domingo, 22 de novembro de 2015

já é




hoje senti uma alegria infinda ao ouvir o novo disco do Arnaldo Antunes. passei o dia sentindo o coração leve, como se um tanto das músicas tivessem sido feitas para mim. isto::: é tão bom quando acontece. isto que é mais do que gratidão por algo existir e nos falar e nos fazer calar. 

fiquei pensando no caminho que Arnaldo andou para chegar a um disco como este. um caminho que é visível em vários de seus discos, mas que surpreende pela insistência, como se ele passasse a vida a escavar uma serenidade que a sua veia roqueira escondia no início de sua carreira. pois é um disco de/ e sobre alguém que opta pela alegria, como na segunda música, que me veio tão intensa que logo estava com lágrimas nos olhos::: são versos simples. a simplicidade que agora me faz falta, mas que quase me toca. isto:::: da alegria. logo nesta semana, quando eu me ouvi dizer que estava felizinha --- porque vai que morro. sei por que sempre me apavora a ideia de a morte me surpreender quando eu estiver triste. sei que vou ter medo. porque não tive quando estava tão feliz e tão inteira. 

então, ao ouvir as músicas uma e outra vez me enchi de paz. e tive certeza de que o tempo da tristeza já passou. como no disco de Arnaldo, já é. põe fé que já é. mesmo que as pessoas me faltem ("eu vejo a flor/ o passarinho/ não tô sozinho"). mesmo que não seja como eu gostaria que fosse. e por que deveria ser? por que não posso tentar um olhar amoroso sobre aquilo que me impele ao contrário? pensei nisso tudo. e sorri. e chorei na manhã feliz, enquanto Poeminha pintava seus brinquedos com meus esmaltes esquecidos e agora encontrados por ele.

...

antes a dúvida
do que a desconfiança
antes a dívida
que a mesquinhez
antes a dor
do que a indiferença
antes ignorância
do que estupidez

 
e depois alegria
e depois alegria
e gratidão

 
e depois alegria
alegria alegria
alegria e gratidão


e depois alegria alegria alegria alegria e gratidão. fiquemos assim então. com esta alegria que veio em forma de música. como em "se você nadar", é preciso nadar até a outra margem, a outra beira, o outro lado. é preciso. 

e ainda:::: todas as músicas merecem ser ouvidas. uma e outra vez. (queria ter falado do disco em si. mas não encontrei palavras. porque me enchi de palavras outras). pensei no distante. Arnaldo diz tão bonito o que às vezes me vem a vontade de dizer. mas não digo. digo só às vezes. e sobre o "querer bem". porque a mim não interessa a instituição.  interessa-me o que no outro ainda há algo de mim. e no que em mim, ainda vive o outro ---

se você me quer
se ainda quer me querer bem
tenho que saber se você vem
as estrelas sabem


posso te ligar
quando escurecer?
quando te falar
posso te dizer?


e isso tem sua beleza. é o que penso. mesmo quando quero perguntar. porque o que me enternece é de deixar o outro com o seu tempo. mesmo quando não estou neste tempo. porque vem daí tantas possibilidades, como a de experimentar o próprio tempo à revelia de. ---
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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

o que foi feito por niemeyer

nunca consigo. mas sempre tento fotografar a grande marquise e a vida que por ali habita em instantâneos de pura leveza. no Parque Ibirapuera, esta longa passagem que sustenta os voos, os namoros, as conversas, os encontros, daqueles que por ali passam (como eu) e daqueles que por ali ficam é a prova do ócio, do viver-em-comum. em geral, uma multidão de jovens que fazem deslizar seus patins, seus skates ou simplesmente seus pés. é bonito. muito bonito este estar exposto ao fazer nada. isso de ter o tempo. de cavar o tempo. eu lembro que sabia andar de patins. por que esquecemos daquilo que poderia nos fazer mais felizes?  








 

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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

vento vento ventania


duas ou três coisas me perturbam hoje. e como toda perturbação, desordenam meus dias. mas em várias partes do dia, eu me pergunto:::: para quê? uma grande placa diz: "escolha ser feliz". e eu tenho muita vontade de ser isto::: esta escolha. gosto mais da minha gargalhada que aprendi com meu amigo Rivero do que das minhas lágrimas. 

gosto das lágrimas também. mas gosto bem pouco das lágrimas que chorei no ano passado. acho que foram as lágrimas mais solitárias de toda minha vida, salvo aquelas que chorei quando tinha vinte e poucos anos. aqui, não são aquelas lágrimas que chorei no ano passado. agora, tudo aquilo está resolvido dentro de mim, embora não seja o mesmo que dizer que esteja resolvido. 

