sábado, 27 de setembro de 2008

Uma história do CIPA – o congresso

Eu não gosto de congressos. Reclamo. Resmungo que não servem para nada, a não ser para colocarmos no currículo, ainda mais para mim que fala sofridamente de assuntos que aparentemente ninguém sabe do que se trata. E em sessões de comunicação, que são aquelas salas com dois ou três gatos pingados que estão ali porque também apresentarão algo que normalmente nada tem a ver com os outros trabalhos e sobre o qual ninguém quer ouvir, e por aí vai. Porém, quero registrar que este foi diferente.

Ao contrário do que pensei, a maioria dos conferencistas eram belgas, e não franceses. E compreendi muito bem o francês. E eu falei sobre a “concepção” de autobiografia em Derrida em uma destas tais salas de comunicação, mas, milagre dos milagres, havia umas 20 pessoas e, entre elas, alguém que sabia do que eu estava falando. Dizendo porcamente, eu joguei pedra nos bons samaritanos que crêem que autobiografia serve para reconstituir ou resgatar a vida dos seres que “vivem à margem”; o que quer dizer que, se eu fosse famosa e conferencista, estaria apedrejando meio mundo no congresso. Eu detesto todo e qualquer discurso salvacionista. Não sei se ingênuos ou perversos, esses discursos que se servem de histórias de vidas servem muito mais a um arquivamento de vida de pessoas do que de reorientação, reinterpretação e reinvenção destas vidas. E quem pode medir o que pode ser feito com estes arquivos? Quanta barbárie já não se produziu a partir destes arquivos? Ninguém parece preocupado com isto. Todos espalham idéias do tipo: vamos fichar os negros, os marginais, os suburbanos; e eu quase escuto: como os judeus, coloquemos uma estrela amarela nos seus braços, confisquemos os seus bens para que os administremos, nós, que somos quem pensamos, porque assim eles serão notados, dissecados, e em seguida? é o que me pergunto: perseguidos? colocados em gueto? é por aí, não é? Mas todos querem ser o salvador, todos querem fichar os índios, os mamelucos, as putas, as bichas, as criancinhas carentes, ... pois eu espero que todos os "bem-intencionados", os "politicamente corretos", os "messias", queimem no fogo do inferno, isto sim, antes que liguem o gás do crematório onde estariam ordenados todos os marginalizados, porque sabemos muito bem do que o inferno está cheio... ao menos no nosso imaginário. Aff!

Então! O moço que me ouvia jogava pedras como eu, mas por intermédio do documentário Santiago, do João Salles. E foi o bate-bola mais bacana de todas as minhas histórias de congresso, senão o único até hoje. Foi até hilário. Ele me interrompia. Eu o interrompia. E foi ótimo. Eu o pediria em casamento se tivesse demorado um pouco mais, porque um homem que entende de Deleuze, Foucault e Derrida e diz tudo aquilo sobre um documentário que eu amo e sobre meu próprio trabalho só pode ser merecedor que eu lave suas roupas pelo resto da vida. Yeah!

Hormônios à parte (cof, cof!), o que quero dizer é que se os congressos fossem montados para que houvesse realmente a discussão, a participação de todos, a política do CNPq que exige que professores e alunos participem de congressos e publiquem poderia realmente ser eficaz. Porém, na maior parte das vezes, o que ocorre é apenas um cumprimento de obrigações. Nas conferências deste congresso, por exemplo, não houve o momento das perguntas do público. Enfim, ainda falta muito para que seminários, semanas e/ou congressos cumpram realmente sua função de serem lugares de debates e circulação de saberes. Mas eu continuarei participando. Quem sabe um dia eu chegue às conferências, não é? Se bem que encontrar um moço deste em cada congresso que eu for já me deixaria muito satisfeita. E isto nada tem a ver com hormônio, tem a ver com diálogo, com a necessidade de ouvir a voz do outro e ser ouvida também.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Edson, Vera e Milena

