por isso, inventei monte de palavrinhas na tarde vazia. Talvez depois eu coloque aqui.

E ganhei um poema de outro escritor, o Alberto Lins Caldas [seus livros são bons demais!]. Ganhei também uma carta dele – que eu já li, reli e treli um milhão de vezes. Daquelas cartas que só recebemos uma vez na vida de tanto que tudo parece estar contido ali – como um abraço. Só precisa que eu saiba.

O poema é este. A carta é só minha:


eu q sou ninguém
devoro ruínas
depois desse deserto
y esses mortos
porq sou polifemo também
y como nada é certo
além desses portos
agarro as crinas
de tudo q temo


E é por estas e outras que desde que acordei escuto os CDs de Itamar Assumpção no volume mais alto. E tenho vontade de dançar e mandar embora esta tristeza amarga. E tenho vontade de saber cantar. E tenho vontade. Porque este nêgo dito, vulgo beleléu me deixa sempre por inteira cheia de vontade. A cada vez que eu sentia que a melancolia branca de Paris ia me atingir, eu colocava alguma música do Itamar no ipod e era engraçado ver todos aqueles rostos sérios, aqueles dias frios, aquelas árvores secas ouvindo Itamar berrando algo estaparfúdio, engraçado, irônico, seco e certeiro. Eu acho que o mundo todo devia ouvir Itamar só para sentir como a vida pode ser divertida mesmo quando levamos a pior topada da vida... A unha arrancada, o dedo sangrando, e se é capaz de cair na gargalhada!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Como um cão



À noite, Nina Simone atravessa as paredes incomodando os vizinhos. Não sei por que a ouço. Não a ouvia com quem me causou esta dor. Talvez seja porque a dor de Nina tenha mais espanto do que a minha; ela era uma mulher com uma dor insondável; olhos arregalados diante do horror do mundo dizendo frases desconexas, não pedindo nada; nada mais do que exigindo. Eu também não tenho pedido nada – a não ser ao meu amigo que sabe exatamente onde estancar a dor. Ouço Nina Simone e escrevo apenas porque devo vivenciar esta dor para descobrir logo adiante que ela vai se esvair. Talvez Sinnerman seria a música da minha vida, se Mr. Bojangles não me trouxesse toda aquela chuva. Estou atrás daquela que é diferente de Nina. Daquela que gosta de sorrir dias a fio. Estou assim porque tudo veio em um único golpe, como em Kafka que agora releio. Neste deserto, esperei que enterrassem a faca no meu coração e a virassem duas vezes. E vi de olhos arregalados o sangue respingando por todo o tapete que ainda não tenho na minha nova casa. Como um cão. Olho detidamente nos olhos do cão parado diante de mim sem que eu saiba o que fazer com ele. Deixo-o aqui olhando-o para mim com a mesma intensidade? Ou decido que ele não pode comigo? Ou simplesmente deixo-o morder meu calcanhar até os pedaços criarem pus e apodrecerem? Eu não sei. Não tenho frases. Deixei-as todas em algum lugar e agora não encontro a chave. E ainda assim. Vivo a minha sexta-feira da paixão que veio de repente. Mas foi assim mesmo? Ou eu escondi a agonia entre os dentes até que o outro viesse e cravasse uma faca entre eles bem ali onde meu sorriso teve que parar suspenso no ar; como uma promessa que nunca chegaria ao seu fim? Ainda assim procuro caminhar com um discernimento tranqüilo ao encalço de mim mesma. Como Kafka e Nina Simone, não me importo com o horror que encontro pelo caminho. E talvez seja por isso que ela incomoda os vizinhos. Os leques que me abanavam ainda ontem se recusam a abrir. Apodreceram também e eu me sinto debastando todas as fantasias; pierrot em lágrimas. No último carnaval, bêbada sem minhas amigas perceberem, danço ao som de Elba Ramalho e de repente cai sobre mim aquela lembrança de um carnaval muito distante, com Elba também à beira da praia. As lágrimas saltam à minha revelia e eu me agarro nos braços da ruiva e choro todos os carnavais sofridos, embora aquele esteja tão bonito e sem nenhuma dor. É como agora. Sinto a beleza do momento nas frestras da dor. Sinto a beleza e quase a alcanço. Nina diz oh yeah. Meu corpo sente uma falta intemporal, imemorial, que nada tem a ver com a falta de outro corpo. Tem a ver com este horror que Nina Simone infringe aos meus olhos; um horror cheio de delicadeza.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Este Bernardo Carvalho...


