sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sobre Cindy Sherman, escrito em 2006

(E por falar em arte contemporânea, lembrei que tinha escrito sobre Cindy Sherman, quando  eu conheci a sua obra, em uma exposição no museu Jeu de Paume, em Paris. Ela está no livro As vidas dos artistas. Foi o primeiro perfil que eu li. E me deu uma alegria  danada ler. Começa assim: "Muitas vezes as pessoas se surpreendem que alguém tão agradável como Cindy Sherman possa ser uma grande artista. Com agradável eu quero dizer gentil, modesta, simpática, atenciosa, tranquila - qualidades que geralmente não associamos ao ego artístico". Tudo bem que eu não sou nada policialesca: os enfant terribles da arte são absolutamente necessários... mas é bom saber que por trás de uma obra como a dela existe uma pessoa encantadora, daquelas que se sente vontade de ser amiga). 

Enfim, segue aí  o texto que fiz sobre ela. E: todas as vezes que leio o blog daquela época, lamento por ter "perdido" aquela linguagem. Gosto muito dos cortes abruptos, da pouca reverência à gramática das frases... Agora estou "factual" - talvez porque a vida seja mais feliz, mas nada interessante no sentido de vivências culturais (o que me faz uma falta de doer!). Essa constatação daria uma boa conversa - e deu: noites dessas, com um amigo no msn, eu dizia o quanto estou feliz, embora essa felicidade diga respeito tão-somente a minha vida pessoal. 


Terça-feira, 25 de julho de 2006

CINDY SHERMAN


A literatura é o essencial, ou não é nada. O mal - uma forma aguda do Mal - do qual ela é a expressão, tem para nós, creio, valor soberano. Mas essa concepção não pede a ausência de moral, ela exige uma "hipermoral". [Tradução tosca - minha - de um fragmento de A literatura e o mal, de Georges Bataille]

Alguém conhece a Cindy Sherman? Eu não a conhecia antes de uma fila imprevista... Ela é fotógrafa; e a fotografia é tratada como arte menor, ou não-arte, mesmo que ela nos tenha dado Mapplethorpe e Salgado. Aí fica mais difícil conhecer = minha já conhecida indignação!

A Cindy é... poeta-cineasta-escritora, sendo fotógrafa. Saí tonta da sua exposição: suas fotografias mexem com a sensibilidade e a memória, evocando imagens do cinema, da pintura, da literatura sem que seja possível chegar a uma conclusão se de fato são apenas evocações ou fotogramas. Na recusa de ser simples mimetismo, os tipos, as personas põem em evidência a cópia - Cindy n vezes copia e se copia. Numa fileira de fotos de "personas", dá para ver também o fio da máquina que permite a fotógrafa ela mesma se fotografar. Escancaramento do "método" a revelar a pose previamente trabalhada no (auto)-retrato - toda e qualquer tentativa de dizer sobre si passa pelo performático e, por outro lado, estar em relação estreita com o outro - a busca de si e do outro = a minha tese.

A exposição ocupa o museu inteiro (Jeu de Paume) e segue a ordem cronológica; é espantoso e inquietante observar como a artista vai cada vez mais fundo na exposição do grotesco, do animalesco - como se a paixão e a loucura se apossassem aos poucos do seu "corpo", adentrando no que antes era apenas moldura crítica. Não há apenas jogo, simples representação; há todo um mal estar espalhado: mesmo nos auto-retratos que indiciam as musas do cinema, parece-me, está à vista um olhar duro e severo sobre a contemporaneidade, no que esta tem de efemeridade, de mutações que privilegiam a persona, e não a pessoa.

De uma a outra sala, o mal estar ganha corpo e incorpora outros corpos: o corpo humano, antes tendo como suporte o corpo da fotógrafa, é substituído por próteses com buracos em pontos estratégicos [a prótese = o que hoje não o é?]. E ainda há os palhaços absurdamente tristes nos seus sorrisos = o incômodo do clown - o meio riso. É o próprio fantasma da (não)identidade. A violência extrema de uma perda que é, à revelia, a nossa própria face.