eles gostam de mar. mas foram ver o mar porque eu estava lá. palavra deles: quando perguntavam o que tinham ido fazer em Natal, eles diziam displicentemente: “fomos buscá-la” e apontavam para mim. pois foi. perderam-se até me encontrarem. nós nos perdemos muito; sem guia, sem frescuras, sem afobamentos. porque eles baguçaram todos os meus planos. eu queria servi-los do bom e do melhor: hotel bacana, restaurantes da hora, passeios maneiros. mas eles não queriam ser servidos. eles queriam apenas estar comigo. e com isso aprendi um monte. fizemos as contas de quando nos conhecemos. 23 anos que eu e ela. 20 que eu e ele. eu queria ter palavras para destrinchar todos estes anos. é assim: um dois três anos sem nos vermos... o tempo desgasta, não é esta a lei? pois esta lei não nos serve. eu e ela sempre continuamos a conversa do dia anterior, mesmo que este dia anterior tenha sido há anos. se tenho que nomear o que é isto, eu nomeio de cumplicidade, de amor, de confiança, de inteireza, de alma gêmea. eu amo sua risada rápida, o modo que é só dela de dizer “nã, Milena”. quando contei, ela tirou sarro de mim dizendo que vai gravar a risada e me enviar. e ela é bem capaz disto. porque ela ri das frescuras que involuntariamente acrescentei desde que nos separamos, mas também sabe ver que continuo a mesma, que nem distância, nem tempo, nem nada podem tirar de nós o que criamos com todo este bem-querer que temos uma pela outra. e ela sabe o exato dia que parti. nem eu sabia! nem minha mãe sabia! 18 de janeiro de 1991. pois foi. dando razão ao Ed, guardei para mim como uma declaração – e de amor.

foi assim que andamos os três por Natal. passeios maneiros sem guias. jantar em beira de estrada, acolhida deliciosa na casa da amiga deles. cerveja e queijo coalho na cozinha até tarde da noite. muita muita conversa. 9 horas de carro entre Natal e Iracema. muita muita conversa mesmo. quer dizer, na viagem Verinha dormitava, mas tenho cá pra mim que ela ouviu toda a conversa. e minha afilhadinha? linda como eles dois. é mole ter dois amigos destes e ela ainda dizer que esta lindeza de menina tinha sido feita, entre outras coisas, para eu ser a madrinha? não tem coração que agüente. eu gravei umas partes da nossa ultima noite. uma doidice. proibido para quem não compareceu. mas posso adiantar que passei todo o dia com uma ressaca dos diabos. e feliz sem fim de fazer parte da história destes dois.
e de ser parte desta mulher para sempre menina que me ensinou a sorrir.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

é o que me interessa, de Lenine

muitas músicas têm me composto nestes tempos. E de Labiata eu transcreveria várias. Mas esta é tão perfeita. é tão lenine. é tão milena. o replay não para de funcionar. me tocando bem fundo, lá no fundo, bem fundo, borboleta no deserto. chama-se "é o que me interessa".

daqui desse momento
do meu olhar pra fora
o mundo é só miragem
a sombra do futuro
a sobra do passado
assombram a paisagem
quem vai virar o jogo
e transformar a perda

em nossa recompensa
quando eu olhar pro lado
eu quero estar cercado
só de quem me interessa
às vezes é um instante
a tarde faz silêncio
o vento sopra a meu favor
às vezes eu pressinto
e é como uma saudade
de um tempo que ainda não passou
me traz o seu sossego
atrasa o meu relógio
acalma a minha pressa
me dá sua palavra
sussurra em meu ouvido
só o que me interessa

a lógica do vento
o caos do pensamento
a paz na solidão
a órbita do tempo
a pausa do retrato
a voz da intuição
a curva do universo
a fórmula do acaso
o alcance da promessa
o salto do desejo
o agora e o infinito
só o que me interessa

isso do tempo. de ser só o que interessa - sou eu susssurrando no meu ouvido. sou eu dando minha palavra. sou eu trazendo o meu sossego. sou eu atrasando o meu relógio. sou eu acalmando minha pressa.

eu tenho muito medo destes músicos. eu tenho medo dos poetas. dos escritores. tenho um medo danado de quem transforma em palavras. tenho medo. mas tenho também amor.

...

Putz!
é maravilhoso o Labiata, de Lenine!
E eu ali, borboleta sobre aquela flor, a mão tremendo...
Putz!
a vida...
muito boa.

