sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A oficina de Brennand

Sou um senhor feudal supersticioso e pornográfico. Brennand

Um lugar que nunca deixo de ir quando vou a Recife é a Oficina de Brennand. Eu vou, e topo com ele. E levo todo mundo comigo. Brennand me fascina. Mas o seu lugar me fascina bem mais. Já vi exposição dele em Belo Horizonte e em São Paulo, e gostei, claro, mas o deslocamento diminui um pouco o impacto. O que se vê em sua Oficina, a céu aberto, é o resultado de um lento e obstinado trabalho. E o que eu gosto é da obsessão, como se ele não pudesse parar de multiplicar suas esculturas. O prazer muito a ver com a loucura. Fetiche. Quando vejo um objeto fálico nas mãos de Louise Bourgeois, vem à mente questões de gênero. O cérebro pensa. Diante dos inúmeros objetos fálicos de Brennand, o pulsa pulsa. Não é exatamente uma pulsão sexual. É um pouco como assistir a um filme de Pasoliniou ler um livro do Genet. Lutar a favor do desejo, morrer por ele, se preciso for. Ao invés de turistas bem comportados como nós, os corpos deveriam estar nus, libertos das cercanias da moral. Um mundo anterior à ordem, é o que vejo. Um mundo artístico, por falta de outra palavra. É um artifício. Existe ali e em nenhum outro lugar. Por isso, vale voltar sempre. 
















quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Natal

Poeminha transitou tranquilo no meio de tantos presentes. Só uma vez chorou por um que não era dele. O aprendizado da partilha. Agarrou mesmo foi o que lhe alimenta, despojado de pertences. Quando a vontade de dormir bateu, tocou meu rosto, como quem diz. 










Um dengo do Ernesto Neto

Se eu pudesse, eu iria. E levaria Poeminha para brincar neste playground. Iria mesmo. Gosto demais da palavra dengo. E gosto demais de Ernesto Neto, desde que vi sua instalação no panthéon, em Paris. Quem diria que seus monstros gosmentos, quase líquidos, suas estalactites que tanto me assombraram, poderiam virar este mundo colorido de fantasia? Um artista sabe dizer: eis um mundo reconhecível, mas ainda novo. Quem puder ir, vai lá. O lá é no MAM de São Paulo.



As fotos são da Camila. Em tempo: o blog desta moça é tudo de bom. Fico vendo e querendo viajar com ela, ver com ela.
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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O mau vidraceiro de Nuno Ramos

Nuno Ramos não deve caber dentro de si. Seus peixes metalizados agonizam faça chuva ou faça sol no Ibirapuera para não deixarem dúvidas da veracidade da sua inquietação. É um artista que sapateia sobre as várias formas da linguagem. Em busca de transbordá-las. Ou jogá-las fora quando parece usar todas ao mesmo tempo. Artista plástico, escritor, pintor, matreiro, urubuzento, é assim ele. Talvez por isso, por esta prévia imagem, eu tenha insistido tanto sobre o seu livro, O mau vidraceiro. E no entanto, foi difícil, foi sofrido. Eu lia e desejava acabar logo com o que parecia nunca acabar. Na maior parte do tempo, não fui capaz de alcançar a proposta, de entendê-la, de amá-la. Não encontrei um fio onde me sustentar e,  por isso, vacilei. No jogo impiedoso do gosto-não gosto, fiquei com a segunda opção, embora tanta palavra bonita tenha ali, reconheço. É que fiquei com a impressão de que a escrita de Nuno Ramos oscila neste livro entre o sublime e a bobagem. E que a indefinição dos gêneros  - microcontros, contos, ensaios, rascunhos (?) -, para além do caráter experimental, contribua muito mais para a bobagem do que para o sublime. Se fosse de outro jeito, se o experimental não fosse tão forçosamente avesso à narrativa propriamente dita, talvez fosse outra coisa, ainda melhor. Porém, no momento mesmo em que escrevo, me assalta a dúvida: e se meu alcance de leitora foi tão mínimo que me amarrou, incapacitando-me de ver a tanta beleza que parece haver ali? Vou deixar esta pergunta em suspenso, para respondê-la quando me demorar sobre o seu próximo livro, que já comprei, Ó.

