sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ano ano ano, venha

Em tempos de tempestades
Diversas adversidades
Eu me equilibro, e requebro
É que eu sou tal qual a vara
Bamba de bambu-taquara
Eu envergo mas não quebro

(Lenine/ Carlos Rennó)




No fim de ano,  tudo fica meio em suspenso. Eu fiquei dois dias sem dormir - e não é modo de falar - na tentativa de colocar a vida em dia, antes de vir para a casa da minha irmãManeca, onde estão meus pais. Mesmo assim, trouxe serviço na mochila. Muito.  Com duas exceções, quando cheguei, desisti de fazer qualquer coisa. Abri um hiato. Até mesmo O homem sem qualidades, que eu tinha a esperança de poder colocar como um dos livros lidos de 2011, quase não foi aberto. 

Na verdade, eu estou com uma sensação de cansaço. E é contra ela que eu luto agora. Em 2011, foram muitos os momentos maravilhosos. Mesmo assim, terminei com um sentimento indefinível de "algo fora da ordem". Não que eu goste só da ordem. É que estou com o sentimento besta de vazio. Questões irresolvidas em mim. Decisões que já havia tomado e não levei adiante, como a de não trabalhar nos fins de semana, que consequentemente daria mais tempo para me dedicar ao que amo e a quem amo. Daí, a maior parte do tempo ter sido de trabalho, num ano em que perdi muito da alegria que o trabalho na Universidade me dava. Lá mesmo, involuntariamente, estive muito perto do lado mais feio e terrível de pessoas. E essa sensação indefinida tem um pouco de horror de perceber o outro dessa forma. Poucos dias antes de vir para cá, um fato em especial me chocou profundamente. Vi muito de perto a intolerância, a maldade, o preconceito virarem atos de loucura e total desrespeito ao outro. Sobraram horrores e faltaram brechas, embora elas tenham existido. 

Em 2001, foi o ano em que li Anna Karîenina. E mais uma meia dúzia de livros que nada tem a ver com meu trabalho de professora. Consegui manter isso. Pena que deve ter sido o ano em que menos vi filmes e ouvi música. Por outro lado, viajei um mês inteiro::: fui a Flip, a Curitiba, a São Paulo por duas vezes. Vi as cataratas do Iguaçu - e achei que aquela imensidão de água bem poderia ser chamada de milagre. E eu e Tatupai temos em nós a alegria de estarmos conseguindo envolver o Poeminha num ambiente de amor, risadas, milhares de beijos, abraços e "uhhhuuuuus" (nossa concepção de cama nunca foi tão parecida com a de um parque de diversões, em que cambalhotas acontecem a qualquer momento!). Em troca, vivenciamos diariamente a existência de um menino que dá risada de corpo inteiro, que beija, abraça, acaricia rostos, mãos e queixos como quem sabe que tudo de bom vem pela via do carinho. Então, não foram poucas as vezes em que, de emoção, chorei e proferi minha frase favorita desde que adoeci: "Ainda bem que não morri".

Por isso, a última postagem do ano merece pontos de luz, mais do que fados. Eu estou de novo acreditando que será um novo ano verdadeiramente feliz, a matéria-prima de toda e qualquer relação - com o mundo, com as pessoas, com nós mesmos. Planos não faltam. Nem projetos. Nem promessas. Nem resoluções. Nem desejos. Está tudo aqui em mim esperando para se tornarem fatos, acontecimentos, momentos, vida, enfim.
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Por fim, um abraço bem abraço para meus dois ou três leitores que por aqui passam. Sempre quero escrever aqui mais do que consigo. E sempre quero escrever porque escrever aqui é uma das minhas alegrias.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Ser mulher sem tempos mortos


Realizar algo em que se coloca muita expectativa pode ser meio caminho andado para a decepção, para a sensação de que a imaginação era muito maior do que o acontecimento. Um risco. Falo ainda da peça Viver sem tempos mortos, direção de Felipe Hirsch, com Fernanda Montenegro. A outra peça que eu escolhi assistir nos poucos dias que fiquei em Sampa – Prometeus – mais me decepcionou do que causou admiração. Daí, o temor.

Quando me sentei na penúltima fila da plateia, porque não havia mais nenhum lugar mais próximo, ao lado da manaMácia, para assistir a Viver sem tempos mortos, eu me dei conta do risco.  E como pensamento não tem rédeas, no momento mesmo em que Fernanda Montenegro entrava no palco, eu pensava: “Caralho, será que vai ser bom? E se eu estourei, mais uma vez, o tal orçamento doméstico em vão?"

Quando Fernanda, já sentada na cadeira da qual ela só se levantaria uma hora depois, começou a falar, passando a ser Simone de Beauvoir, esqueci imediatamente esses pensamentos tolos. E ora com tristeza, ora com alegria, ora com emoção, de forma indefinida e veloz, eu senti ali imensa consciência de ser uma mulher; não por ter nascido mulher, mas por ter me constituído como tal, porque as batalhas de uma mulher são e sempre serão diferentes das do homem.  E é um risco muito grande ir ao encontro da liberdade. Não falo daquela liberdade emancipadora e por vezes autoritária, que tantas vezes foi a minha guerra. Falo da liberdade de poder ser livre sem perder a ternura – saber-se presa a algo, a alguém, a alguéns, e ainda assim manter o desejo e, com ele, escancarar as portas.

E por que não saber que, às vezes, não temos como ir além porque seria estrangular demais os próximos passos, e outras vezes, estar disposta a estrangulá-los? Eu achava até então que o nome disso era maturidade, e me achava próxima a ela, embora a imaturidade, o egoísmo, a displicência, não me abandonem por mais que eu peça aos deuses. Porém, assistindo a Viver sem tempos mortos, eu me senti, ao invés de madura, mais livre. Livre, por exemplo, para enterrar os passados ruins (porque nunca é apenas um); livre para vivenciar com mais leveza  as insatisfações do ambiente profissional e continuar escavando ali o que me detém, e mais livre ainda para desejar o porvir nunca mais desacompanhada. 