Embora eu nada saiba de fotografia, sei que não é a primeira vez que rosto e máscara contracenam: Man Ray já o fez, mas por um procedimento diferente. Em Cindy, há a junção, como se dissesse: não há rosto sem máscara: é a constatação de que só a arte pode nos fazer crer sem que haja discurso panfletário - a grande sacada é o fato de seu corpo ser o lugar da crítica ácida, o que a retira do lugar cômodo da isenção. Admirável num tempo em que todo discurso de "denúncia" acaba por eximir-se de qualquer participação no estado das coisas.

Não sei nada de Cindy Sherman: escrevo sobre o que vi ou penso que vi: e me abalo pela constatação de que é no horror que habita o meu conceito de arte: o belo me encanta, sim, mas quando nele há o espaço do feio, grotesco, desumano, mal; quando traz em si uma carga de negatividade ou de paixão indizível. Seja em Farnese com suas bonecas queimadas enclausuradas em transparência, seja nas mãos cortadas da Louise Bourgeois (que descobri casualmente andando pelo jardim do museu enquanto conversava com a Mari), pressinto que meu olho desatento me leva à dor, à estranheza do abjeto. Quem pode me salvar? As linhas brancas de Brancusi? As ninféias de Monet?, pergunto-me quase trágica, quando me recordo (e associo a Cindy) das violetas podres de Lúcio Cardoso e do cheiro de mijo e de merda das sarjetas de Jean Genet. E mais uma vez experimento o prazer que senti ao ver, ler e sentir tudo isso pela primeira vez.

De repente, sou invadida por uma espécie de gratidão a Cindy Sherman = com tanta imagem no mundo, ela nos acrescenta estas - difíceis de ver - mas absolutamente necessárias.
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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

As vidas dos artistas, de Calvin Tomkins

Eu já disse por aqui que gosto muito de arte contemporânea. As minhas andanças pelos museus da Europa deram-me a certeza de que, apesar de admirar a pintura clássica, são as loucuras da arte moderna e  contemporânea que me deixam sem prumo. Então, quando eu li uma resenha do livro As vidas dos artistas, de Calvin Tomkins, soube de imediato que precisava lê-lo. Porque os artistas a que se referem o título podem ser considerados os nomes mais expressivos da arte contemporânea: Damien Hirst, Cindy Sherman, Julian Schnabel, Richard Serra, James Turrel, Matthew Barney, Maurizio Cattelan, Jasper Johns, Jeff Koons e John Currin.

Se eu não tivesse um filho para criar, teria lido de uma sentada, como se diz. Calvin Tomkins, um dos principais críticos de arte, durante uma década, escreveu na revista The New Yorker, esses perfis agora traduzidos no Brasil. E o fez de modo arrebatador. Ele parte da premissa de que a vida dos artistas têm a ver com a sua arte, renegando o preceito estruturalista de que só a obra interessa. No entanto, o que é interessante é que ele não escreve estas biografias atrás do choque do escândalo. O que ele faz é desmistificar o escândalo da vida (as bebedeiras, os egos inflados, as brigas, as disputas) para que o escândalo das obras fique intacto. Fica evidente que Tomkins admira estes artistas. Talvez seja mesmo mais que admiração. Seja amor. 

E talvez seja isso que o livro nos ensine: é preciso amar a arte contemporânea para admirá-la. Não é porque a arte de agora está próxima da indústria, do espetáculo, da sociedade de consumo, que ela perdeu o seu traço transgressor. Por que um tubarão conservado em formol? Uma estátua de cera de John Kennedy em tamanho natural deitado em um caixão? Por que fotos pornográficas do próprio artista? Porque pinturas com a excelência do traço clássico servindo-se a cenas pornográficas? Por que enormes estátuas de bonecos do Incrível Hulk? Que arte é esta?