E se eu tivesse amado o livro, se ele não tivesse me rejeitado, diria que a insistência sobre o corpo, sobre a materialidade, faz deste livro um objeto inquietante. Fiquei pensando o quanto Marcos Siscar tem razão ao dizer que é preciso saber formular as questões. Não dizer apenas, por exemplo: "Uma característica da contemporaneidade é o hibidrismo". Mas forçar a pergunta de outro jeito: "Afirmam que uma das características é o hibidrismo; como isso se realiza na obra tal do escritor tal?" Muitas respostas - inquietantes, traiçoeiras, fortes - sairiam se O mau vidraceiro fosse assim questionado. Suas personagens estranhas, em situações insólitas, envidraçadas numa linguagem que oscila entre tantos gêneros, alimentam-se dessa mistura desordenada que finca pé no nosso tempo. Mas não se  conformam. É o que me parece. Como que pedem menos "novidades, sem, no entanto, perder a vontade de estranheza, da qual se compõem.  
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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

sobre o ritmo


demorei para me acostumar com o ritmo, como se ele ferisse o que até então era meu ritmo ideal. não apenas os meus movimentos limitados, mas a movimentação agora própria da casa me era estranha. demorei para saber que isso que agora fazia parte do meu cotidiano era a movimentação de uma família, ou de uma família com filho. os tatus, bebedores de vinho e cerveja, amantes dos filmes e da música, haviam mudado pouco o ritmo. o que antes eu fazia só, fazia depois com ele; ele que agrega muito fácil seus grandes amigos em volta dele: a idiorritmia estava mantida. 

agora não, quase tudo mudou. tive sorte na senhora que me apareceu. cada dia ela tem uma história nova, uma história de quem tem o ritmo que um dia já foi meu. ela cuida da casa de maneira lenta e dedicada e eu, no início abismada, agora quase confortável, desarmo meu colete de ferro e me deixo dominar pelo novo ritmo. é um outro cuidar, este. tanto de mim quanto dos outros.  

há uns dois dias, sinto que me acalmei. como se as gargalhadas que eu dei ao telefone contando a minhamari as minhas tantas neuras as tivesse levado embora. como se eu, depois de tantas ruminações, fosse de novo outra, uma outra que acata um novo ritmo, não mais silencioso e brumoso. um ritmo tagarela. não sei até quando. também não me interessa. se desde sempre foi o presente que me interessava, agora ainda mais.    

em tempo: em um daqueles momentos de delicadeza, talvez eu tenha falado para o Tatu: "e se usássemos alianças?". talvez ele tenha ouvido, porque há cerca de duas semanas ganhei uma aliança igualzinha a que um dia minha mãe perdeu no terreiro de nossa velha casa e que, depois de muitos anos, encontrou no meio de tijolos velhos. uma aliança grossa, com formato antigo. trocamos nossas alianças sem cerimônia, aos risos, e me veio um susto, uma alegria. dentro da minha, está escrito "Tatupai" e dentro da dele, "Tatumãe". sim, assim, insignificâncias. assim, que significa um tanto. dengos no meio desta paralisia de pés. dengos para o novo ritmo. ainda a idiorritmia. uma outra.

* imagem: do ernesto netto, que adoro, no blog http://camilagonzatto.blogspot.com/

domingo, 19 de dezembro de 2010

Por ora, a vida

A Princesa, clicada por mim, na  sua noite

Por um tempão eu me perguntei por que na volta para casa fui ler Memória de elefante, do António Lobo Antunes, um livro triste, triste, triste. E emendei com as suas Entrevistas, um catatau onde ele destila seus venenos, alternando sua crença na literatura com a pouca crença nos escritores.

