quinta-feira, 21 de maio de 2009

Projetos de pif

Pifei. pif. paf. Mais de mês na vida de formiga sentindo o inverno bater nas canelas deu nisso. Nada grave. Apenas cansaço dos grandes. E dorzinhas aqui e ali. Meu corpo demora a se acostumar que agora habita outro corpo exigente. Que exige repouso, dormir na hora certa, comer feito uma leoa, fazer xixi como não sei o quê. Apenas as últimas duas eu estava fazendo direito. Até tenho trabalhado deitada graças a uma mesinha portátil de computador que ganhei do pai do Poeminha. Mas não foi o bastante. É a mente que cansa. Projetos de pesquisa, apostila de literatura clássica, tradução de texto, mesa-redonda em Cuiabá, orientações trabalhosas de monografias, dia de aula 10 horas longe de casa, acompanhamento de alunos via internet, aulas aulas aulas trovadorismo barroco romantismo e mais monte de pequenas coisas. Eu devia saber que era demais.

Agora vou bem ali descansar na rede. Lista de coisas boas para fazer: ficar muito tempo deitada, beijar muito na boca, comprar roupinhas para o Poeminha, ouvir os cds maravilhosos que andei comprando com meus bônus Fnac (sim, compro tanto na Fnac virtual que acumulo bônus generosos!) e ler livrinhos também comprados, mas sem bônus. A maioria, romances contemporâneos para a próxima empreitada de pedido de bolsas para o grupo de pesquisa - grupo que tem me dado muitas alegrias. Toda segunda-feira uma hora e meia de bate papo gostoso com os alunos sobre literatura contemporânea. Cada ideia tem surgido daí... Vem aí o Silic...

Depois de mais de um mês com meu livro de Matisse sem sair da página 50, comecei outro ontem após a ida ao médico. O último do Milton Hatoum, A ilha sitiada. O primeiro conto não me animou. Mais previsível do que uma pifada de grávida. Mas Hatoum tem crédito comigo; é verdade que cada vez mais graças a apenas seus dois primeiros livros... Eu gostaria de saber onde diabo Hatoum perdeu aquele espaço de memória evocativa e lírica de Relatos de um certo oriente e achou esta linguagem plastificada de colecionador de "causos" de uma Manaus idealizada demais para meu senso crítico, com direito a palavra "acoucho"! O cabra queria ser Proust e Kafka no início da carreira e agora está mais para Thiago de Mello, seu conterrâneo.

O próximo da fila é Leite derramado, do Chico Buarque. Este tem crédito graças a tudo. E ainda na fila, De cócoras, de Silviano Santiago e O falso mentiroso, também dele; uma bolsista do grupo quer investir nele. E pedido de jovem sabida e linda é uma ordem: lerei. Ainda tem Tezza e João Gilberto Noll. Será que vai dar tempo? Melhor sentir o clima do correr dos dias...

Vou deixar que as surpresas venham. Andar de mãos dadas nos planos, como tenho aprendido. E me acostumar de vez que agora sou dois corpos.
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terça-feira, 19 de maio de 2009

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uma mão em outra mão. a outra, fica na barriga. às vezes, duas mãos na mesma barriga. quatro mãos ocupadas. sorriso que não cabe.
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isso parece enredo de folhetim barato. ou aquelas propagandas kitsch de margarina. mas é bom pra danar.

morada do poeminha

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c
hegaram as primeiras coisas do Poeminha feitas pelas mãos da tia-avó. dizer que são lindas é pouco. dizer o que sentimos ao desdobrá-las uma a uma também é impossível. pois fique assim como eu sempre digo: palavras não servem quando o sentimento vai muito longe.
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os gestos de carinho me atordoam um bocado.
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segunda-feira, 11 de maio de 2009

Tchubarubas

i.
No fundo, o que quero como professora é instigar meus alunos para a literatura - como se eu fosse apenas o caminho que pudesse conduzi-los para o espanto de ler. Talvez quase nunca acerte. E quando sei que acertei, me vem uma alegria e uma certeza de que é mais fácil acertar quando os ouvintes estão na mesma sintonia. Foi assim sábado, depois de viajar 10 horas para ministrar uma aula de 8 horas. A disciplina Teoria da Literatura assusta tanto quem vai ministrá-la como quem vai assisti-la, porque teoria sempre é vista como um bicho papão. Mas esta turma de Letras, da tal chamada Universidade Aberta do Brasil (programa do governo federal que minha universidade de origem participa), me surpreendeu desde a primeira vez que lá fui. A empatia foi imediata; e as discussões, deliciosas. Há alunos super atenados com a literatura, cheios de dúvidas, de questões inteligentes e percebo que mesmo os que ficam em silêncio estão de ouvido atento. Eu saio de lá sempre com vontade de ler um tanto de livros. E com a promessa de fazer uma lista de filmes, de música e de livros para eles. Eles me provocam e eu os provoco. Aí fica fácil. Difícil é controlar o minguado tempo, quando um aluno me pergunta sobre Herman Hesse, Kafka, haicai, literatura fescenina, crítica versus criador... Canso? Demais! Mas momentos como este me convencem de que vale a pena insistir nesta inutilidade chamada literatura.

