segunda-feira, 17 de outubro de 2016

das viagens





tenho escrito pouco, porque por hábito, antes de escrever, leio as notícias. e como diz a música de zeca baleiro, "o mundo tá muito doente".  e eu mesma vou adoecendo um pouco por toda parte quando leio essas notícias. a pá de cal foram as eleições municipais, que demonstraram largamente o quanto o exercício da cidadania ainda é um nebulosa. os retrocessos foram gigantescos, e as milhões de pessoas que deixaram de votar nas grandes cidades brasileiras foram apenas um dos tantos sinais de alarme de desistência pelos plenos direitos do cidadão, uma palavra tão usada, mas tão rarefeita nos dias sombrios de hoje. os ratos se elegeram por toda parte. o prefeito eleito de São Paulo é a síntese, de tão evidente, dos terríveis enganos dos brasileiros, que se repetem a cada quatro anos: pobres que elegem milionários que jamais foram e/ ou serão capazes de compreender e tratar a questão da pobreza no Brasil. é um fascínio perverso que parecia ter sido superado quando fomos capazes de eleger Lula --- que agora sofre o sério risco de ser preso, por meio de denúncias vazias, expostas em power point por um representante do Ministério Público representando uma cena muito ruim, como se fosse uma sessão da tarde, nas quais passam aqueles filmes tão antigos quanto toscos.

por isso, a mudez. onde encontrar a alegria quando não há esperanças coletivas? o jeito é construi-la nos espaços que nos circundam. abraçar projetos e parcerias. e olhar lá para longe. para o porvir, mas escavando a terra com os próprios pés do presente. por isso, agora, é preciso lutar com essa arma que nos cabe: as palavras. embora tantas vezes eu tenha me calado, diante do enorme cansaço. 

passei doze dias viajando em busca dessas palavras. de planos e parcerias. eu gosto de me recompor nas viagens. de estar em outros lugares para pensar o meu próprio lugar. quando volto, metade das decisões não se realizam pelo próprio caminhar dos dias que limitam os tantos anseios, mas a outra metade permanece em mim até muito depois das viagens. --- eu dei muita risada e abracei muita gente. gente que eu já conhecia desde há muito e gente que acabei de conhecer. gente que logo vou esquecer e outras que vou fazer questão de lembrar. conversei muito e bebi muito. e falei sobre literatura, sobre ensino e sobre cidadania. revisitei meu passado, tanto em texto como em lugares. e tudo isso me fez bem. e ouvi muito também. o trabalho da fala e da escuta como metodologia. será possível? é a aposta.

fui para Pontes e Lacerda e Vilhena --- para o Brasil profundo, como ouvi tantas vezes de Vanessa Faria, uma amiga que redescobri nesses dias. redescobri um outro tanto revisitando esse Brasil que é meu, que é minha história. porque me parece ser preciso manter o sentimento de redescoberta, esse querer, esse anseio. e essa vontade de abraçar --- pessoas, planos, gargalhadas, lágrimas, miudezas.

estou aqui num não-lugar em Hortolândia, no segundo hotel que a companhia aérea Azul me faz conhecer involuntariamente em menos de quinze dias. amanhã vou para casa. e levo comigo todos esses dias intensos. depois, eles vão se confundir com outros. e eu vou esquecer que caminhei com Madalena, Silvia e Rosana na beira das serras de Pontes e Lacerda e que ali me senti irmanada com elas; que reencontrei Hélvio - que lê este blog e diz gostar desde há muito - e conheci sua esposa Késia e terminei a noite apaixonada por ela, suas gargalhadas e suas longas histórias. lembrarei, provavelmente, porque de festa não se esquece, que ela nos ofereceu uma festa que durou até alta madrugada. e também que conheci Matheus, que me perguntou sobre Ricardo Lísias e eu tive que dizer a verdade, para além do texto que eu já havia escrito sobre ele. e vou esquecer, provavelmente, as noites, iguais a outras, em que tentei dizer que não quero ser idealizada, nem obsedada, nem sufocada, nem amada demais. que bonito mesmo é o equilíbrio e o que se engendra a partir daí.

talvez eu esqueça que a oficina de literatura que passei tempo demais gestando foi uma alegria e havia meninas e meninos lindos e que me apaixonei por todos naqueles dois dias. talvez não lembre dos detalhes da defesa de monografia de Anderson e do quanto estar ali era viver com ele mais um dos nossos tantos momentos bonitos. e que reencontrei Inildo, Dudu, Binho, Carlinha, Wany, Araci, Marisa, Malu e que foram todos muitos gentis comigo --- que foi delicado nosso reencontro e, por isso, os dias o foram também. talvez eu esqueça e misture os dias. e ainda assim, eles terão existido: Anderson, Gabriel, Mislene, Carlinha, Andrielly, Aline, Lilian, Sidney, Nilza, Sandra, Ana Carolina, Amanda, Walmira, Thomas. todos eles e mais os amigos de Tatupai que gostaria que fossem igualmente meus e, por isso, é bom estar com eles: Ana, Felipe, Dariano, Glauber. e ainda Sabrina e Andressa.  e outros que vi e conheci nesses dias e gostaria de não esquecer, mas que talvez esqueça, porque não tenho boa memória; Manuel, sem dúvida.  mas gostaria de ter. nessas horas, gostaria. não seria de todo mal lembrar daqui a uns dez anos que estive no XXI SELL e lá disse "Primeiramente, Fora Temer, porque nunca sai de moda o que se deve dizer sempre e para sempre". e falei de resistência e de coragem. vestida com um vestido preto que mais parecia uma saia verde::: a que causou espanto porque parecia mais curta  do que todas as saias que já havia usado. e deve ser verdade. porque agora dá para dar gargalhada e dizer que deve ser a crise dos 40, que é maravilhosa a liberdade de admitir alguma futilidade, se assim for nomeada. talvez eu não esqueça, ou esqueça, da "festa dos seis doutores" e que os fotografei na madrugada, quando o sono já vinha e eu já estava meio alcoolizada. 

sim, sim. crer nunca deveria sair de moda. 
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