É um livro triste para se guardar, para ler e reler. Um dia na vida de um homem, psiquiatra, separado da esposa que ama, pai de duas filhas que ele venera e angustiado com tudo isto, com a profissão, o casamento, a paternidade, o amor. O primeiro livro do Lobo Antunes e ele já nos dá um soco destes. Dele, só havia lido Os cus de Judas. E muito por causa desse livro, aproveitei a disciplina do semestre passado para "obrigar" os alunos a lerem o Lobo Antunes. Mas enrolada com o próprio tempo, eu mesma não havia dado conta. Talvez por isto, porque a dor no estômago não me era suficientemente grande. 

Eu tenho muito claro o tipo de livro que me prende. Tem que socar meu estômago. E a maneira mais fácil disso acontecer é quando encontro, juntas, densidade psicológica e uma linguagem que não se deixa vencer facilmente. Quantas vezes já não disse que Faulkner, Kafka, Bernhard, Beckett são deuses? Lobo Antunes ainda não está no time, mas...

É porque 2010 está sendo um ano estranho. E às vezes eu tenho que fazer um esforço enorme para que tudo não fique cinza. E eu devo fazer um esforço enorme porque tudo que me interessa e me importa continua aqui: o meu filho, tatupai, a família buscapé toda, os grandes amigos, meus gostos, meus planos, meus pobres enganos. Então esta porra de movimentos limitados, esta parca força que me deixa exausta até quando arrumo uma cama, ponho uma manta no sofá ou seguro o Poeminha mais que um minuto não deveriam me incomodar tanto. Mas o fato é que incomodam. Eu fui uma criança doente. Uma criança doente, pobre, numa família que não ligava pra mim. E cuidar disso vida afora dá um trabalho dos diabos. Então eu quero agarrar meu filho e rodopiar com ele, para que ele sinta, muito mais do que saiba, que eu me importo. Eu não quero ser uma pessoa doente, é isso. Não gosto de sofrer, eu queria já ter pago minha cota de. A doença em mim não é nem nunca será a doença nietzscheana, a doença que constrói uma obra.

Então um livro como o do Lobo Antunes não me consola, mas me extasia, me sacia. E assim como ver meu filho andando seus passos tortos e firmes ou ver a minha Princesa linda, louquinha, meio perdida de alegria e de tristeza na sua festa de formatura, como eu mesma já atravessei tantas noites assim, num desespero doce e sublime, um livro como Memória de elefante me faz agradecer a todos os deuses, a tantos quantos possam existir,  por estar viva. E que se fodam meus parcos movimentos e minha pouca força. Por ora, a vida deve bastar. E esta é a resposta que demorou a chegar.
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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Dinda


Maria Teresa nasceu. Isto de estar viva e ver o outro nascer. E sem que ela saiba, ser ela parte de mim, porque em mim estão todos que amo. E amo por extensão Maria Teresa, que me causou um pranto longo de alegria por saber Marimãe.  Maria Teresa, quando falar, vai me chamar de madrinha. É porque é nossa história que se alonga, que adentra no tempo.
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domingo, 5 de dezembro de 2010

os dias os dias os dias


Tenho sentido mais vontade de ler do que de escrever. E tenho ouvido muita música - uma coisa bonita de ficar aqui com Poeminha e, enquanto ele brinca, me entrego a ouvir, exausta, com esta fadiga que fez morada em mim, mas que qualquer hora vai partir.

Tenho lido uma coisa e outra. Nem sempre literatura. Reli A via crucis do corpo, da Clarice. E li A morte de DJ em Paris, do Roberto Drummond. Mas o livro que fundiu mesmo minha cuca foi Interior via satélite, do Marcos Siscar. Tão bonito, bonito demais. Há dias ando com as Conversas com Woody Allen, um catatau que pesa nas minhas mãos agora doloridas, mas que é uma conversa magnífica, de quem sabe por que está aqui.