Como é possível tanta potência diante de uma mulher sentada, falando como se fosse outra? Eu me vejo obrigada a me despir de toda teoria para dizer simplesmente que, se não é apenas a arte que pode nos levar a tal estado de potência, ela é, sem dúvida, uma das manifestações mais eficazes.      
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Imagem borrada do teatro Raul Cortez, onde está Viver sem tempos mortos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Lira

Por que Lirinha, com sua fragilidade tão escancarada, com sua sensibilidade tão à flor, me chama a atenção? Será por que sua música, embora revestida agora de toda espécie de parafernália eletrônica, é ainda dolorosamente sentimental, como um pedido de socorro que não quer ser atendido, justo para que possa, sendo música, ser dor? São seus tecnomovimentos que tornam ainda mais visível seu diminuto corpo, oscilando entre ficar em pé e uma queda que acaba por se mostrar apenas possível. É tão bonita a sua performance solitária que chega a doer; dessa vez, sem aquela camisa larga e branca de galã e sem seus companheiros de cordel encantado, que lhe davam um suporte de deus, ele é, mais que nunca, um sujeito só urrando seu espanto diante do inapreensível do real. Daí, os hinos de amor, de perda, de saudade, que são tanto o show que vi no Auditório do Ibirapuera, quanto o cd recém-lançado de nome Lira. Como um passe para a vida adulta, até o diminutivo Lirinha foi abandonado. E ele teria conseguido a maioridade, “se não fosse o amor”, como ele mesmo profetiza. Toda fuga é fuga de si mesmo. E ele continua ele mesmo, menino doente de poesia. A vontade que sentimos de cuidar dele é certamente maior do que a dele de ser cuidado. Pois é essa falta de cuidado consigo mesmo que faz com que seus versos, e a disposição de entoá-los como um trovador muito antigo, sobrevivam, pairando acima de tudo.     





quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Augusto de Campos e Caetano Veloso::: eu fui

Eu conheci a poesia através do meu amigo Binho. Trago em mim aqueles dias de conversas sem fim. E ele é um poeta visceralmente apaixonado pela poesia concreta. Fui por esse caminho, embora ainda hoje não seja grande leitora de poesia – aliás, não sou grande em nada. Dispersa, cultivo diversas paixões, que me causam muito mais experiências do que conhecimento. Para se ter conhecimento, é preciso memória. E eu sou desprovida de tal. Então, não à toa, chegando a São Paulo, depois de 24 horas entre ônibus, aviões e aeroportos, eu tenha ido assistir a um pedacinho da Balada literária, justo aquele pedacinho em que estavam Augusto de Campos, o homenageado desse ano, e Caetano Veloso. Eh momento raro! Podem dizer o que quiserem, mas eu era toda emoção quando os vi bem a minha frente. Não podia nem abrir a boca para reclamar de um tal Vitor que, ao mesmo tempo sabido e inconveniente, tumultuava o pequeno salão do B_arco. Se abrisse a boca, cairia no choro. E foi assim que os ouvi, relatando curiosidades, encontros, trocando gentilezas, agindo como se confidenciassem a nós o amor mútuo de uma vida inteira. Assistir a esse encontro não acrescentou nada ao que eu já sabia sobre eles, sobre poesia, sobre o tropicalismo. Tudo está nos livros. E eu não sei mais dizer quantos livros já li sobre o assuntoo, sempre com interesse constante. E a música de Caetano nunca para de tocar na vitrola daqui de casa. Para mim, seus movimentos foram determinantes para a música e a literatura no Brasil. Por que, então, a necessidade de vê-los e ouvi-los de perto? Talvez pela desimportância, para poder guardar no meu íntimo a alegria de ter visto dois seres que, sem jamais terem dirigido algo diretamente a mim, há tanto tempo fazem parte da minha vida.





quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sobre a amizade

Propositalmente, fui para São Paulo dois dias antes do encontro com meu irmão Ferdin e minha irmãMana (sim! o de acaso em acaso tem muito a ver com ela), para ter tempo de encontrar duas amigas. Ando sentindo falta dos amigos. Não porque não os tenho aqui, mas porque tenho muitos espalhados mundo afora. E como um ser nada afeita a telefone e cada vez mais afastada das redes sociais, sinto por vezes solidão de amigos. E doi em mim, assim como doi nos amigos, essa distância toda. 

Para cada amiga em Sampa encontrei um novo jeito de me relacionar, de estar, de olhar se a amizade ainda vingaria, depois de três anos e meio de distância. Verificar, enfim, se o amor ainda dizia. E ainda diz, claro, mas de modo diferente. Primeiro, fui para Anaflor. Neste intervalo de tempo, ela virou mãe da Júlia, uma linda menina que da idade do Poeminha fala pelos cotovelos. E é doce doce doce. Ficamos, assim, ligadas pela nossa vida, tateando nossas confidências, nossos desejos comuns. 


Depois, fui para a Lan. E bem que todos os encontros deveriam ser assim. A delicadeza, a alegria, muita cerveja, caminhada pela noite adentro e a conversa como se tivesse sido interrompida no dia anterior. Senão a cumplicidade do dia-a-dia, a confiança dos dias que passaram. Bonito bonito bonito. Noite das mais lindas, para provar que a beleza, a inteireza, da amizade existem, e só precisamos saber onde buscá-las.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Alguém aqui conhece uma pessoa livre do amor?*


Acabo de chegar de São Paulo, para uma viagem que seria inusitada, se não houvesse outras, igualmente extemporâneas, que a precederam. De acaso em acaso, eu fui a São Paulo porque queria assistir a Fernanda Montenegro no palco interpretando Simone de Beauvoir, em Viver sem tempos mortos, assim como, um dia, fui lá também, junto com Mariamada, só para assistir a uma peça teatral, não importava qual, e calhou que foi Quem tem medo de Virginia Woolf, com Marieta Severo e Marco Nanini, numa interpretação do Nanini que me  impressiona até hoje. Também queria muito ver Em nome dos artistas, exposição de arte contemporânea, que está no Pavilhão da Bienal. 

Eu já parti da gélida Paris, sozinha, para Bruxelas, tendo como única certeza de que assistiria ao show de Bob Dylan, porque encasquetei que nunca mais estaria tão próxima dessa oportunidade. E também fui a Madri, sem um tostão no bolso, além do suficiente para comer mal e me embriagar no bar do hotel, unicamente para ver O jardim das delícias, de Bosch, porque minha cultura parca não me deixava saber que a poucos metros estaria também Guernica, de Picasso. E a algumas quadras, As meninas, de Velazquez.  E por muito tempo, eu disse, e ainda gosto de dizer, que só queria ir a Paris para andar pelos corredores do Colégio da França, onde Barthes havia lecionado seus famosos cursos e proferido Aula, o texto que, sem dúvida, marcou toda a minha trajetória acadêmica.

Comigo sempre foi assim, vivendo de urgências que parecem não ter fim e de desejos que ora iluminam ora obscurecem meus dias. Às vezes de modo leve, às vezes abalada, eu penso que poderia desejar menos. Ser mais focada, seria o termo ideal. Porém, na verdade, eu tenho muito pouco apreço por quem não deseja, como se, adulta, eu continuasse insistindo em preencher as lacunas que ficaram para trás e que, certamente, existirão mais à frente. E assistindo ao monólogo da Fernanda, senti que aquela é também a minha busca: "viver sem tempos mortos".

Porém, agora algo é irremediavelmente diferente. Na euforia da preparação, que se dá sempre de forma intempestiva, eu não percebo que, logo, ficarei martirizada pela falta do que, jocosamente, chamo de “meus dois homens”. Não é apenas saudade do Poeminha. Saudade de mãe. É mais.  Sentir amor pelo pai do meu filho é totalmente diferente de todo amor que senti por qualquer um dos homens que passou pela minha vida, de quem, todos, sem exceção, senti pouca saudade. O certo é que, longe do Tatupai, penso constantemente nele e, para meu próprio espanto, sinto constantemente vontade de ouvir sua voz e de lhe dizer o que estou fazendo. E telefono. Telefono = a ação que me causa mais suplício!. E ainda mais inusitado, arrependo-me de ter saído de perto dele, como se alguma catástrofe fosse me impedir de estar perto dele outra vez.