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domingo, 21 de setembro de 2008

a cidade invisível

trazemos as nossas cidades não apenas em nossa memória. elas acabam sendo parte do nosso corpo. é o que acho. trago algumas cidades dentro de mim. coladas em mim a ponto de se confundirem comigo. iracema paris são paulo natal. em natal passei uma das noites mais tristes da minha vida. só mais duas me tatuaram daquela maneira. e para um ser notívago como eu, isso não me parece pouco. a única noite em que eu senti vontade de morrer. e a real certeza de que bastariam uns passos mar adentro para que o desejo estivesse em minha mão. foi uma das minhas sensações mais doloridas. nunca, em nenhum outro momento, senti-me tão próxima do outro lado. mas eu não dei o passo mar adentro. nem mesmo tive coragem de me banhar de escuridão. acabei passando boa parte da noite no alto de uma duna. e esta duna não existe mais. andando pela beira mar de ponta negra eu vi que a minha natal era agora uma cidade invisível. senti um desamparo medonho. aquela ponta de mar era realmente linda. uma área urbana quase deserta, com dunas, morros, vegetações, pouquíssimas casas e bares. agora, é uma orla urbana como qualquer outra. fortaleza, recife, joão pessoa; todas carregam um ar decadente de placas indicando "impróprio para banho", além do cheiro de mijo, bares suspeitos e um ar de promiscuidade que nada tem a ver com a leveza dos surfistas e dos malucos misturando cheiros de erva com cheiros de mar. nada contra o desenvolvimento, as mudanças, mas tudo contra uma politicagem filha da puta que deixa vencer a especulação imobiliária e leis suspeitíssimas de incentivo ao turismo que metem um calçadão que vira mercado livre a céu aberto a dois passos do mar. talvez só um mar de revolta para tragar tanta sujeirada. senti como se um pedaço de meu corpo estivesse entregue aos abutres. mais calma, depois de muito contemplar o que não existe mais, guardei nas minhas vísceras a minha cidade invisível. trouxe até a mim tudo. e deixei muita gente passar por mim no fim de tarde. o que não pude abandonar foi a tristeza de imaginar que as pessoas que passavam não viam o que eu já tinha visto. não andavam por onde eu já tinha andado. alguém pode querer descer mar adentro, mas nunca mais naquela duna, naquele trecho, naquele ponta. talvez seja saudosismo, mas mil vezes aquela duna que agora habita só em mim do que a esterilidade dos arranha-céus a manchar a paisagem da única noite em que quis morrer. e para um ser notívago como eu, isso não é pouco. não é pouco todas as vísceras com desejo de mar.

domingo, 14 de setembro de 2008

Em Natal

Natal, para mim, é uma cidade mítica. Há mais de dez anos vivi aqui como 'hippie" durante três meses. Vejam o que esta que vos escreve já fez por amor! Naquele tempo, na praia de Ponta Negra, havia um camping, e foi lá que instalamos a barraca, todos os dias acordando com o mar bem à frente. Dizem que hoje, no lugar, há hotéis luxuosos. Vou conferir daqui a pouco. Naquele tempo ainda se podia descer o Morro do Careca em pranchas fabricadas artesanalmente pelos moradores. E Herbert Vianna, dos Paralamas, ainda cantava Óculos, o hit de todas as míopes como eu, em pé. Pude conferir. Eu também estava na van que os levou para o hotel. O contratado para levá-los morava no camping e eu fui de carona... Histórias de Natal! Na praia, havia festas maneiríssimas que rolavam a noite toda, então a escolha era ir ou ir, porque não dava para ficar na barraca sem escutar o barulho das ondas e das vozes. Naquele tempo, era tudo tão bonito, tão terno e, ao mesmo tempo, tão violento, tão extremado, como toda história de amor. Eu passava os dias vendendo artesanato nas praias. Com um corpinho de 20 anos bronzeado naturalmente pelos dias exposto ao sol e um sorriso sempre a postos, eu costumava vender o dobro do 'verdadeiro' hippie. E ele ficava puto comigo e/ou com os turistas bobos, geralmente estrangeiros, que compravam umas pulseirinhas pelo dobro ou triplo do que valiam apenas para ficarem me xavecando. Ao menos, era o que ele pensava. E, às vezes, o que realmente rolava. Mas era assim que sobrevivíamos sem um tostão no bolso. Dava para pagarmos o camping, comer cachorro-quente no almoço e no jantar e ele tomar suas biritas, porque naquela época eu bebia muito pouco. Alguém precisava de lucidez, era o que eu pensava - bestamente. Eu também sabia fazer pulseiras e alguns colares, mas o artista mesmo era o Juba. Tanto que ele continua. Eu era uma hippie de óculos, de férias, geralmente com algum livro na mão. No fim da farra, eu voltei para o curso de Letras. Se não tivesse voltado, provavelmente não estaria aqui hoje. Vim para um congresso sobre autobiografia - o III CIPA. Amanhã falarei sobre a autobiografia em Derrida. Chupeta no mel, afinal é minha tese de doutorado. E o congresso está cheio de franceses. Hoje à noite vou conferir se ainda consigo ao menos ouvir em francês. E amanhã, minha amiga de infância chega. Engraçado isto da escrita. Parece normal dizer: "estou aqui em Natal e minha amiga, que mora na cidade dos meus pais, no Ceará, está vindo me encontrar". Ficaremos aqui por uns dias e depois iremos de carro para Iracema, onde encontrarei meus pais, minha afilhadinha, que é a filha da minha amiga... Putz, mas quero dizer que isto não é 'normal'. Pelo contrário, é uma puta emoção estar aqui em Natal com tantas lembranças, esperando minha amiga e também seu marido, que é também um amigo de infância. Pensei em algo agora: sempre acho que mudei muito desde aquele tempo, mas talvez eu ainda tenha muito daquela garota de 20 anos que ficou aqui três meses dormindo em uma barraca e comendo cachorro-quente todos os dias. A diferença é que agora eu caio no mundo com uma certa 'oficialidade' e posso pagar um hotel com água quente, embora já esteja arrependida de não ter trazido minha barraca. De fato, o 'oficial' procura meus afetos, que são muitos. Cumpro as regras de uma professora que acha importante participar de congressos, pesquisar, 'cuidar do currículo', mas o que tem sido mais importante para a minha vida é cuidar dos meus afetos, encontrar meus amigos, falar com minha família. Como Manoel de Barros, eu fiz doutorado em formigas. E tenho andado muito lentamente para cuidar bem destas formigas através da linguagem do amor.