Desde que comecei a escrever em blog – bah, já vai fazer cinco anos – eu optei por não escrever sobre os “livros teóricos” que eu lia. Era o início do doutorado e eu sabia que teria de ler muitos livros desse tipo. Eles não entram nem na minha lista: ponho ali apenas o que leio para-além da obrigação. Porém terminei de ler um livro de crítica do escritor Bernardo Carvalho [que é romancista e escreveu, entre outros, Nove Noites, Mongólia, As inicias etc.] e senti vontade de comentar sobre esta leitura. O livro chama-se O mundo fora dos eixos [crônicas, resenhas e ficções] e é uma reunião de seus textos publicados na Folha de São Paulo desde 1995.

Bernardo não é daqueles ensaístas brilhantes que ficamos embasbacados devido à linguagem, mas tem muita sacada bacana; sabido, sabido...! Senti um incômodo e um prazer intenso ao lê-lo. O incômodo e o prazer vieram da enorme variedade de seus interesses. Ele não se restringe aos livros, mas discorre também sobre cinema, artes plásticas, viagens. Sua maior preocupação – ou pode ter sido a seleção feita por Arthur Netrovski que faz pensar assim – é localizar o estatuto da arte na contemporaneidade. E neste sentido é muito interessante, porque ele nem é daqueles integrados, que acreditam que tudo está nos eixos, mas também não é um apocalíptico, que acha que o “fora dos eixos” é uma desordem absoluta. Ele se interessa enormemente pela arte de seu tempo. Dá para sentir que escrevia os textos “pegando” o que lhe estava à mão naquele momento; e este estar à mão mostra uma pessoa irrequieta, atenta para o que acontece não apenas no Brasil, mas também no mundo. E como viaja este Bernardo: Japão, Nova Iorque, Paris, Acre... e por aí vai! Mordi-me de inveja.

Longe de ter o seu conhecimento e a sua sensibilidade, eu tenho que confessar que me identifiquei com ele, e por isso me incomodei – e ao mesmo tempo me redimi. Eu sempre penso que deveria ser mais focada; que deveria como professora de literatura brasileira me focar mais na história e na própria literatura brasileira. Por que diabos eu me interesso tanto por saber o que ainda não sei e quero assistir a tantos filmes, a tantas peças de teatro, ouvir tanta música? Tudo MUITO. Por que, neste momento, estou lendo Artaud e Bernardo, quando deveria ler mais Machado de Assis e Padre Antonio Vieira, ja que é sobre eles que tenho de dar aula? Por que, jesuscristinho, eu não me contento com um cadinho de cada coisa? Por que eu varo as madrugadas assistindo a Filme de amor, do Bressane e 10 on ten, de Kiarostami, enquanto bebo uma cerveja depois da outra até me sentir tonta e começar a escrever palavras carregadas das minhas dores, juntando-as com as dores do que acabei de ver e ler?

Eu não sei por que sou assim, mas confesso que me senti aliviada ao ler alguém que se parece comigo (repito: não estou me comparando, estou me identificando, porque ele é zilhões de vezes mais sabido do que eu). Não sei se Bernardo bebe cerveja (se um dia vê-lo em alguma palestra, hei de perguntar), mas agora sei que ele perde muito tempo com todas estas inutilidades: cinema, literatura, artes plásticas. Assim como eu também perco. Então, se ele é assim e ainda escreve aqueles romances fodidos de bons (eu reclamei de Nove Noites, mas é porque sou enjoada), acho que vou continuar sendo como eu sou. Afinal, embora me dê chicotadas de vez em quando rogando por mais foco e concentração, eu gosto muito de meus variados interesses :)

Bem, mas agora que terminei o livro deste fofo e escrevi aqui no blog, vou ali ler uns sermões do Padre, porque é sobre ele que amanhã tenho que falar para 30 alunos!

Sessão cinema em casa

E assisti a Filme de amor, de Júlio Bressane.

E a O pântano, de Lucrécia Martel.


Minha gente, que filmes são estes?
estou até agora perturbada.
mais do que já sou.
como é que ele consegue aquilo? palavra.
como é que ela consegue? imagem.

Cinema de mais alta voltagem.
cinema para pensar.
nem adianta ter preguiça de tentar compreender.
é preciso pensar. é preciso tentar.
é preciso ver sem reserva.
deixar-se levar como um condenado à morte.
e sentir e sentir e sentir e sentir...
amém.