Senti essa saudade, muito fortemente, em uma das vezes que fui dar aula numa cidade próxima daqui. E achei que fosse por que a minha estadia se resumia a dar aulas o dia todo e, em seguida, ir para o quarto vazio do hotel depois de beber uma cerveja, sozinha, num restaurante nada convidativo.  Mas não. Sinto saudade de Tatupai na cidade que mais gosto de estar, aquela. E não acho isso ruim, pelo contrário. Só preciso, agora, pensar em como levá-lo junto nos meus desejos. Porque, se não estou livre dos desejos, nem livre do amor, posso, ainda assim, continuar desejando ter força e loucura suficientes para simplesmente ir.

* Frase dita por Lirinha, no seu belo show Lira, na Conexão PE, no Auditório do Ibirapuera

sábado, 5 de novembro de 2011

greve na Unir


Estamos em greve há mais de um mês. E numa greve, os desgastes são muitos. Mas as razões da greve são tantas que é impossível não aderir. Muito antes da greve, numa reunião com a pró-reitora de pesquisa à época, eu já havia "jogado lama no ventilador", bem no meu perfil "justiceira", criando aquele tipo de momento constrangedor em que ninguém lhe apoia, pois os dividendos são sempre muitos. E isso porque desde que eu virei professora da instituição, há três anos, me assombram a incompetência e o descaso dos dirigentes com questões extremamente relevantes para a qualidade do ensino.
A situação é tão ruim que, na verdade, a pauta é única: a saída do reitor. Os passarinhos e as aves de rapina estão unidos num mesmo propósito. Fica, assim, muito difícil voar sob este céu em chamas. Porém, não deixa de ser bonito presenciar e participar desta espécie de ato simbólico diante de tanta incompetência, compadrio, ingerência e, provavelmente, corrupção (não pode haver prova maior do que a Fundação da Universidade ter sido interditada pelo Ministério Público, sob todo tipo de acusação!).

Eu conheço a Unir há mais de15 anos, e o que mais me abisma é como a incompetência e a burrice são premiadas, ininterruptamente, com cargos e mais cargos. E não há políticas de apoio que resolvam isto se o problema, de fato, consiste no quadro pouco especializado da universidade. E não falo de títulos, pois de um modo ou de outro, muitos professores arrotam sua titulação. Falo mesmo de mentes capazes de pensar a Universidade como Universidade. Neste sentido, basta observar os atos das pessoas favoráveis à permanência do reitor. É uma ação mais tresloucada que a outra, como se houvesse uma inércia geral de elaboração de pensamento. Um exemplo: as pró-reitorias cortaram as bolsas dos alunos e colocaram no site da universidade que isso se deve ao fato de os alunos terem ocupado a reitoria, como se qualquer pessoa no mundo não soubesse que uma das maiores vantagens da prestação de serviços hoje fossem  a sua virtualidade. Qualquer reorganização interna e eficiente, uma vez que apenas o prédio da reitoria foi ocupado pelos estudantes, resolveria esta questão, mas o ato da Administração superior consistiu em elencar, no próprio site da Universidade, 20 itens como este, como um gigantesco atestado da incapacidade de pensar daqueles que ocupam os cargos administrativos da universidade, como se escrevessem em suas testas: "ao tratá-los como idiotas, eu mostro a minha idiotia em todo o esplendor". Enfim, agiram e agem como todo arrogante, proferindo ameaças, distribuindo represálias, espalhando intimidações. Estão tratando a greve como se estivessem no setor privado e pudessem a qualquer momento demitir todo mundo. Isso só serviu para lembrar, até àqueles mais acomodados, de que isso não pode ser feito.

E o que começou com um movimento desorganizado, como quase toda greve hoje em dia, ganha força cada vez mais. O movimento grevista soube articular-se rapidamente diante da truculência, da ineficiência e da soberba daqueles que, em tese, deveriam conter a crise. E é por essas e outras que eu estou em greve. Poderia não estar, porque tenho horror aos jogos de interesse que acabam por surgir em momentos como estes. Porém, melhor isto do que virar às costas a tanto horror e iniquidade, como diria Caetano.
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terça-feira, 25 de outubro de 2011

livros

amanhã, eu faço 37 anos e, talvez pela primeira vez em muito tempo, não sinto "aquela" euforia. e eu acho isso de uma tremenda ingratidão com a vida. então fica assim: próximo ano, eu prometo comemorar. o que comemorar, tenho. há tanta beleza por aqui::: só a existência do Poeminha, com seu sorriso lindo, suas mãos delicadas agarrando nossos rostos para dar aquele beijo, com seu mamã em tons diversos, já seria motivo de soltar muitos rojões. 

então, façamos um brinde a minha porção leitora que, no meio de tantas intempéries, existe e resiste. eu tenho tantos livros na fila que bem poderiam ser testemunhas de que meu ser leitora anda bem combalido. basta dizer que não li NENHUM dos livros que comprei por causa da Flip (e não foram poucos). mas as minhas novas investidas na vida têm me proporcionado momentos maravilhosos de leitura. vale a pena se demorar sobre isto, então. 

o livro mais sofrido, mais lindo, mais intenso que li nestes dias foi o Diário de luto, de Barthes. Nas primeiras páginas, eu já comecei a chorar, embora o início seja contido, quase uma investigação neutra sobre o luto. como eu pretendo escrever sobre este livro numa outra postagem, deixo assim::: desde sempre Barthes é meu escritor essencial, porque de sua escrita eu sinto que sai uma inteireza sem máscaras. e neste livro de notas sobre o luto da morte de sua mãe cada linha é um exemplo dessa inteireza. todas as razões por que amo Barthes estão aqui. e quando falo em gratidão, refiro-me a isto: sou grata a Barthes por ele ter existido e por ter escrito o que ele escreveu, como escreveu.

dos outros três que quero falar, dois são romances contemporâneos: Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo e Inferno, de Patrícia Melo. eu nunca havia lido nada desta escritora, embora soubesse de todo o seu sucesso.e confesso que gostei. fiquei ontem até às 3h da manhã, acompanhando a saga de José Luís, garoto da favela carioca que se transforma em grande traficante. e no fim da leitura, bateu-me uma grande nostalgia. depois, fiquei pensando que esse traço de identificação advenha da própria narrativa que, embora trabalhe com graus de violência e crueldade altíssimos, e também com uma virulência terrível em relação às personagens, não nos impede que, testemunha dos seus percursos, ora nos aproximemos ora nos afastemos delas, chegando quase a perdoá-las, a torcer por alguma via de saída. que não há. toda uma tradição sobre a relação ambígua que mantemos com esses espaços sociais poderia aí ser desnudada. no samba, na canção popular, no cinema, na literatura, o pivete vai ser sempre esta mistura de anjo e demônio. todas as desigualdades, mesmo que não seja a intenção, acabam por ser descritas como as responsáveis diretas pelo ocaso destes seres; daí a culpa terrível que recai sobre quem lê, embora tudo seja tão "cinematográfico". deixo aqui um talvez.

