segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um jardim

Este jardim tem uma história bonita. Seu Emílio e D. Marlene tinham um sonho: quando se aposentassem, iriam morar em uma chácara. O que vemos hoje é o sonho realizado. Muito do que comem, eles mesmos cultivam. Os dois. Mas não há só frutos e legumes por lá. Há flores por toda parte. E a casa parece cheia, embora as filhas já tenham partido. Ontem, eu cochilei por lá, numa rede, enquanto a chuva caía e Poeminha dormia nos meus braços. Quando acordamos, ele deu uma cambalhota. E eu, fotografei as flores. 












* Seu Emílio e D. Marlene são os pais da Kotz, que agora, longe do jardim, longe de nós, seus amigos, começa com o Lobão uma nova vida. Muita sorte para eles
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O filho da mãe de Bernardo Carvalho

Eu já disse aqui como Bernardo Carvalho me mantém presa com a sua devida distância. Retorno sempre, curiosa sobre ele. Desta vez, foi O filho da mãe. E gostei. Eu li de um golpe, como há tempos não fazia. Não me distanciei do contrato que originou o livro: um mês em São Petersburgo e, a partir daí, escrever uma história de amor ambientada nesta cidade, no projeto  "Amores expressos", da Companhia das letras. 

Sorte e azar de Bernardo Carvalho. Dostoiévski esmiuçou todos os dramas humanos espalhando-os pelas ruas desta cidade. Para nós, só existe uma São Petersburgo, e por ela caminham os seres mais angustiados que jamais existiram. Fiz esta relação de imediato, quase sem querer, e talvez por isso não tenha me espantado com a narrativa de Bernardo que quase conta, deixando um pouco de lado aquele cerebralismo que não me deixa amá-lo totalmente. Não é que O filho da mãe seja uma narrativa linear; estão lá os volteios, as várias histórias, os enigmas, as lacunas. 

O que eu senti de diferente é que, neste, há mais sentimento ou, em outras palavras, melodrama - meu amigo Marcio achou o mesmo e, por isso, não gostou muito. Há aquela voltagem emocional que nos faz derramar uma e outra lágrima. Uma avó, a todo custo, quer tirar o neto do meio da guerra. O filho, insistentemente, quer falar com a mãe que lhe abandonou. Dois homens têm o encontro mais improvável que se poderia ter, e se apaixonam, e noite após noite buscam um ao outro também de forma improvável. Outros filhos, outras mães, marido. E uma Rússia, uma certa ideia da Rússia, arrastando a todos com a sua crueza. É mais ou menos isto - com um final rocambolesco, mas com passagens memoráveis.  

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Pensamentos insones

Minhas "mínimas promessas" nunca fizeram tanto sentido para mim como agora. Talvez eu tenha me enganado, e, de fato, algo de diferente em mim esteja vindo lá de dentro. Talvez porque não dê mais para ser como antes. Porque antes eu era imortal. Mas Poeminha tirou parte da minha imortalidade. E Guillain-Barré, a outra.
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Ora turbilhão, ora uma paz. 
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Pedro foi embora. E a casa ficou como que vazia. Poeminha procurou-o pela casa: "uh, uh, uh". E quando percebeu que ele não estava, franziu a testa, arregalou o olho e levantou a mão, naquele gesto de quando se perde algo: "aaaah". "Eh, filho, mesmo as pessoas amadas se vão".
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Ler Anna Karîenina tem sido maravilhoso. E neste ritmo que pausa arbitrariamente, então.... Clássico é clássico. Basta começar a ler para sentir uma volúpia; prazer puro. E por várias vezes nesta semana, me peguei pensando - com um meio sorriso nos lábios - de como é mágico ler um livro sabendo que ele foi escrito há mais de 100 anos (Tolstoi escreveu-o entre 1873 e 1876). A literatura nunca vai morrer. E a ideia de grande literatura, também não, embora... Embora seja tão démodé pensar este tipo de coisa neste mundocão. 

Geralmente, tem sido a primeira coisa que faço quando acordo. E durante o resto do dia, fico pensando no romance. Por vezes, é a técnica que me impressiona, e eu comento em voz alta sobre alguma parte, ora pro Tatu, ora pra Vovóziza, que tem me dado uma mão com o Poeminha, e eu, com a sua monografia. 

A primeira frase do romance é para nunca mais ser esquecida: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira". E o modo como Tolstoi nos faz saber do "clima" entre Vronski e Anna, muitas páginas depois desta primeira frase, é soberbo. Ao invés de narrar de forma direta, tudo se passa através da visão de Kitty, a "abandonada" ante tamanha paixão que recobrirá tudo a partir de então. Ela é atravessada, perfurada antes de todos. É este olhar atônito que acompanhamos.  Nada menos que genial. 

