sábado, 20 de setembro de 2014

dilma, dilma, dilma, n vezes dilma


vou dizer por que voto na Dilma. e acho que posso, sim, ser acusada de fechar os olhos para tantos problemas. e acho mesmo que eles estão aí aos borbotões. primeiro, se me perguntarem se Lula e Dilma sabiam sobre sobre as porcentagens tipo Petrobás, eu vou dizer que acho que sabiam. mas vou, com a mesma cara-de-pau, dizer que somente um idiota pode achar que já não acontecia isso desde sempre. e se me vierem com essa lenga lenga que o PT tinha a obrigação de ter acabado com isso, vou me sentir no direito de dizer que ou a pessoa é muito burra ou quer pagar demais de ingênua. não não não. o PT e nenhum partido político podem acabar com isso. não existe um poder. existem poderes. e qualquer pessoa minimamente inteligente sabe disso.

pois voto na Dilma, e no PT, porque fui criança e adolescente no Nordeste brasileiro, porque fiz graduação numa universidade do Norte do país e, hoje, trabalhando nesta mesma universidade, sou bem capaz de perceber todas as diferenças. e ninguém, no meu tempo, queria ser criança no Nordeste brasileiro (e lá vou eu fazer 40 anos), em que imperava de maneira afrontosa a indústria da seca. queria que todo mundo como eu tivesse comido meses e meses seguidos feijão preto e arroz escorrido, um tipo de comida que cachorro late ao redor do prato e não tem coragem de comer, doado pelos filhos-da-puta dos governos da época, em caminhões das misérias,e arrastado “roladeiras” imensas de água em areia fofa, por falta de água, com uma anemia do caralho por falta de comida, diagnosticada pelos médicos mais incompetentes que diziam que era morte na certa antes dos treze anos, e tivesse coragem de olhar no meu olho e dizer que não houve grandes mudanças neste cenário. ainda tem muita pobreza e injustiça no Nordeste, sem dúvida, mas a cada vez que vou lá e vejo as transformações, e lembro de como eu vivia e viviam minha família e meus amigos e hoje vivem, com muito mais "folga", como se diz por lá, vejo que o Brasil mudou. e mudou pra melhor.
    
e nas universidades? quero saber qual é o professor universitário que não sente e vive todas as mudanças. tem mesmo toda esta porra da exigência de produtividade que incomoda pra cacete, mas vou dizer que só incomoda a dois grupos: aos que já produziam sem todo este big brother da produção e aos que nunca fizeram nem vão fazer, por inércia e incompetência. os primeiros acham que não é preciso tanta regulamentação porque são incapazes de olhar além de seus umbigos e, por isso, pensam que todos são santos que produzem sem nenhum mecanismo de controle. no fundo, eles devem saber que é uma grande mentira e que estes últimos, na verdade, são boa parte do corpo acadêmico. também acho lindo Marilena Chauí com a sua coragem de bradar na USP contra o Lattes. mas quero que antes de assinarem embaixo ao que ela diz que deem uma olhada ao que lhe deu autoridade para poder dizer/ fazer isso. quem tiver olhos pra ver, verá só uma coisa: muito trabalho; isto é,  muita produção. vá ver se Marilena Chauí está do lado desta gente toda inerte e burra que tem por aí aos montes "mamando" nas tetas das Universidades!   

o que era a universidade antes do governo petista, neste momento de histeria, ninguém quer lembrar. é mais cômodo meter o dedo nas feridas que sei são muitas. mas querem mudar para onde? depois não me venham reclamar, pois não vou querer nem saber. ando tão desiludida que estou doida para me refestelar na minha biblioteca de três mil livros que consegui comprar no governo Lula-Dilma. e quando não tiver mais nenhum projeto pra “concorrer”, nenhuma greve para aumento de salário, nenhum edital para organizar evento, nenhum programa para participar, não me venham lembrar como era boa a dinheirama toda que o governo Dilma esparramava pelas universidades e que, na maioria das vezes, era tão mal aproveitada.

quero que alguém me aponte quando foi que se viveu melhor no Brasil, da classe mais baixa à classe mais alta. se tiver alguém, sem o cinismo rede global, que me prove isso, posso até mudar de ideia. e não. não serão os manifestantes classe-média-boba dos arredores da avenida paulista que me convencerão, porque eu já vivi por ali e amo de paixão, e por isso sei como é bem melhor e sei como é fácil achar que a partir dali dá pra mudar o Brasil todo (dá não, seus bobinhos). vem viver aqui na mata pra ver o que é comprar pelo triplo do preço qualquer merdinha que se compra na 25 de março pra ver o que é bom pra tosse, como diria o lindo Itamar Assumpção. 