eu estava tão ansiosa para ler Passageiro do fim do dia que talvez isso tenha atrapalhado. Eu havia lido Barco a seco, do mesmo autor, e gostado muito. Daí que quando começaram a falar do lançamento do seu novo livro, eu logo o tenha colocado lá em cima da minha lista de leituras imperdíveis, atropelando vários outros. e confesso::: não gostei. sempre o gesto estéril do gosto/ não gosto. e pela mesma razão: senti falta de densidade nas personagens. o livro é primoroso na relação que estabelece com o espaço, mas o "olhar de fora" do protagonista me fez pensar mais uma vez do quanto a narrativa brasileira contemporânea está marcada por um ascetismo exagerado. Pedro não parece ser afetado nunca por aquilo que ou está na iminência de acontecer ou já aconteceu. tanto no presente, como passageiro de um ônibus que pode estar levando-o para um espaço de violência, colocando-o numa situação de perigo, quanto na rememoração do seu passado medíocre, que o conduziu até ali, tudo me pareceu antipático, estéril, cerebral e racional. até o amor que, muito depois, ele demonstra sentir pela namorada pobretona - razão por ele estar no ônibus que o conduz a sua casa - é colocado quase como se fosse uma vergonha, mais uma marca do fracasso do protagonista. enfim, é  como se não faltasse técnica para um tratado sociológico disfarçado em romance, mas sobrasse inaptidão para o aprofundamento do que é próprio do romance, seja lá o que isso for. e eu acho que uma das intenções foi esta mesma, de mostrar como há sujeitos que vivem de forma medíocre, e estende isso para todos os aspectos da sua vida, mas também acho que houve outras intenções, como a de fazer um relato de viagem que fosse, sobretudo, uma viagem interior. o problema é que no interior parece não haver nada. então, sobram aquelas cenas patéticas das injustiças sociais, atravessadas pelo olhar analítico do outro que, admite, não pertence ao lugar para onde se dirige: a namorada que pensa que é diferente dos seus amigos suburbanos, mas que não consegue esconder sua diferença em relação ao mundo que quer adentrar, o quase sogro mestre de obras que é obrigado a se aposentar e sonha adquirir um cartão de compras e quando consegue... por isso, como leitora, eu quero poder dizer que não gostei, apesar do mainstream especializado ter assinalado esta obra como uma das mais importantes de 2011.

relação oposta foi com Livro dos homens, do Ronaldo Correia de Brito. e se eu já era apaixonada por esse escritor só de ler suas entrevistas, agora gosto mais ainda (adoro o modo como ele trata a questão da regionalidade na literatura, sem escamotear nada). tudo que eu disse anteriormente, serve aqui, mas no exato contrário. é bonito é bonito é bonito. sabe aquilo que faz com que nos apaixonemos por uma personagem, como se ela fosse de carne e osso? pois os homens de Brito são assim: como se fossem gente de verdade; assim, na beleza e na feiura mais transparentes. cada conto revela uma beleza interior em contraste com o exterior (o seco do sertão nordestino). por outro lado, não posso deixar de dizer que talvez a relação pessoal que tenho com os espaços descritos seja a responsável pela minha enorme emoção. de certo modo, eu conheço todos os homens de Brito, eu já convivi com eles e, mais ainda, eu sou um deles. e isso deve fazer muita diferença.
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terça-feira, 18 de outubro de 2011

de pernas pro ar em tempos nublados

não canso de me espantar com a banalidade da vida. e com a força das escolhas que, parecendo escolhas, acabam por nos jogar num emaranhado de situações, muitas vezes, penosas. Tatupai brincou, neste fim de tarde de domingo, que eu estou em "reabilitação", reaprendendo a ter os fins de semana como meus. o que de fato acontece é que estou remodelando não as escolhas, mas o "emaranhado de situações" que me meti por causa das escolhas.

não teve um ponto x. ou uma fratura no nervo. foi o cansaço. a tensão. o quase desmaio. as decepções reiteradas. tudo isso trouxe para mim a vontade de saber parar, de não misturar a semana com os fins de semana, os dias com as madrugadas, numa luta eterna e vã contra o tempo. eu havia me prometido isso lá no hospital. e relembrei a promessa naquela recepção fria na volta ao trabalho, quando já estava até o pescoço de coisas a fazer. porém, como acontece com muitas promessas, esta foi violentamente quebrada.

a verdade é que eu sou compulsiva. ao mesmo tempo cigarra e formiga. mas nos últimos tempos muito mais formiga. no trabalho, me apeguei ao lado bom - e me cerquei de trabalho por conta disso. apaixonei-me por pessoas e fiz um investimento pessoal nos seus sonhos, nas suas necessidades, nas suas tensões. cheguei perto demais. e quando vi já era tarde, já estava machucada. talvez aí tenha sido uma nervura maior do que eu havia calculado. é que perdi o encanto, que se arranhou todo em uma situação depois da outra. talvez porque, no tempo do doutoramento, o que mais tenha aprendido com aquele que aprendi a amar, apesar da relação tensa de orientação, e com meu próprio sujeito de pesquisa (avec le Monsieur Marcos et le Monsieur Derrida), foram os sentidos da gratidão, que trago em mim com uma alegria profunda.

deixar de fazer o que devo fazer, não deixarei mesmo. eu tenho um sentido de responsabilidade com o trabalho que vem lá da educação materna. um sentimento de culpa quando as asas da borboleta se alongam demais. e mais do que isso: eu tenho uma ideia do que é dever de um professor universitário. mas a consciência que eu quero - e preciso ter - para poder criar bem meu Poeminha, cuidar bem do meu amor pelo Tatupai - é aquela que pode ser resumida na frase linda de uma amiga: "devo cuidar, antes de tudo, de quem vai me ligar no Natal".

na semana passada, enquanto eu solicitava em vão uma disciplina que, de longe, sou a mais capacitada para ministrá-la (e minhas pesquisas na universidade e tudo o que envolve este nome não me deixam pensar que essa melhor capacitação e dedicação sejam invenções da minha cabeça), e não houve uma só pessoa para argumentar a meu favor, naquele clima corporativista e passivo próprios da hipocrisia e da condescendência que reinam na universidade, como se nunca pudesse estar em jogo a escolha pelo mais bem qualificado, essa frase me veio de novo à cabeça, como já vinha há vários dias, e vi-me diante da necessidade de rever minhas escolhas para, assim, inibir as situações medonhas. e vi-me também diante da situação de inibir meu rancor, porque este, está claro, não quero que faça parte de mim.