Noite de domingo

Domingo, teve um coral italiano na praça. Grupo coral insieme. Estão aqui em Rondônia fazendo um trabalho voluntário de ajuda à construção de um hospital do câncer em Cacoal. Emoção por inteiro. Lindo, lindo, lindo!

Lembrei de Roma e de Veneza. Lembrei de mim naquelas cidades. Das muitas passadas, dos muitos becos, das muitas pontes... Lembrei, lembrei e lembrei. E achei que a vida era boa. Que eu já tinha feito tanta coisa, visto tanta beleza, sentido tanta emoção. Sim, sim, beleza e emoção me levando para bem longe de minha dor. Por um momento eu senti apenas beleza e emoção ao ouvir o coral; como aquelas que sinto quando viajo, quando leio um livro que me arrebata, quando escuto uma música que me atravessa. Sim, a vida é bonita, foi o que pensei.



sábado, 16 de agosto de 2008

Aquela moça

É aqui
por enquanto
ainda não tem
cortina
tapete
luz indireta
amenizando a noite
quadro nas paredes


Ana Cristina César

O moço pinta as paredes. Sorri quando passo. Gostas de azul? Não, mas estou começando. Se na vida fosse fácil, deixaria tudo azul com uma pincelada. Passaria a tinta em toda a sujeirada e retiraria esta dor que tem me feito andar elegante pelas ruas – à moda de Leminski. Eu havia mudado, mas agora percebo que o mais interessado não soube. Apenas meu amigo do MSN sabia. Eu quase escutava sua respiração de contrariedade quando eu lhe contava que aquela moça antiga não existia mais. Ele se ferrou com aquela moça, chorou suas noites vazias, mas me prefere daquele jeito. Então eu vou cair na noite com alguma paixão de uma nota só, bebendo longos goles de cerveja enquanto escuto concentrada algo que no dia seguinte será minha prioridade. Eu não sirvo quando fico boazinha. Eu não sirvo quando quero aprender a cozinhar. Eu não sirvo quando digo sinceramente que amo. Ontem comi miojo. E antes de ontem chupei uma manga bem madura e passei a noite toda lendo Nietzsche. Exatamente como aquela moça fazia. Talvez deva começar a gostar de azul. Talvez na penumbra da noite insone, eu me reencontre naquela casa com cortina de tecido cru. Ali eu gostava de mim; toda entregue à sutileza. Ali eu era aquela moça que meu amigo gosta. Agora, sem cortina, ando a achar que vou ler todos os livros que ainda não tive tempo de ler. Sem cortina, repasso as mentiras, os enganos e entendo finalmente a impaciência, o descaso, a ironia; estas espécies filiadas da loucura. O entendimento devassa com dor profunda, perfurando todas as minhas fragilidades. Respiraria aliviada se ao mesmo tempo a gengiva não sangrasse. Eu compreendo bem a loucura, meu amigo também; já fiquei louca e sempre foi muito melhor do que qualquer sanidade. Sei do que estou falando. O que não entendo é a brutalidade, a hipocrisia, as dores e as devassidões da minha loucura repetindo-se. Um pouco pior. Um pouco melhor. Sinto o gosto das maçãs podres corroídas por vermes que sobem nos meus calcanhares. Perguntas difíceis demais. E sem resposta, as loucura me ferra de tal modo que eu demoro a encontrar o prumo. Talvez por isso eu tenha querido mudar. Mas agora vai ser diferente. Eu vou pôr cortinas de tecido cru e desenhar um telhado na varanda. E voltarei a habitar aquela antiga casa até ser atingida por algum raio que me tire de lá e me convença de que talvez até valha a pena aprender a fazer ratatouille para os dias de ternura e de silêncio e de calma. Vai ser melhor do jeito que já está sendo.

Ainda calango



Anéis e coruja na caldeirada



Porcas Borboletas


Cabruêra


Do amor


Vanguart

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Festival Calango


Três dias de rock in roll na cidade de 40 graus. Cuiabá mais parece uma grande caldeira. As noites, uma grande caldeirada. Calangos por toda parte. 44 bandas. Chegamos sábado, no segundo dia; eu e minha melhor amiga; ela, depois de 24 horas de ônibus. E eu, 12. Encontros no meio do caminho. Eu gosto da imagem do meio do caminho. E gostei de muitos outros momentos: picolé no fim da tarde, asfalto queimando embaixo dos nossos pés, cineminha, um não ter o que fazer calmo e prazeroso; óculos novos para a ceguinha, DVDs para as noites longas, CDs para os ouvidos moucos, blusinha cheia de flores, decisões para o porvir; algum assobio, muitos assombros. Foi bom demais.