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Então tá: "Milena com espírito de 20 anos deixará o vento bagunçar seus cabelos pelos próximos 10 dias". Beijo aos meus dois ou três leitores ocasionais que passar por aqui.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

A casa (ou um momento mulherzinha)

Ok. Faz quase dois anos que decidi cuidar da casa. E já comprei “a dedo” muita coisa. Carinho especial pelos móveis baixos e coloridos. Por último, comprei uma cadeira de couro, uma cama japonesa, uma geladeira de onde sai água pela torneirinha sem eu precisar abri-la e uma mesa de estudo suficientemente grande para minha bagunça. Tudo o olho da cara, se os transformo em CDs e livros que eu TERIA se não fosse esta decisão tonta de cuidar da casa quando ainda nem tenho casa. Ok. Porém, o problema é o que falta. No apartamento de São Paulo, o guarda-roupa era embutido, portanto, devido à mudança, não tenho um guarda-roupa. E não consigo encontrar minhas roupas no meio destas malas espalhadas pelo quarto que deveria ser de hóspede, mas que até agora só recebeu roupas e sapatos e trecos. 15 minutos para encontrar um sutiã que resolve desaparecer atrás de uma mala. E não agüento mais lavar roupa na mão, como fazia minha mãe e como ainda faço mesmo quando tenho uma máquina de lavar. E o fogão é emprestado. E há tantos livros espalhados pelo chão que definitivamente não suporto mais, nervos em frangalhos como toda mulherzinha. Não compro mais um livro até ter outra estante, é a decisão do dia. Cadê a estante que eu encomendei há um mês, caramba? O marceneiro sumiu. E eu nem sei seu nome, nem seu telefone, muito menos o nome da sua marcenaria. Sim, sim, neurótica, organizadinha, tudo no lugar, cama arrumada todos os dias, nenhuma poeira, s’il vous plaît, porque sou alérgica. Ok. A pergunta que não quer calar no meio desta bagunça é onde encontro dinheiro? Porque não dá mais para comprar a perder de vista. Não dá. Simplesmente não dá. Vou viajar. E entre viajar e devolver o fogão do meu amigo e pôr a roupa na máquina e encontrar o sutiã, eu prefiro cair no mundo. E aquele dentista, além de me deixar parecendo o Coringa por uma semana, levou a última chance que eu tinha de viver f-o-l-g-a-d-a-m-e-n-t-e nos próximos meses. Seis meses pagando uma fortuna por um rasgo na boca. Ok. Precisava. Não do rasgo, mas do tratamento. O problema é que continuo sem guarda-roupa, sem estante, sem máquina de lavar e quase sem fogão. Por que não tenho um salário um pouco maior? Ou ao menos por que a burocracia emperra meu salário de doutora? Por que eu tenho que escolher entre um guarda-roupa e uma viagem para casa? Foda! Ok. Daqui a uma semana, vou falar sobre Derrida em um congresso e claro que aproveitarei para ver o mar, minha amiga de infância, meus sobrinhos, minhas irmãs, meus pais. Nem acredito. Daqui a uma semana. E nada disso terá importância, nem guarda-roupa, nem estante, nem nada. Até eu voltar. Pois é! O problema é que vou voltar.
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E ia esquecendo: também não tenho espelho no banheiro. E em nenhum outro lugar da casa. Passo batom olhando em um 3x4. Realmente, a mulherzinha em mim anda precisando ser acalmada.