E temos nos divertido com o livro 1001 discos para ouvir antes de morrer.  1000 cds nas prateleiras, mas apenas um pouco mais de uma dúzia consta no livro. Aí ficamos como meninos procurando, procurando e ouvindo. O barato disso tudo é saber da infinitude destas listas. A curiosidade sempre suplantada por aquilo que é próprio da criação: ainda e ainda sempre mais.  

E assim os dias os dias os dias os dias
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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pedra do Ingá

Tenho em mim umas sementes de loucura. Guardadas, elas afloram por vezes saudosas. Porque há noites cheias de lirismo e beleza, eu quis conhecer a Pedra do Ingá. Noites de vinho música amigos. Eu fui na Pedra numa tarde chuvosa com meu Tatu, meu Poeminha, minha mana e meu sobrinho-afilhado, depois de atravessar os estados de Pernambuco e Paraíba. Não me importava que fosse apenas uma pedra com inscrições desconhecidas, tão antigas como não se sabe imaginar. E de fato é apenas uma pedra à frente das águas. Vi-a assim: uma pedra desnuda daquela loucura que guardo em mim as sementes. Mas durante todo o tempo que estive em volta da Pedra, com minha máquina em punho, as noites de vinho música e amigos estavam em mim, eu sentada naquela varanda que tem um rio que se chama preto, com aquela moça que tem amor e espanto pelos discos daquele moço que é seu. Eu vi o que vi através das sementes. E por isso fiz da tarde, noite. Só assim pude estar na Pedra com meus amigos loucos, e com eles acampei e dancei em volta do fogo e me banhei nas suas águas, tão terra, ar, água e fogo como o disco na vitrola que me levou até lá, o disco feito no ano em que nasci.  Pois é por isso que vale a vida, para sonhar e cuidar do sonho. E ter outro sonho no momento em que o sonho se faz real. 


Alguns dos arquivos:












Lula Côrtes e Zé Ramalho criaram lá o LP Paêibiru, hoje objeto raro e renegado pelo Zé. Meu amigo Weldon é um dos seres raros que tem e ama um destes vinis.

sábado, 20 de novembro de 2010

Tatumãe

 Pedro - saudade! - e Poeminha no primeiro dia em que demos água no canudo e ele prontamente aceitou 


Li agorinha no blog da Rê sobre amamentação, e resolvi também escrever. Já quis muitas vezes falar sobre este assunto. Pois foi um dos maiores espantos da minha história de mãe descobrir que não era "natural" apenas amamentar nos seis primeiros meses de vida do bebê. Ainda bem que sou teimosa. Entraram por um ouvido e saíram pelo outro os milhares de conselhos que recebi para dar chazinho, um pouquinho d'água, um mingauzinho, um leitinho na mamadeira ao Poeminha. Mas como assim, se desde que me entendo por gente ouço que o bebê não precisa mais do que do leite da mãe? 

Uma só vez caí na besteira de dar um chá, pois ele estava febril, mas ele vomitou. Era só o que eu precisava para ficar surda de vez aos apelos das pessoas a minha volta. E por que caí? Porque a pressão realmente é grande. Eu me sentia maltratando-o. Por outro lado, tinha certeza de que ele não sentia fome. E não posso dizer que amamentá-lo foi tranquilo desde o início. Aquelas propagandas lindas de aleitamento materno, mãe toda de branco, com bebê sorridente, não rolaram aqui em casa. Cheguei a odiar estas propagandas, chamando-as de mentirosas ou, no mínimo, escamoteadoras das dificuldades. Algo como aquelas sobre leitura com o slogan "ler é prazer". Nos dois primeiros dias eu não tive leite, mas devia ter algo lá que o satisfazia, sei lá. E durante mais de um mês meu peito direito ficou ferido. Ferido MESMO, com direito a casquinha que saía a cada nova mamada. Nada que eu colocava sarava o danado.  Um dia, quando percebi, a boca do Poeminha estava cheia de sangue - e uma bola de sangue no meu então enorme bico de peito. E haja pesquisar na net a melhor maneira, a posição mais adequada, até que meu obstetra, e não o pediatra, acertou a pomada.E doía? Doía pracaralho. Mas eu trincava os dentes e continuava. E por que continuava? porque não concebia fazer diferente. E porque, apesar das dores, logo me apaixonei pela delícia que era amamentar. A cumplicidade destes momentos não tem igual. Para mim, foi uma forma de continuar doando o corpo ao meu filho, de criar este vínculo que só vem de verdade se houver proximidade, entrega, emoção. 