é por essas e outras que vou continuar fazendo vistas grossas aos 3% de qualquer falcatrua. Antes 3% do que 100%. e podem dizer o que for. que sou alienada. que sou cega ao que está aí. que que que. quem passou fome fui eu. o corpo é meu. e quem sentiu a dor que é fui eu. que me deem então o direito de olhar de revés para esta classe média metidinha a besta que acha que tem consciência na hora de votar. que acha que Lula-Dilma só distribuíram vale-pobreza. pois digo que não. Lula-Dilma distribuíram oportunidades. e eu sou uma das muitas provas vivas. e se a classe baixa anda esquecendo isto é porque é de nós querermos sempre mais - este logro mumificado. e falo mal desta classezinha média mequetrefe porque, amém, estou meio inserida nela. e por conta do milagre dos milagres chamado Lula-Dilma, junto comigo, parte de minha família - aquela mesma que comia meses e meses feijão preto aguado e arroz escorrido sem tempero algum algum -. hoje, meu filho, com quatro anos, diz pra mim que só quer dormir no ar-condicionado,  crescendo na bonança desta classe infame.  e também meu afilhado lindo, calouro em mecatrônica (!) da Unicamp, em plena avenida paulista, tem coragem de dizer na minha cara que a educação no Brasil é uma das piores do mundo e que nada tem sido feito para mudar; ele, logo ele, que tem a mãe que como eu arrastou muita roladeira de água e passou muita humilhação para só raspar perto do seu sonho de ser médica, enfermeira que é.  cabe a nós, então, que carregamos as tais roladeiras, e que vamos continuar votando em Lula-Dilma-PT, ouvir tanta merda.  
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então, digo e repito: Dilma Dilma Dilma. e se ela perder, vou ler meus três mil livros, olhando só de rabo de olho a desgraça que será - esperem. 
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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

começos



poderia começar de modo tão seco quanto Silverstein: os dias não têm sido felizes, e por isso escrevo. 
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posso também começar de outro jeito. apesar de os dias estarem muito quentes, continuo a andar de bicicleta. e andando de bicicleta, lembro continuamente de Marie, minha amiga ruiva. ainda mais do que antes e, volta e meia, um sorriso largo se expande em meu rosto. em Paris, andando para lá e para cá com ela, cada uma numa bicicleta (sim, ela não me deixou andar sozinha nenhuma vez!), descobri um tanto de coisa: não sabia andar de bicicleta apenas com uma das mãos, tinha medo de olhar para trás, não sabia sinalizar com as mãos e tenho muito receio do trânsito. excetuando o último, tenho aprendido os três outros movimentos ao relembrar de Paris e de minha amiga Marie, que é senhora das ruas em Paris. esse atrito com o outro, e um outro que se ama, é tão cheio de aprendizados. é como uma música que ressoa no nosso ouvido e não quer despregar. Marie é esta música em mim. e a bicicleta virou o lugar onde me encontro com ela em pensamento. e procuro aprender a me equilibrar. 
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e ainda de outro. gastei uma enormidade de dinheiro com livros na Gibert Joseph em Paris. Marie olhava admirada aquela pilha. como eu olhei, admirando, aquela bolsa Diesel tão a minha cara e constatei que jamais poderia comprá-la para logo em seguida gastar o mesmo valor em livros. acho que Marie olhava tentando entender minha relação com Derrida. porque os livros eram quase todos de Derrida. eu tinha muitos planos com estes livros - ainda tenho. e há um mês, talvez em busca de dias felizes, pus um deles em prática. e me danei a ler estes volumes de livros. e de novo relembrei o choque feliz que é o encontro com o não-saber. me veio uma espécie de pavor terno. o que pode ser um pavor terno. pode ser essa admiração contemplativa com a própria ignorância. e com os limites do tempo. não sei se o terei. o tempo. mas no meio deste pavor terno me veio a certeza de que preciso tentar. o tempo. para mim. para o outro. para este encontro carnal com o outro. para este encontro à flor da pele que pode ser a leitura, pode ser a escrita, pode ser uma noite de amor, pode ser um aprender a pintar junto com o filho. e pode ser também para a infinidade de tarefas do cotidiano. pode. 
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e outro modo. escrever sobre o que não se sabe exige muita sinceridade. sinceridade com o não-saber. mas também com o saber a vir. exige uma comunhão que raramente é fácil. mas que pode ser bem bonita. eu acho bonita. assim como acho bonito aprender a sinalizar com as mãos nas ruas desta cidade em que não se necessita disso. se o aceno é um sinal de querer aprender o que antes não se sabia é bem bonito. tive que por ora abandonar este texto de quinze páginas que escrevi nas noites insones enquanto meu braço ficava pendurado de dor, porque o não-saber me consumiu demais. fiquei tão pequena que foi preciso parar. mas apenas por enquanto. mais livros chegaram pelo correio. tenho muitos planos com eles. e com o tempo. e com os sinais. estão todos aí - e é só preciso aprender a mover o corpo, precipitar-me um pouco para trás e confiar que não olhar para a frente por um instante não tem nada demais.  
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e ainda, talvez por fim. a iminência da perda é sempre um transtorno infinito. não existe nenhuma dor que possa transplantar esta dor. a perda dói mais que a iminência, é certo. porém depois da perda é sempre a chance do recomeço. e talvez seja por isso que a iminência seja tão mais transtornadora. mas de novo, ou quando escrevo ou quando ando de bicicleta, penso em oração. nenhuma oração reconhecível; apenas a doce música do atrito com o outro. então eu lembro daqueles dias tão antigos. das risadas. do único ser com enorme prazer de passear de carro sem destino algum - e apenas a música, sempre a música. e me vem a certeza de que ele vai lutar com toda sua alma de gigante para continuar aqui na terra. e a perda, que poderia ser dupla, abre um clarão. e se retrai. 
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porque tudo são inscrições corporais. deixar-me envolver pelo que sei e ainda não sei e talvez nunca vá saber é o modo mais honesto que encontrei. porque a clausura do que não se tentou é sempre a pior demência. a que me recuso a ter.
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 poderia, ainda, terminar assim: os dias têm sido felizes, e por isso escrevo. 
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domingo, 7 de setembro de 2014