Tomkins não responde a estas perguntas. O que se lê é o rastreamento de momentos decisivos da arte contemporânea. Ele simplesmente nos diz que estas obras existem, são vendidas por milhões de dólares e muitas vezes possuem uma beleza desconcertante e rara, daquela beleza que só a arte pode oferecer. 
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Meus três quilos a mais

Escrevi na minha lista de tormentos os meus três quilos. E menti. No máximo, incomoda um pouquinhoassim. Sem dor alguma, eu me vi dando uma olhada em biquinis um pouco maiores, com a firme certeza de que vou aposentar os meus tamanho P. O fato é que o corpo conta nossa história. E meu corpo conta que um menino passou por ele, que eu tenho 35 anos, que eu nunca fiz exercício algum, que eu sou uma bebedora de cerveja e coca-cola. Não que eu não seja vaidosa. Para quem um dia só usou calças e camisetas largas. Para quem um dia nem sabia que se distinguiam roupas pela marca. Para quem só alinhou as sobrancelhas aos 27 anos - a cada dia eu sou mais vaidosa. Nunca vou ser uma mulher podre de chique - até porque as podres de chique têm sempre um pé no brega-, mas tenho lá meu estilo. E ando mais exigente: sem abandonar minhas calças folgadas, acrescentei aos poucos outras peças no meu guarda-roupa: vestidos, lenços, camisas. O que eu não vou fazer é me violentar em busca daquele corpo da adolescente que eu já fui um dia. Tenho uma vida para viver. Amores para cuidar. Livros para ler. Aulas para dar - daqui a um mês volto ao batente, se é que saí! Então, se estes três quilos ficarem por aqui, que fiquem.
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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

imagem

gosto muito desta foto. já faz tempo. nesta época, os cds ainda não tinham a estante que hoje é nosso xodó, mas os dias em que esta foto foi tirada foram dos mais felizes. é meu amigo que está nela. eu, ele e ela, em sintonia perfeita. é raro, muito raro dias como aqueles. só ocorrem com pessoas que se amam, que amam estar juntos e que amam o entorno - neste caso, música, livros, filmes.
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preguiça. 
estou ali na rede lendo.
ou andando para lá e para cá com um menino que ama braços e beijos. 
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Por aqui no carnaval


O carnaval passou bem ali longe. Fiquei aqui com meus dois homens e alguns livros. Já fui boa carnavalesca, mas não senti falta alguma. Melancolia, nenhuma que envolvesse as festas momescas. Lembrei de Marie e de nós na praça de Recife. Lembrei de Cy e Alberto. Mas ali já não era carnaval. Eram muito mais as pontes, Brennand, as obras, os livros, a casa linda.

Na véspera, o correio liga e avisa: ou pega agora ou só depois do carnaval.  Tudo depois do carnaval. Fomos lá, então, meninos peraltas. A alegria de pegar livros com cheiro de novo. Dia inteiro com angústia - por onde começar? Comecei assim: "Nos últimos anos de sua vida, minha mãe foi perdendo aos poucos a memória". Luis Buñuel, em Meu último suspiro. Depois larguei e fui até ao fim com A viagem do oriente, de Le Corbusier. No pesqueiro, voltei a Buñuel. Ainda o vaivém com os livros. Prometo que.

Durante todos estes dias, também não tirei a minha amiga Arev da cabeça. Sua filha casou. - aquela menina linda. O que é o casamento de uma filha? Eu quis muito perguntar, quis muito ouvir sua voz, suas risadas. Não compreendo isso que não tem cura. Não tem cura este tormento desde muito: o telefone.

No último dia, me tranco sozinha em casa e ligo para minha mãe. Nada indica nenhuma anormalidade. Talvez só a pressão forte do fone nos meus ouvidos. Depois, exausta, não consigo cumprir a lista de intenções e me enrolo toda até que eles voltem. Tem sempre algo que cala.
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Para o filho