E já havia decidido amamentar até quando ele quisesse, quando veio minha doença. Nos primeiros cinco dias no hospital, em Porto Velho, ainda burlamos a segurança e o Tatupai levava-o para amamentar. Mas já na viagem de volta para Fortaleza, eu percebi que quase não tinha mais leite. Ele já mamava por carinho, dengo, mas olhava tristonho para o peito e resmungava. Nem eu aguentava mais segurá-lo, nem havia mais leite. Ele tinha então  dez meses e já comia tudo. Ainda assim, foi um baque grande. Pior do que isso só ficar em seguida 12 dias sem vê-lo e mais de dois meses sem conseguir segurá-lo nos braços. 


E ainda tem a novela depois que ele completou seis meses: decidimos seguir uma dieta que eu também achava que toda mãe razoável seguia: sopinhas, comidinhas, muita fruta, sucos sem açucar e nenhum mingau, já que ele continuava amamentando. Desde o início, Poeminha foi bom de colher. Mesmo assim, foi bombardeio de todo lado. Diziam que sem mingau, ele passava fome, que suco sem açúcar era um horror, que fruta não alimentava, que tirávamos todo o "direito" da criança e por aí vai. Ainda hoje há cobranças, mas continuamos como dantes: sem dar ouvidos. 


Quero esclarecer que não sou xiita. Se dão um suco com açúcar, não faço escândalo; se alguém está tomando sorvete, e ele fica com cara de cachorrinho pidão, eu deixo dar um pouco, e eu mesma já dei. Afinal, ele é um glutão, faz um barulho danado, bate os pezinhos de alegria antevendo a delícia da comida, seja ela qual for, e não raro abre largos sorrisos enquanto come. Mas peloamordejesuscristinho o que passa na cabeça das pessoas? que a criança vai aprender a comer comida saudável se for empanturrada de doces, massas, biscoitos? Dia desses, tomávamos coca-cola e estenderam o copo para eu "colocar um pouquinho" para ele. Como disse o Tatupai: aí já é demais. Coca-cola para um bebê de um ano? é claro que sabemos que ele vai tomar coca-cola, empanturrar-se de guloseimas, mas que seja num tempo mais adequado. Enquanto eu puder adiar, não terei o menor pudor de fazê-lo. Já bati o martelo: antes de dois anos, ele não vai sentir gosto de refrigerante. E biscoitos chocolates balinhas massas, só quando passam por cima do meu cadáver. E tem sempre quem passe, infelizmente. 


Então, acho assim: se uma mãe não quiser amamentar seu filho ou quiser dar cinco mingaus por dia porque dá menos trabalho do que fazer sopas, é uma decisão dela. E não posso fazer nada. Mas lamento. E sou taxativa: a mãe erra quando não amamenta, a mãe erra quando não cuida da alimentação do filho. Eu nem digo para que se sinta culpada, pois sentir culpa não é mais do que uma forma de criar uma discursividade que escamoteia o erro. Mas se a ditacuja não se envergonha de posar de coitadinha dizendo que está sendo pressionada a ser "politicamente correta", eu também não me envergonharei de dizer, como diriam os antigos, de que isso é uma baita safadeza. É um discurso próprio do nosso tempo, em que as pessoas querem fazer tudo do modo mais fácil, sem que isso tenha consequência.