e agora, novos sentires se sobrepõem aos dias confusos. e vejo, finalmente, algo bonito em mim. não sei de onde vem o vento do fim da tarde. mas deixo que ele espalhe poeira pelos móveis da sala. porque com  vento sinto que voltei para casa ---.  vem o vento e eu lembro das casas da adolescência. e entro e saio das casas daqueles que um dia foram meus. que um dia me disseram que há beleza no silêncio. na contemplação. 

há dias que vem um afago no meu coração --- de estar com Poeminha e estar quase em paz. como se eu pudesse, de novo, trazer os dias. lembro de um dia em Paris - um dia muito frio - que fui procurar a casa de Camile Claudel e não encontrei. havia fotografado tantas vezes L'age mur, no Museu D'Orsay, que queria ir ali, naquele ponto turístico que só a Europa faz parecer menos piegas do que de fato é. mas não consegui encontrar. olhava o guia, via que estava próxima, mas não conseguia ver a casa. então, fiquei por ali, fotografando um senhor que pescava. no meio da tarde. no frio. e dormi. dormi ali, num banco, com a mochila do lado, com o ipod nos ouvidos, com a câmera em cima de mim. e quando acordei, fiquei toda contente comigo mesma. lembro que anotei em algum lugar, talvez mesmo no blog, que era tão bacana ser uma pessoa que havia sido assaltada tantas vezes e mesmo assim conseguir dormir num banco de praça, às margens do Sena, com todos os meus documentos na carteira, com o único cartão de banco que eu podia movimentar, com uma câmera, com meu ipod de trezentos euros, tocando alguma música brasileira, certamente, à vista de qualquer passante. eu me orgulhava das minhas leseiras. 

eu tenho muitas histórias das quais me orgulhar. todas histórias de alguma insensatez. e me basta beber um pouco mais, e essas histórias me vêm. e eu conto e rio. e rio e conto.  hoje contei uma delas. e sem beber  --- de como sou avoada. daquelas de brigar com alguém e depois encontrá-la e, esquecendo de que havia brigado, dar muitos beijos. para só depois lembrar.

tenho em mim outras altivezes. foi bonito quando, depois de ter rastejado uns três dias, sem entender que era o fim, no quarto dia ter perguntado: "então é isto, acabou?" e ao ouvir que sim, ter deixado o outro em paz. nunca mais, uma única palavra de dor. saber ter deixado a dor decantar --- e sozinha. e ter chorado todas as lágrimas como um cão e, mesmo assim, ter feito daqueles dias noites tão bonitas. insone, infeliz, lendo Nietzsche e Kafka e ouvindo Nina Simone, na varanda que dava para a estrada. para dali a pouco um novo amor bater à porta. e desse amor, um menino Poeminha.

eu sabia encontrar uma alegria interior na dor mais profunda. eu sabia não ter medo. e tinha uma confiança ilimitada nas pessoas. ainda não entendi o que aconteceu comigo no dia do meu aniversário, neste ano, mas foi resultado da perda de algumas dessas coisas --- é o que sei. ainda neste ano, andando por Brasília em uma das noites em que estive lá, senti medo de ser assaltada. creditei ao valor da câmera que carregava na mochila, mas depois fiquei incomodada. lembrei desta tarde de Paris e achei que era melhor ser como antes. que sentir medo antecipado é a pior bobagem. e mesmo assim, sinto que ainda há tanta coisa bonita a encontrar.

e estou escrevendo estas coisas desencontradas, porque hoje encontrei uma mulher que me fez lembrar de quem eu era --- e talvez ainda seja e esteja apenas decantando.  senti que havia muita paz nela. muita completude. achei-a toda bonita. e me deu uma baita saudade de mim. ----

do vento. de como ali era o revés de tudo. e mesmo assim, terem sido anos felizes. de como eu descia todas as noites para a "rua". para a casa da rua. e encontrava meu amigo Dionácio. Ou minha amiga Verinha. Ou não encontrava ninguém e ficava na calçada com minha tia Elita e meu avô Tavarim vendo as pessoas passarem. e ouvindo o silêncio que se extinguia vez ou outra pelo ser falante que sempre fui. 

há muito amor no vento do fim da tarde que agora adentra nossa casa. Poeminha se encanta também e procura entender o que é este vento que nos visita todos os dias. eu lhe disse que o outro nome do vento, para mim, e apenas para mim, era saudade. e era também alegria. quando disse, pensava em quanto havia ali, muito longe, tanta ternura. tanta paz. havia o turbilhão também. havia as dores. o sapato furado no dedão do pé meses seguidos. mas havia, antes de tudo, a convicção de ser amada --- e fazer por merecer esse amor. e esse cuidado que dedicavam a mim. e que eu também dedicava. 

o vento --- que veio para que eu não esquecesse. para que eu, enfim, lembrasse que não esquecemos nunca que há muitas formas de voltar para casa.
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