Poeminha, de um dia para o outro, você aprendeu a emitir vários novos sons, como se os estivesse guardando para soltá-los de uma só vez. Você já resmunga um "aiaiai" impressionante. E lá vamos eu e seu pai atrás de sua dor, como se ela existisse. Dois segundos depois, já não sente mais nada. É engraçado. Cada vez mais você anseia pelos nossos braços. E cada vez mais ansiamos pelos seus. E como sorri! Já gargalha "dobrado". Sua tia Maneca foi a primeira a ter o privilégio de ouvir sua gargalhada. Agora, ri, gargalha, como se não quisesse parar mais. E está mais curioso. Descobriu que não precisa mamar sofregamente. Agora, vira a cabeça, procura algo com o olhar, e leva meu bico do peito junto... e, ao fazê-lo,  uma cara de safado, como se soubesse que faz peraltices. Se seu pai fala, aí, sim, você esquece mesmo o peito e sai à procura da sua voz. E quando encontra, abre o sorrisão. Uma delícia, filho!

E que delicadeza, filho:  você descobriu que as mãos servem para segurar coisas e levá-las até à boca. Você já parece saber o que é concentração. E carinho. Às vezes, agarra meu rosto com as duas mãos, aproxima a cabeça da minha e fica ali me segurando, me "reinando", me apalpando. E eu fico como se a vida toda fosse as suas mãos.
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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Maus, de Art Spiegelman


Eu não li Primo Levi. Nem Hannah Arendt. Tenho muita vontade. Mas nunca dá para ler tudo que quero. Muitos acabam ficando para um depois que demora. Mas leio Marcio Seligmann-Silva e Jeanne-Marie Gagnebin - e sempre repito: junto com Marcos Siscar, quando os leio, penso: "quando crescer, quero ser como eles". Porque eles são fodas! Além  da inteligência fora de medida, escrevem muito bem. E Seligmann e Gagnebin, professores da Unicamp, têm um trabalho sobre a memória que bebe na fonte de Levi, de Arendt, de Benjamin - a memória do holocausto. Sempre a vontade de me aprofundar mais. E por que não o faço, além da falta de tempo? Porque virou moda. Hoje, na universidade, todo mundo quer falar sobre memória, sobre o holocausto - e haja repetição, diluição...  o horror!

Maus, de Art Spiegelman, que trata sobre estas questões, caiu de pára-quedas nas minhas leituras, cada vez mais aleatórias. Daqueles impulsos  que só fazem bem.  Maus é uma porrada, seja qual for a linha que se segue, seja qual for a moda. Perfurou-me profundamente. E é uma HQ! Está tudo ali.  A estrutura narrativa é muito simples - e também está na moda - mas é, como já disse, uma porrada: não há um herói. Os judeus não são heróis. O sobrevivente, menos ainda. Pelo contrário, um velho ranzinza e pão duro ao extremo - a exposição da caricatura, que se dilui como caricatura. Eu ri e chorei. E li para meu filho. E vou colocar na sua prateleira, torcendo para que um dia ele o leia.

Reconstituir a memória de um outro, no fundo, é dar-lhe um lugar no mundo, na história. É o que faz o Art, autor e narrador. Mas o que ele busca é, antes, a História. E não a história do pai. Mas apreender a História é estar disposto a enfrentar as cinzas daquilo que foi. É saber que não estava lá - e que isso faz toda a diferença, sobretudo quando se deveria ser o herdeiro daquele que lá esteve. Art explora isto - a própria história, a história do pai, a história da História, fazendo assim um relato memorável, perfurante, assustador.
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sobre ser mãe e a teimosia


Cada vez me convenço mais. Não podemos oferecer aquilo que não temos. Óbvio, não? Difícil mesmo é sabermos a exata noção do que temos... ou somos. Em tempos de Internet, os nossos atos correm o risco de se parecerem cada vez mais com os dos outros. A priori, isso não é de todo ruim, afinal nos constituímos em interação com outrem. O problema, como sempre, está se não soubermos distinguir, escolher, selecionar o que verdadeiramente nos toca, nos atinge, nos auxilia. Quanto a mim, se por um lado sou influenciável, por outro tenho uma personalidade muito teimosa. Meus melhores amigos sabem o quanto sou refratária a conselhos! 