estou agora neste compasso. adianto que não fará mal a nada nem a ninguém. a universidade, tão pouco acostumada com pessoas com meu compasso, não sofrerá um único arranhão. e talvez finalmente eu dê razão àqueles que sussurravam que todo entusiasmo não perdura (sim, é vero, as instituições são máquinas de moer sonhos e disposições). e, sobretudo, estou fazendo um bem danado a mim: nestes dias, já vi uma porção de filmes, estou no terceiro livro que queria ler há tempos, passei um fim de semana inteiro sem ligar o computador, saí para almoçar com o Tatupai, fiquei tonta um par de vezes, dormi sono pesado em tardes plenas e, alegria das alegrias, estou cuidando tanto, tanto do Poeminha. 

ainda tem uma porção de sapos em minha garganta (e talvez por isso escreva aqui sobre isto), mas estou com a sensação deliciosa de pertencimento àquilo que sou e ao que acredito. a alma avizinha-se da leveza.  e não conheço outra maneira mais feliz de reaprender a viver.
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imagem da net

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Deslumbres em mim

Olga dias desses escreveu que não gosta de gente deslumbrada. Eu fiquei meio cabisbaixa, porque eu gosto muito da Olga. Gosto quando ela aparece por aqui. E quando eu apareço por lá e tem algo bom de ler e de sentir. Então, eu pensei em dizer que tenho deslumbres em mim. Uma forma de abrandar a palavra chã e mal vista = deslumbrada.

Tenho deslumbres. e estou convicta de que a vida precisa de deslumbres. ar blasé, pra quê, se quase sempre este vem acompanhado de um fastio da vida? de uma falta de curiosidade? de tesão? falta sede neste mundo, Olga. Falta gente que sinta cócegas na barriga. Eu mesma, vez em quando, ando tão sem sentimento. E fico tão infeliz quando isso acontece::: quando não há deslumbres em mim, quando não desejo.

Sabe do que gosto? Quando fico maravilhada. Quando faço alguma merda que me satisfaz. Quando meto o pé na jaca, sabendo que não devo. Estou mais ponderada, é vero. Mas porque estou tentando ver lá na frente. Lá na frente, cheia de deslumbres com o porvir.

Olga, não deixe de gostar daqui por causa disso. Não deixe. Eu tenho deslumbres quando leio você. Fico doidinha me perguntando como você consegue::: ler tanto, ver tanto, escrever tanto. E penso que é porque você vive cheia de deslumbres.
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

o real é a imagem?

os livros trazem a nossa história. traem a nossa história. contam aquilo que somos e o que queremos ser, sem meio-termo. esta pilha, mesmo. vale toda uma história. a parede, por exemplo, não é mais vermelha. trocamos por um cinza-verde, se é que. nem os livros estão mais aí, embora continuem empilhados com o "Santos Dumont" em cima. esses livros - como promessas cumpridas e outras arrastadas pelo tempo - testemunham meu amor pela fotografia, pelas artes plásticas, pela dança, pela literatura. é muita coisa. por isso eu sou especialista em nada. uma amadora. aquela que ama.  não me importo. o fato de ter pouca memória talvez seja o que me impeça de "arrotar" conhecimento, embora eu ache que tem gente que me olha como se eu fosse o ser mais nojento do mundo. ainda bem que estes nada me dizem. 

mas não era sobre isso que eu queria falar. lembrei desta fotografia por causa de um intelectual mexicano que eu encontrei há poucos dias. além de me mostrar que mexicano realmente gosta de comida apimentada e de beber umas biritas, ele me deixou pensativa por vários dias. eu lhe fiz pergunta mais óbvia impossível: se lá Frida Kahlo era tão incensada quanto aqui. ele respondeu que sim. mas o que me causou admiração - ou incômodo - foi vê-lo falando de Frida tal e qual a representação que dela temos no filme de Julie  Taymor. 

supostas razões do incômodo:::: Picasso, quando pintou o quadro horrível de Gertrude Stein, vaticinou que ela ficaria cada vez mais parecida com o seu quadro. e assim foi. coitada. se a suposta representação da realidade é sempre um incômodo para os puristas da arte, que negam qualquer relação direta, eis aí o que poderia ser outra "pedra no sapato", mas que, de fato, é visto como um dos "poderes" da arte: a capacidade de transfigurar o real, que passa a ser visto pela lógica da imagem. Frida, a partir do filme, passou a ser - até mesmo para os mexicanos, foi o que constatei - aquela mulher exótica, corajosa, capaz de suportar tantas dores - físicas e psicológicas - transformando tudo em arte. sua pintura poderia muito bem já comprovar tais predicados, mas foi preciso a força massificadora do cinema para plastificar de vez Frida, tornando-a um mito. talvez meu incômodo tenha vindo desta perda de singularidade, do fato de um mexicano falar de Frida do mesmo modo que uma brasileira, como se não houvesse mais nada para ser dito além do que o filme já havia dito. neste sentido, não deixa de ser triste essa massificação.
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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

sobre as birras e o amor

com filho não adianta fazer birra. e eu sinto, por experiência como filha e como mãe, que é o que as mães mais fazem. as mães são aqueles seres abomináveis que querem tudo dentro da ordem, inclusive, ou sobretudo, o filho. e eu lhes digo que Poeminha não é de brincadeira. a palavra que ele mais fala é "não". e duvido que seja por imitação. é para tripudiar em cima das minhas birras.
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de novo.
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eu pirei por umas duas semanas. pirei mesmo. falei falei falei - atrás de conselhos, que não sou boba. eu seguia o manual. manual da mãe quase mamífera. mas aí o filho deu piruetas. acordou outro de um dia para a noite. nada de comer. nada de querer dormir na hora certa. e um tal de querer escalar de querer se lambuzar de querer espernear. birra birra birra. e eu? birra birra birra. só quando chacoalhei meu filho é que caí na real. quemerdaeuestoufazendo? aí, eu me acalmei. ele, nem tchum. mal percebeu minha chacoalhada. achou que eu estava brincando. mas chorou sentido quando eu, birrenta, tirei-o do banho antes que ele achasse que era a hora. mas tem hora? que a natureza me perdoe o desperdício de água, mas vou deixar meu filho tomar banho o tempo que ele quiser - e foi o que fiz. coloquei sandálias havaianas nos seus pés, para diminuir o perigo de quedas, postei-me no vaso ou no sofá próximo e lá no banho ele tem ficado sob os meus olhos quase atentos. fica lá com seus bonecos, criando seu mundo imaginário. quando ele quer, sai atrás de mim, todo molhado, pingando tudo, aí eu o pego nos meus braços, dou muitos beijos e vamos, juntos, desligar o chuveiro. depois, eu saio secando a casa.
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eu não vou ser birrenta com meu filho. não vou mesmo. já basta todo o resto que quero dentro da ordem. não vou meter medo nele. não vou gritar nem bater nem chacoalhar só porque não sei exatamente o que fazer. quem me lê aqui sabe que vez ou outra eu digo que fui uma criança muito sofrida. eu era doente e minha mãe era muito ocupada. e eu não preciso repetir essa história. não com meu filho que até agora tem uma saúde de ferro. nem por isso estou com medo de criar um reizinho mandão. não estou mesmo. eu não sou boba, é isso que penso. eu vou aprender a ensinar tudo pela via da delicadeza. porque tudo que mais gosto em mim veio daí::: da delicadeza. e tudo que não gosto veio das brutalidades que a vida me impôs. vou acertar o "tom". já estou acertando. entre o sim e o não, a palavra doce. o eu te amo incondicional. a "sorte" - "que sorte, filho, você existir". não paro de repetir isso a ele. nem sou avara com "eu te amo". e com os abraços todos.
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e por que? porque nada, nem ninguém, me emociona mais do que partilhar a existência desse ser. e se há toda uma cultura da ordem, todo um medo de fazer errado, de dar errado, há, sobretudo, o amor que eu sinto por ele. e é com esse amor, e não com o modo como fui criada, como fui pouco amada, que eu vou caminhar. vou caminhar com este imenso amor. com este amor imenso que sinto por estes dois homens que - cópias um do outro - completam os meus dias.
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as imagens me dizem que vale a pena. um "vale a pena" refletido e amoroso. alguém duvida?