Enquanto eu tiver boca, vou repetir o mantra de que dar o peito a um bebê é um dos grandes prazeres da vida. E lamento muito por aquelas mães que não percebem isto. E acho, sim, que o aprendizado de ser uma boa mãe deveria passar pela experiência da amamentação. 
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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Relatinho do Silic


O Silic foi mesmo bonito. Esta sensação: três dias com a alma nas mãos. E se eu tinha que falar na abertura, falei que os conferencistas tinham isto em comum: eram todos gente boa. E não menti. Cada vez mais tenho sentido vontade de estar perto de quem me interessa. Sorte poder estender isto para mais pessoas. Sorte ter cruzado com tanta gente sabida.

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Neste ano, as conferências aproximaram-se mais do tema que surgiu como surgiu o anterior (de uma vez): as aporias do contemporâneo. A sensação foi de uma grande cantoria, em que uma repercutia na outra. A primeira foi por conta de Valdir Barzotto, professor da USP. Ele sempre certeiro: quem ganha e quem perde quando afirmamos que o jovem de hoje não lê? quais máquinas de silenciamento estão aí em movimento? Por que ensinar e pesquisar literatura? A que será que se destina? A existirmos, foi a sua resposta.

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No outro dia bem cedo foi a vez de Binho, da Unir, entortar a cabeça dos bem pensantes, ao analisar a obra/persona da Clarah Averbuck.Ficção? Fricção? Ele sentiu o baque, mas titubeou pouco. É texto, mas quem escreve é uma moça pra lá de performática. O que a Universidade vai fazer com isto, é o desafio.

À tarde, houve uma conversa com professores do ensino médio. Esta eu perdi. Mas o burburinho foi grande. Valdir não é de brincadeira. Sem papas na língua, ele faz mais é incomodar. E quem não precisa se sentir instigado?

E Arnaldo Franco, professor de literatura da Unesp, de certo modo, continuou à noite com o aspecto "marginal" da empreitada, ao falar sobre o que há entre as experiências e os experimentalismos na literatura brasileira, focando na obra da Clarice, Roberto Drummond e Caio Fernando Abreu. 

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E as comunicações dos alunos? De dar lágrima no olho. Demais sentir o amadurecimento de cada um. Os volteios, as certezas, as belezuras. E a gente do Silic faz ficar com cara de mesa-redonda, todo mundo juntinho numa grande mesa.

Depois veio a Madalena, da Unemat. Mas eu, exausta de doença, não pude assistir. Sei que foi bom, com a moçada da plateia perguntando. Aliás, as pessoas estão tão perguntadeiras, o que demonstra que há aí um movimento de intimidade, de à-vontade, com o Silic.

Osvaldo Gomes iniciou a noite com sua teatralidade poética sempre a nos deixar com vontade de guerra. Aí veio o Marcos. O Siscar, agora na Unicamp. E cada vez mais poeta. Saiu um livro maravilhoso dele: Interior via satélite. Tenho-o aqui, agora, com um autógrafo tão tão tão bonito. Eu fiz possível para não me derreter demais. Binho diz queéfeio e eu, boba, acredito. Mas falei assim, da minha grande admiração por ele, não poderia deixar de falar. E ele falou sobre a questão da crise na poesia. Mas ninguém ache que ele o fez sem problematizar, sem colocar um grande ponto de interrogação nesta questão, destoando do que se ouve a toda hora por aí.

E exaustos de alegria, assistimos ao show do Binho no encerramento. Chuva veio, chuva foi... e sentimos com muita alegria que fizemos a coisa certa, do jeito certo, na medida certa. 
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Então acabou em festa até às 3h da manhã aqui em casa. 
Próximo ano tem mais.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

fase anfíbia

minha doença está em uma fase anfíbia. movimento-me bem melhor. por outro lado, não consigo fazer muita coisa. sinto uma fadiga "ancestral". e tenho a impressão doída de que nunca mais meus pés e mãos deixarão de estar dormentes. o equilíbrio pé como o andar do Poeminha. tem sua delícia: aprendemos a andar juntos.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

2º SILIC

No SILIC, é tudo tão bonito...



está tudo aqui: www.silic.unir.br
10, 11 e 12 de novembro deste ano.
Vai ser bom demais!
E vai me permitir voltar para casa.
Nem que seja por pouco tempo!