Calma que eu não virei roqueira aos 33 anos. O que me levou a ir é esta minha velha vontade de conhecer o que ainda não conheço. As páginas da net haviam me levado ao myspace. Porque sim. E por que não? Por isso, queria ver o Cérebro eletrônico. E Porcas Borboletas. E Vanguart. E vi. O Cérebro, com seu pop sensível, bebe na fonte doida e delirante do tropicalismo, mastigando muitas referências. Adorei desde que ouvi. Porcas é irreverência, poesia, performance, inteligência e sarcasmo. Os poemas de Danislau Também vieram na minha mochila. Reconheci de imediato um texto da Clarah Averbuck (preciso contar meu encontro com esta moça nas madrugadas insones!); é assombroso como eles fazem a prosa virar música. Vanguart, ah Vanguart, virei fã. Uma molecada sabida demais tocando folk. O guitarrista e vocalista, que também toca flauta, fazia lembrar não apenas Bob Dylan, mas também John Lennon, Mick Jagger, Kurt Cobain... todos estes deuses meninos que brincam de pecar. Eu fiquei realmente impressionada com a sua força e segurança no palco. E comentei com a Mari que não há nenhuma categoria de músico mais sexy do que a de roqueiro. E não apenas eles me pareciam comprovar que isso deve ser verdade. Tem uma energia em todo grupo de rock que vem junto com as performances ao vivo que é dificil se repetir no CD.

Aqueles que me pareceram fazer som sem nenhuma pulsão criativa, apenas seguindo o trilho que já está lá atrás, não mexeram muito com meu ouvido pouco habituado com a barulheira. Mas as bandas que, a meu ver, carregavam uma pulsão criativa, fazendo uma sonzeira do caralho (esta é a expressão mais repetida pelos roqueiros), me deixaram entusiasmada com o que descobri. A banda Do amor é uma delas. O título me pareceu meio adolescente, mas as letras têm um quê de nonsense delicioso, além do balanço. Eles são do Rio de Janeiro, mas têm tantas influências nordestinas que me deixaram zonza de alegria. Caldeirada. Entre um show e outro, uma cerveja e outra, levantei os dois polegares num sinal de positivo para o guitarrista. Em um instante, ele já estava por ali chamando para ver o outro show de perto. “Oh Gustavo, valeu pelo papo no pé de ouvido. Você tem razão: Filomedusa e Cérebro eletrônico são do caralho!”

No domingo, ficamos meio desanimadas com as bandas do início, mas o que veio depois foi uma loucura. Uma me parecia melhor que a outra. Cabruêra, que veio lá de Várzea Grande, na Paraíba, foi para mim o ponto alto, se não fosse a garotada do Vanguart, que encerrou a festança. Cabruêra é um caldeirão de invenção: toda a cultura nordestina está ali deglutida, devassada, numa performance enlouquecedora do seu vocalista, que dançou no meio do público, que gritou na lata dos meus ouvidos a tão conhecida Carcará totalmente renovada num frenesi musical incrível: “Carcará pega, mata e come”, foi o que ele berrou. E eu achei que é isto mesmo: estes grupos que eu citei, e outros que meus ouvidos não souberam alcançar, estão por aí, na cena independente, pegando, matando e comendo toda uma diversidade para fazerem música de alta voltagem e qualidade.

Ah, e esqueci a Curumim, a Macaco Bong... é; gostei mesmo.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Tradução



Chove muito lá fora. A moça na varanda vê os tetos de zinco. Acaba de ouvir uma voz em outra língua. Meio dia e meia. 16h30pm. Como não soube responder a nenhuma das perguntas feitas a ela, conta uma história: “Lembra do dia em que lhe disse? Hoje eu fui Roland Barthes, contrariado, despelado, acanhado, sentado em um banco gelado, segurando seu engano sem saber o que fazer com ele, até se levantar e o caminhão passar por cima da contrariedade, do despelo e do acanhamento. E o banco gelado perder imediatamente a importância. Pois estou outra vez diante da varanda segurando meu engano sem saber o que fazer com ele à espera do caminhão”. Contada a história, a moça volta a não compreender a outra língua. Entende duas palavras. E nem chega a chorar. Na varanda, vê os tetos de zinco na chuva. Meio dia e meia. 16h30pm.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Merci, jesuscristinho