E agora, sendo mãe, sinto que ser assim tem sido primordial. Às vezes, eu. Às vezes, o outro.  No Mamíferas, a mãe-blogueira Nanda pergunta: "você conhece alguém, ou você mesma já colocou aquele CD de música clássica para o bebê ouvir enquanto dorme". Ela parece duvidar. E apesar de poder responder afirmativamente a sua pergunta, concordo com a discussão que ela levanta por lá: não dá para seguir receitas. 

Por mais que eu busque informações sobre o melhor modo de agir (e toda mãe tem mesmo que buscar informação!), não posso perder a naturalidade e começar a fazer tudo que me dizem que é bom. Birrenta como sou, posso dizer, sem remorsos, que até agora só fiz o que quis (pra variar!). É muito conselho para um só menino - perdi as contas de quantas receitas de chazinho já ganhei, e até agora Poeminha não bebeu outra coisa que não fosse o leite do meu peito. Mesmo se o pediatra me dissesse para dar outr alimento, eu não obedeceria.  E isso porque tenho convicção de que o  bebê não precisa de outro alimento que não o leite materno até os seis meses. É claro que isso vem das tais informações, mas se eu não as tivesse, o meninão que vejo a cada dia ficar maior e mais esperto seria suficiente para me mostrar que, sim, só o leite materno é suficiente.

E estendo essa teimosia a outros campos. Tenho cá para mim que uma mãe que põe música clássica para o filho só porque "ouviu dizer" que era bom, fará isso duas ou três vezes e não mais. Depois, o próprio filho vai perceber a "farsa". Quando eu era professora primária, muitas mães reclamavam porque os filhos não queriam ler, e eu sempre tascava a mesma pergunta: "Você lê?". 

E agora, como mãe, interessa-me saber o que posso oferecer. Música clássica é uma delas. Música de todos os tipos. Mas não é algo artificial. Apesar do meu ouvido sofrível, uma das minhas paixões é a música. Faz parte da minha vida, da do Tatupai. E consequentemente também da dele.

E assim com todo o resto. Nesta semana, pela primeira vez, ele fez o gesto de estender as mãos para pegar algo, e este algo foi um livro enorme de pano. Imaginem a emoção desta mãe-traça? É claro que poderia ter sido outro o objeto do seu desejo, mas o fato de ser um livro tem a ver com a educação que quero dar a ele, a qual, por sua vez, é baseada em minhas crenças. Enquanto ele não crescer para bagunçar essas crenças, eu aproveitarei, fazendo algo como: "está vendo, filho, eu gosto disto, acho bem legal, quem sabe você também...".
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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Família e amigos é que são bons


Uma semana rodeada de carinho e atenção. Maneca e Princesa vieram. Ida, amiga do tempo das Letras, também. E veio com Irma, quase moça, que nem existia quando nos conhecemos. O apê ficou pequeno, mas ficou tão bom. É bom quando é assim: pertinho. Tudo respira amor. O que sentem por mim, estendem ao meu filho. Emoção enorme de vê-lo com a Princesa; ela, meu primeiro amor de filha. Dorme no seu colo, como se. E eu fico olhando e sentindo. E ainda aquelas longas conversas com Maneca, que conta tudo tim tim por tim tim. Tim tim por tim tim é que é bom.

Atormentam-me

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meus excessos.
os livros não lidos.
a casa quando desarrumada,
as notícias tristes do mundo.
meu francês desaparecendo.
impaciência sem razão.
saudade dos de longe.
telefone.
coca-cola.
o tempo que corre.
horas perdidas na Internet.
textos inacabados.
os não publicados.
as manhãs.
viagens não feitas.
aquele maldito.
este lugar.
os medos que agora sinto.
insônia. vez ou outra apenas.
oportunidades abandonadas.
o que não disse.
o que disse em excesso.
o que não fiz.
os três quilos a mais.
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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Música mundana, de John Neschling

(Um apêndice antes de começar: não dá para ler Ulisses tendo um bebê em casa. O grosso volume é uma concorrência e tanto. Como diz o Bozoca: livro grande demais é desconfortável. Pesa! Então, voltei por ora às leituras menos ambiciosas. Nas madrugadas, estou lendo Um homem sem profissão, de Oswald de Andrade. Fácil de segurar. E hoje, enquanto esperava o peixe delicioso feito pelo sogro, terminei Música mundana, de John Neschling).