A boa maré de Adriana Calcanhoto

Que Adriana era líquida, todos que a amam desconfiavam. Agora ficou claro, não porque seu novo cd se chama Maré ou porque ela está vestida de água desde a capa e, nas imagens seguintes, os pés, o corpo, tudo está mergulhado em azul. Adriana é líquida no seu canto que flui cada vez mais límpido, na sua insistência de que a voz e poucos acompanhamentos bastam para fazer soar a emoção. Ela está cada vez mais minimalista, cada vez mais de poucas palavras, de poucas melodias e, no entanto, precisas e poéticas. Poetas não lhe faltam. Vai ver é por isso que este seu cd me lembra tanto A fábrica do poema, cd dela de que mais gosto. Claro que a água que corre também tem a ver com Marítimo. Mas estão na Fábrica waly salomão, arnaldo antunes antonio cícero, augusto de campos. E também estão em Maré. Todas as músicas me tocam de alguma forma, menos “Porto Alegre”. Para mim, falta ali a gentileza que há em todo o resto.

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Lá pela quinta ligação perguntando se aqui era a Funerária Dom Bosco, uma senhora pacientemente gentil me explica que meu número de telefone consta na lista como da tal funerária. E isto depois de esperá-lo pacientemente por dois meses.
:(
:(

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

...

Para assistir às olimpíadas, resolvi pôr Sky.
Cumprindo a lei de Vilhena “15 dias, duzentos reais”, evidentemente não chegou a tempo.
Mas chegou.
E logo no primeiro dia descobri que uma cinéfila não pode ter Sky, sob pena de nunca mais trabalhar.
E levar todo o tempo a jiboiar diante da TV comendo pipoca, tomando sorvete, bebendo coca-cola e... virando um bucho.

Cruzes!

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

em porto do velho

amanheci aqui depois de dez horas dormitando, ouvindo música e lendo o fofo do bernardo carvalho. amanheci aqui - a trabalho. mas como eu sou sortuda, em porto tenho minha maneca, tenho minha sobrinha, tenho meus amigos. em porto estou em casa. daqui a pouco meu amigo binho vai me pegar para participarmos de uma reunião - e até uma reunião de trabalho com ele por perto não pode ser ruim. depois sei que vamos embarcar por histórias de livros e música. e aí já estarei fisgada pela contemplação. em porto a noite é sempre pouca, o carinho é sempre vasto, os encontros são sempre mágicos - e acontecem a toda hora. o bar do rui está sempre à espera. e lá posso ficar até muito tempo depois de fechar. lá sou amiga do rei. então vou lamber minhas crias um fim de semana inteirinho. dar muitos beijos na sobrinha. ouvir muitas histórias da maneca. pressinto que vou ficar meio zonza, que vou atrapalhar minha cura no pescoço só pelo prazer de me embriagar um pouco. ou talvez não. por aqui me bastam as pessoas para que eu sinta uma espécie de embriaguez. o duro é que um amigo me prometeu um vinho regado a filmes antigos. não devo resistir. em porto não se resiste a nada.
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terça-feira, 2 de setembro de 2008