domingo, 11 de setembro de 2011

conferenciazinha no eell

estive num encontro de estudos linguísticos e literários (eell), da unemat, em pontes e lacerda. bem aqui, pertinho. fui sozinha. ou quase sozinha. meu amigo leandro foi também. meu chefe, aliás. de departamento. quase, porque nos vimos muito pouco lá. eu mesma só desenfurnei do hotel no dia da minha conferência*. coisa esquisita é gente que tem que falar sério. fica enfurnada em hotel achando que precisa descobrir o ovo de colombo. diferente de fazer comunicação, é o que quero dizer. que é coisa de 20 minutos. ideias para uma hora e meia de palavrório chegam a dar dor de barriga. não. que isso não tenho. tenho é um coração acelerado.  tipo sair pela boca sem tempo de alcançá-lo. 

a melhor parte foi ver a marinalva e nossa tetê, minha afilhada. segunda vez que encontro mari este ano. feliz. estamos felizes, as duas. dá pra crer? tanto desassossego para encontrarmos a felicidade em dois serzinhos que berram a qualquer hora. coisas de mãe. mas o desassossego permanece. por vias mais secundárias, mas permanece. eu não nos desconheço. pelo contrário. quando nos encontramos, somos mais nós do que tudo. é porque nos misturamos. uma sabe da outra. e agora, com a distância, sabemos apenas das lindezas uma da outra. aquela vontade de ficar mais perto um pouquinho mais. 

e a conferência, foi. falei sobre a figura pública do escritor na atualidade. ou melhor, na artefatualidade e na ato-virtualidade. gostei demais. assim. gostei de fazer o texto. de fazer daquele jeito. de forma inédita::: nas manhãs. antes, chorei um pouquinho, escondida, porque não dava conta de fazer como sempre faço, nas madrugadas. angústia de ver meu ser mais ser morto de sono. fiz o texto indo contra a corrente. ou achando que estava contra a corrente. contando uns causos das minhas leituras recentes e nem tão recentes.  eu queria mesmo era ter mais tempo para formalizar b-e-m d-i-r-e-i-t-i-n-h-o o que ando pensando, lendo, tentando ler. mas o que eu queria mesmo m-e-s-m-o era um povo mais atento, mais feliz, por ouvir. e ouvindo, querer falar. hoje os cursos de letras carecem de veias. mas isso é assunto pra outra hora.

não tenho nenhum registro fotográfico. e é porque levei a máquina... fica aqui, então, no meu artefato de memória. 
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* foi a linda mariana responsável pelo convite. merci!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

a vida e as poses sem pose

 sim. bastante narcisismo. esclareço::: são praticamente as únicas "poses" de um mês de férias. férias que existiram porque eu não morri. vez ou outra, eu solto o besterol sincero: !ainda bem que eu não morri!





qual é a parte bonita da vida? toda ela. fez um ano que eu quase morri. adoeci no mês do cachorro louco. um mês com um histórico enorme de dores nas minhas entranhas. nada, se comparada aquelas. como é que pode o ser humano ser tão resistente a dores tão imensas? às vezes, ainda acordo no meio da noite como se estivesse sendo esfaqueada por aquelas facas imaginárias. o menor movimento e era como se todo meu sangue escorresse. e agora o agora. apenas há pouco mais de dois meses, meus movimentos parecem normais. e eu posso pegar meu filho do chão e tomar banho com ele enganchado na minha cintura, como um dia fiz com minha sobrinhaamada. 


é por isso que não gosto das marcas sujas da vida. daquelas em que é possível estar distante. porque existe o imponderável. e o imponderável pode ser a morte. a possibilidade da morte. acho que sempre soube disso. e por isso tive certeza de que morreria. como alguém com tanto apego à vida teria a dádiva de uma vida longa? desde lá, eu vivo assaltada pelo medo de que outro imponderável irrompa. que outro roube a alegria do que agora é meu::: o sorriso do Poeminha, os cabelos espessos do Tatupai e as lindezas que por aqui passam (as nossas meninas seguindo o destino da literatura!). 


mas eu sinto, bem aqui em mim, que este medo também vai passar. que a vida dure muito, que dure pouco, o que importa mesmo é que eu  esteja por aqui, inteira, naquilo que me faz tão cheia de surpresas e obviedades. mas se houver este roubo do que agora me é mais caro, eu ainda sinto que preciso justificar a minha segunda vida. sem lamúrias. sem meios-termos. sem condescendências comigo. se vivo, vivo. e é por esta vida, por estar viva, que eu devo continuar batalhando, sem titubear. 
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terça-feira, 30 de agosto de 2011

sobre as leituras e sobre o que sinto

halem me pede para falar de livros, cinema e música. e eu lhe digo que, além de tirar muito pó de móvel, eu tenho lido bastante. e a música nunca pára de tocar na vitrola daqui de casa. cinema é que são elas. serve desenho animado? de primeiríssima qualidade? filho é quem anda mandando nesta seara. mesmo quando a gente desliga, é pensando no seu querer. 

mas como eu ia dizendo, tenho lido, à revelia da universidade, que sempre nos dá mais ordens de serviço do que tempo para a pesquisa, a leitura, o deleite da leitura. nas duas disciplinas, gestos igualmente suicidas = misturar o que já sei, o que já li, com aquilo que quero saber, que quero ler. às vezes, a incompletude fica muito evidente, mas não me importo. só assim para dar prazer. 

no campo da teoria, um plano de curso em busca de um conceito de literatura além da literariedade ou a fuga do conceito em nome do indecidível = aceitar a aporia de que a literatura, hoje, é e não é literatura. amigas acharam difícil. o que dirão os alunos, prefiro nem saber. mas eu tenho me deliciado. gozo.  para isso li O neutro, de Barthes, um livro realmente surpreendente naquilo que, aparentemente longe da literatura, é todo ele uma busca do literário, um outro literário. e ao ler Barthes, eu sinto saudades doídas. noite dessas perdi o sono e lembrei do dia - único dia - em que percorri as proximidades da casa de Barthes em Paris. e me veio um choro sentido, impotente e, ao mesmo tempo, muito bonito = aquela alegria do estive lá. lembrei que foi meu querer que me fez ir até lá. e desde esta noite, eu não paro de pensar nos meus quereres. e comecei a achar - de novo - que tudo posso, se eu assim quiser. e vieram os planos. vieram de novo.