Já estou me acostumando com as manhãs felizes. Um dia, é o interfone com meus CDs. Em outro, é descobrir que minha conta corrente amanheceu azul depois de meses. Todo mundo sabe que é roubada conta vermelha; é uma sangria sem fim. Mas esta mudança, estes desejos todos... Agora tudo certo; tudo azul. Vou fazer cofrinho para ir bem ali. Esta é a outra manhã feliz. Descubro que vou bem ali. Cúmplice. Tendo lado a lado pessoas que acreditam. Que desejam. Que me dizem que minhas asas devem ficar bem aqui onde sempre estiveram. Obrigada, meus amigos. Tendo vocês a me ouvirem, eu posso até sofrer. Não sei bem como lidar com esta dor, porque não sou de sofrer, mas vocês me ensinam. E me dão manhãs felizes. Logo a mim que não via manhãs. Vozes de longe cuidam de mim, pondo no colo, alisando meu cabelo. Eu posso até com esta dor no pescoço indo para o braço e me deixando mole; e posso com este remédio me deixando sonolenta. Eu posso. Não é por nada, mas meus amigos são fodas. Merci!

E tem tanta doçura. Machado e seu alienista. É bom demais. Me reencontrei com Machado no seu centenário. Ele está espalhado pela casa toda. Ontem me deu boa noite com aquele olhar de ressaca; atrás dos óculos sérios. E as Chicas; o balanço de Ludov e Cidadão instigado fazem um barulho danado. E este fofo do Rômulo Fróes canta e minha alma toda se esgarça enquanto pensa: “canta assim não moço, minha alma em pedaços vai se jogar desta varanda e lá embaixo tem apenas tetos de zinco me esperando”. E eu gosto. E tem Nina Simone às alturas às três da manhã só porque eu tive a idéia de escrever um conto com pitadas eróticas. E a pus lá dentro com sua voz cheia de melodia torturada. Tudo isso até o vizinho bater a minha porta. Do vizinho conto depois. É que meu chão estremecia sobre a cabeça dele.

Som baixinho, Nina Simone sussurrou até que eu, exausta, dor no pescoço, também caísse nos braços de Morpheu. Merci, jesuscristinho, por ter me dado insônia, bom gosto, bom humor, as lágrimas e Nina Simone para embalar tudo isto. Porque, depois das primeiras 48 horas, eu acordei com vontade de fazer TUDO. E como estou aqui, trancafiada, eu vou fazer TUDO do único jeito que sei: indo para o abismo. Que é uma miragem. Que é uma imagem. E é um jeito bom de viver inteira. De viver o porvir, esta palavra que aprendi naquele lugar frio.

Bilhete deixado na janela

Ainda a noite é muito longa, mas vai ser apenas hoje. Eu sempre fui a primeira a dizer que amor tem prazo de validade, salvo para alguns poucos. Difícil é pôr as lembranças a salvo e longe. O tempo, eu sei: senhor. Os cheiros com outros cheiros no mesmo ar, até que se esvaiam. Se eu tivesse sabido, teria guardado você bem aqui junto de mim. Mas eu vou lhe guardar de qualquer jeito. De outro jeito, mas vou guardar. Quando eu vi você naquela última vez, eu já sabia que você já tinha partido. E senti muita serenidade. Vi você correndo na rodoviária e me perguntei quem era aquele que corria. Não me reconhecer já era sua forma de adeus. E procurei deixar você ali no banheiro da rodoviária junto com aquela água misturada com xampu. Mas quando saí você ainda estava ali. Nenhuma emoção no olho de pedra que você aprendeu comigo. Eu gostava de ver você dormindo enquanto a insônia atrapalhava meu sono. E gostava de outras coisas também; sobretudo das suas mãos suadas e dos seus dedos chatos nas minhas entranhas. Eu vou me lembrar de você. Vou me lembrar de você rindo. Aquele riso diferente que era só seu do início, do meio e que aparecia raramente no fim. E do meu riso provocado por você. Já esqueci você outras vezes. Vou lembrar como foi. Guardei tudo que nos pertenceu. E era muito pouco. Ritual. Antes todos os adeuses me pareciam no seu tempo. Agora sinto a extemporaneidade, e por isso tudo guardei. No outro adeus tinha você para me consolar. E Dostoievski me trazia o outro inteiro. Até você roubar todos os Dostoievskis. Não seremos amigos, eu sinto. Já tenho grandes amigos de outras histórias. E nada era em comum em nós a não ser aquela loucura; aquela. Era a doçura que nos sustentava. Você, Eduardo; eu, Mônica. Sem final feliz. Sem filho para atrapalhar as férias. Nestas, eu irei para aquela cidade distante que aprendi a amar. Talvez foi lá. E agora eu estou tão mudada. Agora não estou achando nada. Agora estou irremediavelmente sozinha. Mas apenas com um pouco de medo. Não se preocupe que eu não me preocupo: só queria dizer adeus ainda como um beijo de amor.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O sem-sentido dos sentidos