Adolescente procura namorado

Estou como uma adolescente à procura de namorado, mas, no meu caso, estou atrás de um sujeito, de um assunto, para eu começar a rascunhar meu projeto de pós-doutorado. Como disse, chegou uma dezena de livros aqui, como se os que já se espalham por toda parte não fossem suficientes. O problema é que, depois de mestrado e doutorado em teoria da literatura, decidi que o pós-doc seria em literatura brasileira contemporânea. Até aí uma decisão muito sensata, porque supostamente me abre portas (aquela velha história de colocarem a quilômetros de distância a teoria e a ficção). Sensata se minha ignorância sobre estes dois qualificativos não fosse flagrante. Brasileira, porque cai sobre mim o imperativo de conhecê-la, afinal é minha profissão (não à toa estou no quinto livro de Machado por estes dias e percebendo que todos lêem o "grande" teórico tupiniquim Antonio Candido, menos eu, eu esteja me esforçando para nas noites insones ele me atrair). E contemporânea porque não suporto a idéia de me debruçar sobre escritores pra lá de revirados em estudos competentíssimos ou não tão competentes assim. O que é uma bobagem, porque sempre se tem algo a dizer, alguma linha a ser assumida e defendida.

Nos dias que penso assim, olho para a prateleira e sinto vontade de descer todos os livros do Graciliano Ramos e me embrenhar por eles, afinal ele é minha grande paixão na literatura brasileira. É verdade que cada vez que esbarro em Clarice, Lúcio Cardoso, Murilo Rubião, Raduan Nassar, Caio Fernando Abreu, Ana Cristina César, Leminski, Manoel de Barros ou Hilda Hilst eu tenho imensidões de gozo, porém não me vejo fazendo um trabalho sobre nenhum deles. Os poetas por uma razão óbvia: não sei escrever sobre poesia. E ainda bem que tenho a sensatez de saber disso, porque ouvi uma vez de um professor que a maioria das pessoas que se mete a escrever sobre poesia não é capaz de reconhecer uma figura, quanto mais as milhares de figuras que qualquer grande poeta espalha. Nos prosadores, às vezes também penso em Lúcio Cardoso, quando me vem aquele cheiro de violetas podres de Crônica da casa assassinada. Eu seria feliz escarafuchando toda aquela loucura e toda aquela carne apodrecida. E por que não faço? Porque eu não suporto... vocês já sabem.

O grande problema nas minhas decisões é que elas são sempre meio suicidas. Como aquela em que decidi fazer o doutorado sobre Derrida quando eu não entendia uma única linha do que lia nos seus livros. Tudo bem que aparentemente tudo correu muito bem, com direito a momento barata e borboleta no fim das contas. Porém, agora que estou como uma adolescente atrás de namorado, eu percebo o que qualquer garota nesta idade percebe: o que eu vejo até me agrada nos primeiros momentos, até vira paixão instantânea, mas logo vira enfado, bocejo. Eu quero estudar alguém vivo, mas minhas obsessões literárias estão todas mortas há mais de décadas.

O que fazer então se minha decisão cai sobre mim como um imperativo? Com o auxilio de meu amigo supersabido Marcio, fiz uma lista de livros, comprei-os e comecei a vencer a minha ignorância. Agora leio Bernardo Carvalho e Cristovão Tezza – e já cheguei a algumas conclusões: apesar de Bernardo ser um fofo, sua literatura é muito cerebral. Nenhuma porrada realmente certeira no meu fragilizado estômago bebedor de coca-cola e cerveja. E como toda mulher que gosta de um cafajeste, Cristovão Tezza me atrai. Sua ironia afiada, seus golpes certeiros na nossa suposta arrogância de superpotências me fazem rir e pensar um bocado. Enviei um resumo para um congresso em que falarei sobre O filho eterno, seu último livro. Tezza então tem sido a paquera mais promissora até agora, mas, tenho que admitir, paquero já com certo muxoxo, antevendo o bocejo.

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Alguém poderia me dizer se existe um similar de Beckett, de Artaud, de Kafka nestas terras brasileiras que não seja o Graciliano nem o Lúcio Cardoso e que não esteja morto há décadas e seja um pouco relevante para a academia a ponto de ela aceitar meu projeto de pos-doc? Ou será que há alguém que poderia me convencer que ir ali plantar milhos como fez Raduan Nassar me deixaria bem feliz ao invés de achar que só serei feliz se continuar a vida toda estudando, de preferência em uma universidade que não seja rodeada pela floresta como esta que agora me encontro? Se tiver alguém capaz de me convencer disto, eu agradeço. E meu estômago também. Porque vou confessar: oh coisa cansativa é adolescente procurando namorado!