no panorama histórico, a linha evolutiva da literatura brasileira: concretismo, tropicália, poesia marginal. assuntos, para mim, amorosos, no sentido barthesiano. se eu fosse mais normal, e soubesse escolher um campo de especialização, sem dúvida, seria este período = a intelectualidade dos concretistas, o nem aí da geração do mimeógrafo, a rebeldia alegre dos rapazes da Bahia. e fiquei como nos tempos idos: a cada segundo de sobra, eu agarrava um artigo, algumas páginas, um vídeo, um cd sobre estes assuntos. e se recebi de volta silêncio por parte dos alunos, quase esqueço. vale aquela minha já máxima: não é pessoal, não é porque sou eu; é porque simplesmente esses assuntos não lhes interessam.

e no campo da ficção, romances, romances. li eles eram muitos cavalos, do luiz rufatto e pensei que precisava dizer ao Halem que ele se enganara e que eu havia gostado muito do livro. um realismo brutal, não apenas violento, como o é, por exemplo, Rubem Fonseca. deve ser por isso que aquelas imagens de desencanto ficam dias e dias em nossa memória. me veio o desejo de saber transformar aquilo no que ele já é: teatro = cenas independentes de um cotidiano dilacerador.
e zero, do Loyola Brandão? fala-se muito do experimentalismo, mas o que me chapou de verdade - embora às vezes tenha me enfastiado - foi o tom contestador, absurdamente corajoso, se pensarmos na época em que foi escrito - e censurado, claro. não penso pelo viés da alegoria, porque muito próximo da identificação com o real. o que vejo é uma fantasia delirante e real ligada às marcas de um tempo de repressão não tão distante assim.

e agora, estou lendo avalovara, do Osman Lins. que livro lindo, meu jesuscristinho! todo cheio de volteios, de técnicas, de devaneios. a circunferência e o quadrado, como ele define, a serviço de histórias de amor sempre incompletas, como são todas as histórias de amor. e com uma completa corrupção das estruturas narrativas = espaços e tempos diferentes fundindo a minha cabeça leitora. uma surpresa feliz.

é disso que não quero abrir mão. enquanto, por um lado, a realidade me puxa e eu, desastradamente, quase cedo; por outro, batalho pela construção de lugares do desejo = lugares em que eu possa respirar longe da loucura do cotidiano.
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sim, Halem, obrigada por me lembrar de que, para além do meu umbigo, existe a arte. duvido que você seja das pessoas sem sonho que tanto me assustam. você é da estirpe dos loucos que acreditam que a literatura é ainda um espaço de fuga - e dos mais lindos.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

estou limpando o pó de algumas neuroses. e criando outras, que ninguém é de ferro. nem super-mulher. dito de outro modo::: tirando muito pó de móveis para não me entristecer de vez. eu já disse aqui que prefiro a imagem de quem sente do que a fleuma apática de quem não faz o menor esforço para sentir. eu estou de saco cheio. saco cheio de gente sem humor. sem delicadeza. sem bondade. porque eu sinto que vou ficando feia também. porque é assim, né? a beleza é contagiosa. e a feiúra, também. eu estava tão acostumada a ter gente linda perto de mim, gente cheia de poesia, de música, de risada que desaprendi a conviver com gente sem alma, sem gana, sem sonhos. e é assim que agora eu estou, procurando beleza, procurando salvar a mim mesma, tentando me ausentar de toda a teia institucional na qual me meti. mas também não sei se é isto. sei que está frio. muito frio. também lá fora.
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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

sp

são paulo continua a mesma com tudo aquilo que eu mais amo. eu que já não sou mais a mesma. custa-me falar algo tão lugar-comum. mas é verdade. perdi a urgência. num intervalo de três anos, descobri que posso deixar de ver tudo que esta cidade oferece. e foi sem urgência que me deixei levar pelos dias. olhei de forma displicente o guia cultural. e por isso deixei de ver uma porção de coisas. mas, claro, os anseios estavam latentes. lamentei uma e outra vez.

as pessoas. todas. o vaivém. são paulo quer ser o que ela já é: uma megalópole. que o diga a nova linha de metrô. tal e qual a de Paris - pois foi de lá que senti falta. daqueles dias. e não podia deixar de ir a Fnac e separar uma pilha de cds. sou uma senhora tão antiga, é o que sinto. diminuí a pilha ao passar no caixa e me senti tão bonita com aquelas referências todas.

eu quis dizer a ele, meu sobrinho, que aquela era a minha cidade, se assim eu pudesse. mas ele é silencioso, com aquele tédio já um velho conhecido. eu quis dizer a minha irmã como era bom vê-la ali, bicho acuado e sedento de vida. talvez tenha dito. ou talvez só tenhamos caminhado por longos caminhos. e assim os dias. nem me diga como é bom. não precisa. tudo à flor da pele. tudo vivido.
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quando fui embora, dia chuvoso depois de dias de sol, senti mesmo vontade de ir, ansiosa para reencontrar as meninas Nilza e Rô, que já estavam serelepes em Curitiba. mas senti vontade de voltar. senti mesmo.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

a dor de todos nós (ou louise bourgeois)

 explicando ao taxista o que eu ia fazer no instituto tomie ohtake num domingo: "(...) é preciso gostar de arte contemporânea para gostar desta artista". uma imprecisão. a artista em questão era louise bourgeois. esta foi a outra coincidência que me causou espanto. uma exposição de bourgeois em sampa. quando soube, comecei a desconfiar que não era coincidência. e comecei a acreditar no que caetano sempre repete: sampa é o mundo. tudo o tempo todo acontece. amo esta cidade com todas as minhas vísceras. divaguei: viveria numa casinha apertada, como a que estava hospedada, tranquila, só para ter o prazer de vivenciar tal mundo: louise bourgeois. 

a exposição me causou grande impacto. só não chorei mais porque a dor, diante de bourgeois, é sempre uma dor represada. uma dor silenciosa. dor de espanto. mesmo diante do abraço apertado (há  seres que se abraçam), pressentimos que não há ali encontro. a arte de bourgeois é tomada pelo estar só - um estar sozinho visceral, original = que vem da nossa própria origem. seres que choramos quando viemos ao mundo.

os seres pendentes, os seres de panos, os seres com prótese, os seres disformes, as grutas, os quartos, as celas - há aprisionamento em tudo. é difícil atravessar o impacto das imagens, seja das esculturas, seja dos desenhos, seja das frases - de todos os lados, dói. louise bourgeois pode ter se exilado nos estados unidos, mas sua arte é europeia, sem dúvida. em nenhum outro lugar, há tanto frio.