Sempre tive grande admiração por este homem, embora nada entenda de música clássica. A cada vez que lia algo sobre ele, relacionava-o a pessoas que muito admiro e que pautam sua vida pela disciplina e seriedade nos seus projetos de vida. Uma admiração que vem da minha vontade - e incapacidade - de ter esta mesma disciplina. Não sei quantas vezes eu e minha amiga Mari planejamos assistir a um concerto na Sala São Paulo, mas o pouco contato com esse tipo de música sempre nos impediu. No fundo, achava que Neschling sempre estaria lá. Haveria tempo. Como a história nos mostrou, eu me enganei.

O livro, autobiografia concisa,  foi escrito após a sua saída tumultuada da Osesp. Subrepticiamente, não trata de outra coisa, mas o faz de modo verdadeiro e apaixonado, contando sua vida desde os primeiros momentos de interesse pela música. Os seus arroubos, as  suas histerias, a sua fama de mal,  devem ocupar apenas seu corpo. A sua escrita é de um erudito. Um homem elegante com a sua dor. E isso me instiga muito. Se ele errou na condução da Osesp, o fez porque toda a sua vida foi pautada pela obsessão da perfeição.  Talvez seus inimigos estejam certos, e a criatura, de tanto amar a sua criação, acabou por destrui-la.  O fato é que ele construiu uma orquesta do nada. E hoje, mesmo quem não tem intimidade com música clássica, sente enorme orgulho da existência da Osesp. Não se encontra muita gente que consiga realizar um  feito assim. Não à toa as pessoas obcecadas pela perfeição reclamam de enorme solidão. Para Neschling, não existe nada mais além da música. E assim ser, tem seu preço.
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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

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"Quem me dera que, ainda que inventadas, essas memórias fossem minhas".

In: Satolep, de Vitor Ramil.
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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

para o filho


Poeminha, a vida é um milagre. E às vezes esquecemos disto, você logo vai perceber. Porque a morte é o inverso da vida, agimos como se ela não existisse. Mas ela existe, filho. Os perigos são muitos. Por isso, ontem, eu, sua avó e seu pai demos uma choradinha depois de um pequeno tombo seu. Não foi quase nada, mas foi muito para nós. Não estamos preparados para que qualquer coisa de ruim aconteça com você. Nunca estaremos. E eu acho isto uma das coisas mais loucas de ser mãe. Não tem volta, filho. Eu sinto muito fortemente que, se você desaparecer antes de mim, nunca mais poderei ser feliz outra vez. E isso é muito amedrontador. As tantas perdas por que já passei me ensinaram que tudo pode ser superado. E que há perdas que nos trazem ganhos ainda melhores. Filho, pode-se perder um amor, aquele amor que juramos ser para sempre, que queremos que seja para sempre, e pouco tempo depois já estarmos prontos para um novo amor, uma nova história. Aconteceu assim comigo, e é por isso que você existe. Mas até mesmo pensar na possibilidade da perda de um filho é intolerável. Não há suporte. É como disse aquela atriz meio desmioladinha (no bom sentido), a Maria Paula, amor pelo filho é um amor com medo. Medo da perda. Porque o amor é demasiado grande. E assim como é intolerável pensar na perda, eu me vejo não querendo desaparecer - o que me era tão fácil. Faz dias que quero voar de monomotor com um amigo nosso... mas agora mil pensamentos me assaltam. E se algo acontecer? e se o avião cair? Mas não precisa ter medo, filho. Deixa que eu tenho. Sei que este medo vai se assentar aqui em mim. A vida é um milagre, entre outras coisas, porque vivemos como se nunca fôssemos morrer. E é assim que deve ser para que nos sobre apenas a alegria.
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