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domingo, 24 de outubro de 2010

Vou dilmar


* Peguei a expressão e o cartaz da Olga, sempre sabida em suas análises do mundo

As razões são muitas. Dilma, nem de longe, me emociona como Lula, mas é bobagem pensar que ela não tem cacife para ser presidenta. Ela será uma "mulher fêmea" cheia de vontades e ousadias. E é assim que as coisas boas devem ser feitas. Se ela foi a escolhida, resta-me assinar embaixo. 

E por que? Porque as mudanças feitas pelo governo Lula são por demais vigorosas para que fiquem para trás, como um hiato. Eu sei que muita gente é cética em relação a essas mudanças. Entretanto acompanhei muito de perto as realizações do governo ao menos em uma área, que foi a do ensino superior, e digo sem temor: nada se compara ao que aconteceu nestes oito anos. Uma efervescência tão grande que é impossível medir em números, embora estes sejam muitos. A minha trajetória profissional não seria a que está sendo, se não fossem os investimentos no ensino superior. Doutorado com bolsa de estudos, estágio na França também com bolsa, concurso público logo após o doutorado (é sempre bom não esquecer que no primeiro ano do governo Lula foram abertos mais concursos nas universidades do que em todo governo FHC). E numa universidade da "mata" (interior de Rondônia), como costumo brincar, meu grupo de pesquisa teve dois projetos aprovados, com ajuda financeira para o que chamamos de nossos "sonhos": o II Silic vem aí. E muitos livrinhos, computadores... E galerinha fazendo pesquisa, dando oficinas em escolas, discutindo, crescendo, sofrendo, rindo, ganhando suas bolsas de estudo para chegar bonita na seleção de mestrado, na seleção natural da vida. Não é preciso ser esperto para perceber que uma nova visão de Universidade está sendo construída. Uma visão muito mais democrática.

Há muita coisa torta? Há. Às vezes, o excesso de produtividade que nos é exigida nos faz entrar em uma roda viva tamanha que sobra pouco tempo para a maturação das ideias. O curriculo lattes vira um demônio de mil cabeças com seus dentes prontos a nos devorar... Mas confesso que agora sou menos revoltada com isto, porque de fato há na universidade muita gente acomodada, que nunca faz pesquisa, deitada sob os braços plácidos das suas aulinhas repetidas ano a ano...  Estas continuarão por muito tempo ainda, mas a sua mediocridade fica mais evidente quando em volta há gentes se mexendo.

Enfim, não dá para correr o risco de perder tudo isto. A campanha eleitoral está muito feia (e por conta da doença, tenho acompanhado tudo, desde o horário eleitoral gratuito!). Não precisaria ter chegado a este vale-tudo vergonhoso. E chegou porque, infelizmente, ainda há muita desinformação sobre a política, o que dá margem a todos esses jogos manipulatórios. Mas ainda vale continuar acreditando.  Porque tem muita coisa bonita que não pode se perder.
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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

guillain-barré

adoeci no fim das férias. mantive umas tiradas irônicas diante do medo, para não perder de todo a elegância, mas o certo é que sofri de dor diante da possibilidade da morte e chorei bem alto em alguns momentos. me ver diante de tantas dores causaram-me um espanto inominável. não vou tentar descrever-me naqueles dias. não conseguiria. mas digo que nem sempre deu para me manter serena. oh year! vou "morrer de forma digna e serena" aos 80 anos. deve ser mais fácil. aos 35, achei que ainda era muito cedo.

guillain-barré não é uma doença incurável. o problema é que aniquila o corpo em poucos dias. e o diagnóstico, em geral, demora a vir. e é esta demora que pode causar a morte. no meu caso, demorou um tanto. mas o aniquilamento do corpo também demorou mais do que o habitual. ouvi diversas vezes que contraí guillain-barré na forma atípica e branda. alguns anjos estavam a postos, enquanto outros dormiam.