há uma falta de afeto na arte de bourgeois. falta de afeto por quem vê, diga-se. ela não tem piedade pelo espectador. não dá para ficar impassível. como pode? esta cela com este espelho. este corpo numa posição impossível (mas quantas vezes não nos sentimos assim, dilacerados, agônicos, desesperados, numa espécie de dor que é tão psicológica como física?), este ódio a um quarto tão antigo? = todos os nossos traumas estão lá transfigurados por uma beleza transcendente e perturbadora. não é por mim que chorei. não é por ela. é porque há beleza em coisas tão horrendas: nesta aranha a agarrar tudo. é tudo tão abjeto. como a tristeza. a tristeza é abjeta. nus. nus diante de nós mesmos.

e ainda.

era tão tarde. eu sentia muita fome e, mesmo assim, permaneci lá tempo suficiente para os guardas se incomodarem com minha presença, entre uma sala e outra. eu havia me perdido na cidade que vivi por mais de um ano. eu estava com o nariz vermelho. eu queria comprar o catálogo, mas era caro para quem já estava viajando há um tempão (fechei os olhos e comprei, mas, por culpa, como uma criança, fiz questão de dizer ao vendedor que era pobre - em outros tempos, diria que era estudante), eu queria comer naquele restaurante absurdamente caro, mas entre o catálogo e comer, escolhi o catálogo. queria ver minha mãe. e, quando saí, andei, andei, com a minha mochila pesada, com meus pés doendo a cada vez que pisava. queria queria e queria. e pisei forte, muito forte, para sentir a porra dos meus dedos dormentes, olhando ora pro chão ora pra cidade ora pra nada ora pra bem longe. e para me proteger pensei muito no Tatupai. pensei muito no Poeminha. pra lembrar que não estou sozinha. que por ora estou com eles. inteira. ainda que ali, naquele instante, estivesse tão cheia de pedaços espalhados.
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e ainda.
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quem puder ir, não deixe ir. porque de vez em quando é preciso destrancar as dores. no instituto tomie ohtake, até 28 de agosto, grátis, a maior exposição de louise bourgeois já vista no Brasil, uma das maiores artistas do nosso tempo.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sobre as coincidências (ou Trilhas sonoras de amor perdidas)



Eu gosto dos que têm fome
E morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem 


Estes versos da Adriana Calcanhoto eu bem poderia continuar assim: eu gosto mesmo daqueles que não sabem muito bem o que fazer com esta sede, com esta vontade. Dito de outro jeito: gosto dos desajustados, dos chatos, dos malucos, das belezas, dos que me irritam até o último fio do cabelo, mas que de repente se redimem com uma frase, um gesto.

Em cada canto que eu vou, encontro pelo menos uma "espécime" que cabe nesta definição acima. Devo ter açúcar, sei não. O certo é que aqui em Vilhena há o Bozoca. Ah, o Bozoca, sempre fazendo algo que destoa, com jeito de menino egoísta que nunca vai crescer e capaz de proferir frases tão desastrosas quanto geniais sem mudar de tom.

A literatura também é farta destas gentes, entretanto nunca havia visto uma representação tão perfeita de um ser que conheço como a que encontrei na peça Trilhas sonoras de amor perdidas, do Felipe Hirsch, que fui ver com meu irmão no Sesc Belenzinho*. É como se eu estivesse diante do Bozoca, excetuando a altura de Guilherme Weber, que faz o protagonista. O resto é tudo igual: os trejeitos, as angústias, o deslocamento no mundo, a paixão pela música, sobretudo por uma certa cultura grunge que parece ter desaparecido no tempo, mas que continua aí para alguns. Para Bozoca, falta apenas a cara metade. 

Vivi, então, uma emoção dupla. O tempo todo "via" Bozoca e ria, e imaginava. E também  reencontrei a Sutil Cia. de Teatro, da qual eu já havia visto Educação sentimental do vampiro e Avenida Dropsie. Na Sutil Cia., eu enxergo um trabalho muito bonito sobre o que há de mais complexo no ser humano, sem paliativos e sem julgamentos. Todos fazemos parte de uma época, um lugar e encontramos gentes que nos fazem bem e nos fazem mal e, assim, construímos nossas idiossincrasias, nossos medos, nossas alegrias. E há o amor, a música, a arte para nos ajudar a superar a morte, o medo da morte, para nos manter vivos com mais inteireza. Foi assim que eu vi Trilhas sonoras de amor perdidas. Foi assim que eu senti. 


* Não posso deixar de comentar o quanto fiquei horrorizada com a reforma no Sesc Belenzinho, que virou uma coisa medonha, com cara de clube de nouveau riche sem gosto algum).

terça-feira, 26 de julho de 2011

Instantes de Itamar Assumpção


o amor que devoto a itamar assumpção explica as quase duas horas em que passei chorando ao assistir a um documentário sobre ele no espaço unibanco da Augusta. Uma daquelas coincidências que arrepiam só de pensar - como é que depois de tanto tempo sem ir a São Paulo vou logo na semana em que está passando um documentário sobre este músico que há tanto tempo está em mim? 

Daquele instante em diante, de Rogério Velloso, é um filme para quem sente falta. E para quem a vida e a música, embora dissonantes, são uma aventura das mais viscerais. É uma homenagem, em que os amores de Itamar estão ali para dizer como ele faz falta. Todos que estiveram ao seu redor parecem demonstrar espanto::: espanto porque ele existiu, do modo como existiu. Ninguém diz, mas é como se dissessem: por que este filhodaputa tão adorado foi embora tão cedo? Daí a carga de emoção - emoção agridoce, palavra várias vezes dita. Não há nostalgia, no entanto. É uma saudade quase raivosa. Ou tão delicada quanto raivosa - o que é uma boa definição também para a sua música. 

Como é que pode um homem que cultivava orquídeas! Como é que pode, não é? É o que penso desde aquela tarde, com um aperto no coração. 
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segunda-feira, 25 de julho de 2011

a maluquete amy

que tarde triste. fiquei tão brava com esta maluquete. como é que ela nos deixa com esta batata quente na mão? este mundo ficando cada vez mais careta, tudo encaixotadinho, politicamentecorreto, os guetos cada vez mais acentuados, até os fumódromos ao ar livre desaparecendo, intolerânciamil, as pessoas cada vez mais feias, aí amy inventa de morrer para dar mais munição a esta gente toda policialesca. tristetristetriste.

lembro do dia em que perguntei, desolada: "tatu, por que não tem ninguém para cuidar dela?" talvez ela não tenha deixado. talvez ninguém tenha tentado. como é que se suporta tamanha dor? ou como ter suporte para as loucuras todas? deve ter sido um inferno. e isso estava muito evidente. mas havia ali um mistério. uma beleza. que vinham daquela voz sofrida. daquele corpo desajeitado. 

eu fico com a impressão de que todos morremos um pouco. que o luto encobriu a todos que amamos a música. a arte. e que o mundo ficou ainda mais feio sem a sua tristeza funda. tudo cedo demais.
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