ii.
Enquanto eu dava aula, véspera do dia das mães, ele me liga avisando que escolheu o "motivo" do enxoval do Poeminha. Comparou um e outro e ficou com as pipas voando. Eu abro um largo sorriso e nem questiono se esta seria minha escolha também. Talvez meu filho desde cedo saberá que sua mãe é uma mulher meio avoada e muito ocupada. E talvez se ressinta, como eu me ressenti tantas vezes. Por outro lado, sei que, apesar disso, ele vai saber que é um menino de sorte. Tem um pai que é pura atenção, pura sensibilidade; olho vivo, curioso e ansioso. E a família do pai está grávida junto comigo. Na era do domínio das máquinas, uma tia borda o seu enxoval. Fraldas, lençóis, toalhas, colchas; tudo se faz artesanalmente... Quanto tempo eu não entrava em uma loja de tecidos. E de repente lá estava eu, atrapalhada e indecisa, escolhendo cores e texturas, para que as mãos habilidosas da tia transformassem tudo em beleza.

iii.
Dia das mães. Por falta de mãe, sempre tão longe geograficamente, encomprido um pouco mais a viagem para poder ficar com duas amadas: minha Maneca e minha Princesa. Não nos víamos desde o início do ano - e elas nunca tinham me visto barriguda! Daí talvez por que a saudade parecesse mais comprida, mais urgente. Ficamos o dia juntinhas. Só saímos no fim do dia para nos empanturrarmos de sushis. Foi tanto conversê, tanta palavrinha, tanto chamego, que, quando peguei o ônibus de volta para casa, não pude adormecer nem ler. Estava toda cheia de amor. Nada mais cabia. Então fiquei vendo a noite da janela pensando neste meu primeiro dia das mães como mãe. Sim! Já me sinto mãe. E me vieram um susto e um enternecimento que não têm tradução.

iv.
E hoje meu revisor de barbeiragens me manda de volta a tradução que fiz na semana passada. Texto cheio de bandaid!!! - cochilos, como ele chamou. Depois do susto, olho, olho, comparo. E vou ficando contente outra vez. Como admiro incondicionalmente este moço, vem-me um pensamento besta de menina desejosa de aprovação: "acho que ele gostou". Mas depois, bem depois, me vem algo que parece mais importante - e que diz respeito àquele sentimento de confiança de que todos precisamos para prosseguir.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

hiatos


me deu vontade de escrever sem siso. como já escrevi antes. misturar uma e outra lembrança. como a da tarde em que fotografei a sleeping muse, de brancusi. aquela tarde tão fria. la dernière bande, de beckett, no bolso do meu casaco verde. e minha vontade de atravessar o vidro que me separava da musa de brancusi. aquela cabeça destituída do seu corpo. o pensamento sem o poder da ação. só pensamento. o problema é que agora sou toda presente. por inteira me presentifico. sou toda poeminha. meu corpo minha pele meu pensar. estes seios enormes. estas pernas que engrossam. esta barriga que fica pontuda. linda de perfil. fome gigantesca. fome de muitas coisas. muito pensar. passou o enjoo e me veio uma urgência. chegou eu sei de onde, mas andava amortecida pela força de tantos inesperados. fiz as pazes com a escrita. aquela que nos obrigam. que eu preciso me obrigar a. tem sido bom demais pensar. ler investigar tentar pôr em linhas. egostodequasetudo. estou no plural. eu, ele e o poeminha. me remodelo. corpo e cabeça. o pensamento com o poder da ação. até aprendo a deixar a louça suja - que se foda minha compulsão. eu quero é entender. é ir para a frente. é ir. e, aqui, descansando depois de uma orgia pantagruélica, chorei de pura beleza. e tem de ser assim: hiatos para a emoção, para o deixar vir - gotas de delicadeza. nada menos humano do que o automatismo. e sair do automatismo para aprender com o outro, para apreender a palavra do outro, é uma forma intensa de viver. não me importa se amanhã eu esqueça. agora, eu choro de emoção. e sei que acredito. que acredito no ser humano; mesmo que às vezes necessite de meus espaços de solidão. acredito. se há buracos no não-sentido da vida, eu busco preencher com esta crença na literatura na música na arte nos filmes - que se traduz na crença em pessoas. crença na palavra. não é fuga nem covardia. é apenas uma maneira de acreditar. e de viver. outramente.