a parte que falta


Poeminha já nasceu com sua minibiblioteca. este sentimento de "posse" já produziu muitos gestos bonitos. um dia, quando era ainda bem pequeno, num gesto espontâneo de mostrar o quarto dele ao nosso amigo Iremar, disparou: "aqui é meu quarto; e estes são meus brinquedos,  e aqui são meus livros. olhe: meus livros". em outro momento, já soltou, com ar de reprovação: "mamãe, por que o meu livro está aqui na sua biblioteca? tem que ficar no meu quarto!". e saiu batendo o pé com o livro embaixo do braço.  e volta e meia diz: "mamãe, meu sono precisa de uma história". já é um leitor, sem ainda saber ler. 

e ontem à noite, como sua leitora, tive mais uma vez o intenso prazer de poder observá-lo enquanto se apaixonava por um livro. trata-se de A parte que falta, de Shel Silverstein. no curso de formação que ministro para orientadores de professores da alfabetização, sempre insisto no fato de que nunca, de fato, sabemos o que vai disparar na criança o amor por um livro. porém, a busca por livros de qualidade deve ser do adulto. vejo muitas mães comprando livros de péssima qualidade somente porque são de capas duras e coloridos. e seria uma conversa muito longa se fosse falar aqui de parte dos livros de ficção distribuídos nas escolas. por isso, insisto que a pesquisa - de uma mãe, de um professor - deve ser também movida pela curiosidade e pelo amor aos livros. o que não impedem os equívocos, claro. já errei bastante. houve livros que eu achei que iriam "abafar" e o interesse não passou da primeira leitura.

e quando sei que acertei em cheio na escolha? primeiro, o olho brilha. não há imagem mais chavão, eu sei. mas quem já não viu um brilho no olho? que se segue a um movimento de corpo, a uma atenção redobrada, a um sorriso de espanto? e no nosso caso, a um aconchego ainda maior - pois quando Poeminha quer chegar mais perto ainda do livro, chega mais perto de mim. ontem, foi um pouco diferente. ele agarrou o livro. folheou antes mesmo que eu terminasse de ler. olhou olhou. e me mandou continuar a ler. e enquanto eu lia, disparava uma porção de perguntas. uma mais difícil que a outra.

"Por que ele está procurando?
"Por que ele deixou a parte sozinha?
"Por que ele segurou tão forte?
"Porque continuou procurando se já tinha achado? 
"Por que não deu certo?"
"Por que? Por que?"

foi preciso ouvir o Poeminha disparar estas perguntas uma atrás da outra para entender o "indireto" barthesiano. e toda aquela conversa de que a grande literatura é a que suscita mais perguntas do que respostas. 
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A parte que falta é mesmo um livro espantoso. com seu traçado simples, suas frases curtas, num domínio absoluto da folha em branco, Silverstein trata de questões tão complexas quanto a solidão, a busca por um outro, o abandono, as escolhas e suas consequências. o início é já uma bordoada: "Faltava-lhe uma parte. E ele não era feliz". esse modo seco de dizer, sem nenhuma modulação para o "faz-de-conta", não diminui em nada a delicadeza e a força do que é dito e mostrado. também fiquei maravilhada. assim, grávida de perguntas também. soube não o que dizer ao Poeminha. lembro que disse que a vida às vezes é assim. e que mesmo assim é bem bonita. ou por isso, é bem bonita. e agarrei-o bem forte para que ele se convencesse.  E, por fim, ele disse: "mamãe, gostei demais"". 

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da próxima vez que algum adulto me disser que não lê certos livros para uma criança, ou não diz certas coisas espinhosas, ou eu vou xingar, como algumas vezes dá vontade, ou vou mandá-lo ler este livro para uma criança.