os homens é que não estavam muito atentos. voltamos das férias para Porto Velho comigo já cheia de dores e dormências nas mãos. em Porto, passagens pela emergência de hospitais, internação por vários dias, diagnósticos errados, dias em casa da Maneca esperando melhorar. neste entretempo, piorei muito: perda parcial da visão esquerda, dormências em todas as extremidades, perda de força muscular e muitas, muitas dores. angustiada, vi-me impossibilitada de levantar o Poeminha do chão. depois, não subi mais escadas e, mais depois, deixei de me levantar da cama sem ajuda. voltamos, então, para Fortaleza. dois dias depois, sabia o diagnóstico.  fiquei 14 dias internada.  e agora, aqui ainda estou, pés e mãos dormentes, acampada na casa da minha anja, longe de retomar a vida normal, mas recuperando-me um pouquinho a cada dia.

sim, uma anja transvestida de irmã. devo este segundo tempo da minha vida a mana Mácia. acho que por ser enfermeira, ela foi a primeira a perceber a gravidade da minha doença. não descansou até me ver de volta em Fortaleza. e foi incansável na busca pelo diagnóstico. e ficou comigo durante todo o tempo no hospital. como eu disse, tive muito medo, mas ao mesmo tempo me senti muito segura tendo-a ao meu lado. agradecida agora estou. e estarei  pelo resto da minha vida.

porque eu gosto muito de viver. não precisei estar perto da morte para saber disto: amo viver. e eu tive medo por causa disto: porque viver é bom, é bonito.
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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

pausa

je suis malade.
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quando eu estiver melhor, volto e conto estes dias.
ou nao. dias assim doem e metem medo.
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domingo, 25 de julho de 2010

Em Natal


Em Natal, tenho muitas histórias. Mas a que construo agora é muito doce. E a mais feliz de todas.
Viajamos eu, meu filho, meu amorTatu, minha irmã e meu sobrinhoafilhado.
E eu percebo que é mais do que uma viagem de férias. É um aprendizado entre pessoas que estão em constante reorientação dos seus limites, dos seus desejos.
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Até mesmo com o Tatupai é um reconhecimento, já que é nossa primeira viagem de férias. 
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Então assim: o significado desta viagem advém das janelas que tento deixar abertas para o mundo.
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sábado, 24 de julho de 2010

Em Jericoacoara


Fomos ao paraíso.
Isto é, em Jericoacoara.
Eu li em algum lugar que ir em Jeri não é uma viagem, é uma experiência.
E só vivenciando aquele lugar para entender o que isso significa.
Porque é muito, muito poderoso.
Nenhum guia explica a sensação de alegria que nos assalta quando atravessamos as dunas, aos solavancos, e sentimos um outro mundo aparecer.
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Nem mesmo o burburinho da grande quantidade de turistas diminui a exuberância da natureza.
Pôr do sol nas dunas, caminhada de charrete até a pedra furada, ida ao mangue para tentar ver cavalo marinho,espiada nas muitas lojinhas artesanais, comidas deliciosas, incluindo a torta de banana da dona angelita, tudo faz parte do ritual de estar em Jeri, mas que logo viram experiências pessoais de enorme densidade emocional. E por que? Simplesmente, porque é lindo. Porque tanta beleza arrebenta a retina.  

Viemos nóstatus e o Poeminha, mais mana Mácia e amiga dela, a Fátima. Ficamos em um hotel maravilhoso, de frente para o mar. Num dia, nós, tatupais, saímos apenas os dois para andar de bugue. E apesar de termos pensado no Poeminha várias vezes, delícia um tempo só nosso para namorar.
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Acho que encontrei bons companheiros de viagem. Às vezes, ansiosos outras, impacientes, mas sempre com um olhar bonito sobre as belezas do mundo. E, no fundo, é isso que importa em toda viagem: a capacidade de se espantar diante do visto e sentido.
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Feliz.