(sim, meus poucos leitores, sou uma camaleoa! Perdoe-me se não avisei antes)

Tem dias que a noite é uma merda; passa-se a noite derramando rios, mesmo tomando analgésicos, como, por exemplo, ver Catherine Deneuve levando chicotadas na Bela da tarde às cinco da manhã. E lá se vão 48 horas sem dormir, até que se dorme, pronto, simples, fácil, no meio de uma frase de um conto do Machado, dorme-se, sonha, acorda-se para fazer xixi e descobre-se que sonhou; e o sonho nem era ruim, e dorme-se de novo e acorda-se com o interfone tocando. Dia novinho.

Aí pare o mundo, parem as lágrimas que já secaram ontem, que o carteiro está dizendo que meus cds chegaram; agora eu vou ouvir músicas novas, de músicos que eu nunca ouvi, e escolhi quando já estava sozinha – quando ela via um filme porcaria, quando ele jogava xadrez –, e são cds do cacete; um mais bacana que o outro; e deliro imaginando-me com vários ouvidos ao mesmo tempo. Por que tenho apenas dois ouvidos e eles funcionam tão mal? Tem nada não, prego o ouvido na vitrola, deitada no chão, e ensaio uns passos e danço sozinha. sozinhasozinhasozinha; muito bem acompanhada.

Você lembra, Milena, quando voltou de Paris, aquela sensação de vazio na cidade de São Paulo? Lembra que chorou muito mordendo o seu lençol como você sempre faz quando se deita? Lembra que você dizia a si mesma que não tinha problema chorar nem doer por que você sabia que iria passar? Lembra que você sabia que a cidade te acolheria mais cedo ou mais tarde? – Lembra, lembra, sim. Então agora porque agora está agora com medo agora que agora vai ser agora diferente agora? Que se foda todo o resto. Porque o resto importa muito, mas você vai saber cuidar de tudo, mesmo quando não souber. Quando tudo virar a mesmice de sempre, você vai olhar para o espelho – que ainda não tem na sua nova casa – e te ver cheia de rugas e mesmo assim achar que ainda pode desviar o caminho. Porque você sabe do caminho, sabe que quer um caminho; sabe que são caminhos. E vai andar o mundo todo para não deixar que nada fique vão. E vai saber parar também. Vai saber ficar. Que se foda todo o resto, porque hoje chutei livros tão desesperados quanto eu, e vi Sean Penn; aquele que deu umas porradas na Madonna e ninguém mais lembra, porque ele é um puta de ator fodido, cheio de verdade, cheio de sangue em todas as veias. Porque hoje lembrei de todas as porradas; e achei que tudo tinha que ser assim mesmo.

A Terra vermelha deixa ainda mais visiveis as latas demais espalhadas na nova mesa de vidro.

E por favor, não confundam, tudo isso é uma tentativa de fazer literatura. Porque o que gosto mesmo é de os dias correndo tranqüilo, sob controle, desde que seja ao som de arnaldo antunes, este loucomalucobelezadoséculovinteeum onde-não-se-acredita-em-nada-mais; que deve ah que deve... E é isso que quero: nada certo demais, nada que me exija demais, nada que queira arrancar de mim o que eu não tenho nem estou a fim de ter; carteira assinada; protocolo. Estou casada há quatorze anos com aquele que já me separei há quatorze anos. E sempre achei que ele era muito foda e continua sendo todo puro, todo louco, todo entregue inteiro; e sorrio toda pensando que a sua menina linda é cheia de sorte; que ele vai marcá-la, vai arrancar a paz dela, vai fazê-la sofrer, mas ela vai saber que amor é isto; que amor pode matar e, sim, morrer de amor bem pode ser o ponto alto da vida. E depois da morte vem a vida toda pela frente. E é isto que é a vida; é assim que vale a penar estar na vida: uma grande fantasia de pierrot. E no próximo carnaval eu vou poder beijar todas as bocas; na próxima viagem também vou poder beijar todas as bocas. Desde que eu queira. Não vou querer, mas vou poder. E é assim que é bom. E a vida vai se misturar com a literatura tosca que agora tento escrever com todas as latas espalhadas na minha nova vida de vidro.