Várias outras partes são um assombro. É uma aula de romance, de como este era antes de ser "varrido", "deformado", até ser hoje quase irreconhecível como gênero. E de repente, eu fiz outra descoberta - que depõe contra mim: o que sinto falta em Bernardo Carvalho (que li recentemente), é do impossível, porque ele é nosso contemporâneo, e o que espero dele, porque ele é um bom contador de histórias, é menos peripécias, e mais HISTÓRIA - como se eu quisesse transpô-lo para outro século. Perdoe-me Bernardo, perdoe-me. Eu não sei o que sinto...
:) 
:)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Em frente à casa da infância

Foi assim.
Como os homens que amam as aves põem armadilhas para tê-las junto a si.
Para tirá-las do ar e tê-las, cantando, junto a si

Foi assim

E depois, guardassem aquilo em gaiolas, feitas
com a madeira da violência,
com a madeira da ternura, entrelaçadas
Diz-se disso: O homem é o mal, o amor é o mal

(Óserdespanto, de Vicente Franz Cecim)

Sim. Sempre achei mais triste do que alegre. Mas não nego::: era bonito. Um acordar dos dias com todos aqueles cantos. E quando fui em julho, ouvi de novo, senti de novo, aquela beleza triste dos dias. 









terça-feira, 18 de janeiro de 2011

25 páginas por dia

Eu escrevi para um amigo que, no nosso imaginário, quando uma pessoa escapa da morte, inevitavelmente, vai mudar - e para melhor, como se o dom da doença fosse levar todos os defeitos. E eu sentia agora em mim que não era bem assim. Jogar fora o que emperra parecia mais com  as promessas de ano novo, as que nunca cumprimos. 

Porque nossa casca não é uma mera peça de roupa. Está tudo entranhado. Os vícios e virtudes em sangria desatada. Daí que decidi me concentrar ainda mais nas pequenezas, mas dessa vez tentando aparar aqui e ali oqueatrapalha. Mínimas promessas: gastar menos, ficar muito perto do Tatupai e do Poeminha, ler mais os livros que compro, tecer dias bons. E assim caminho, ora sim, ora não.

Tenho lido obstinadamente literatura brasileira contemporânea. E tenho gostado. Diz-se disso ser mais responsável pelas minhas escolhas. Mas tem sempre o mas. Me danei a pensar que faltava algo. E com isso veio o desejo de ler livros comprados há muito tempo. Lembrei então do que fiz durante quase todo o doutorado: Um filme e 30 páginas de um romance nadaavercomatese por dia. Impossível repetir tal feito querendo ficar muito perto dos meus. Então adaptei. E assim nasceu o 25 páginas por dia. De preferência, literatura estrangeira. E ainda: volumoso. Porque são estes que nunca lemos quando achamos que não temos tempo. Fiquei tempão parada diante da estante pensando por onde começar. Opções não me faltavam.  Sempre comprei as melhores traduções dos livros clássicos acreditando piamente que os leria em seguida.  Engano doce. Por fim, decidi começar por Ana Kariênina, que na edição brasileira tem nada menos que 801 páginas. Fiz as contas e, se tudo der certo, terminarei de lê-lo daqui a 32 dias. Achei um tempo bem razoável. 

Comecei ontem. No entretempo, Bisa veio almoçar e eu tive que ir também, Tatupai deitou do meu lado e ficou fazendo dengo, Poeminha apareceu enciumado e tivemos que despistá-lo mostrando a máscara acima da porta. E ele haja pisar em nós para alcançá-la. Tudoaomesmotempo. Doce. Lindeza. Se rolar, escreverei as minhas impressões de leitura no correr dos dias. Sim. Sempre, e ainda por muito tempo, esta sede. Assim desejo. Com desejo.   

domingo, 16 de janeiro de 2011

Três

Três... 
E a luz do Nordeste.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

365 nuncas

Se eu pudesse, eu devotaria minha vida apenas às alegrias. Quando me sinto engolida pelos dias, e sempre tem estes dias, fico mal. A tal vida de ameba é, para mim, como uma traição ao sentido da vida. Por estas e por outras, amei a ideia deste blog: Stefania e Elisa resolveram fazer a cada dia, durante um ano, uma coisa que nunca fizeram antes. Nada mirabolante. Centelhas de vivências, ora delicadas, engraçadas, normais. Vale a visita - todos os dias. Hoje, por exemplo, elas fizeram/fotografaram pichações de giz pelas ruas.


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

La douleur excquise, de Sophie Calle

Procurei nos meus guardados os rastros de Sophie Calle e encontrei estas duas fotos tiradas em maio de 2007, no Pompidou. Não estão boas, mas acho que ajuda a entender o que escrevi anteriormente sobre o que faz falta no livro: a dimensão.



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

As histórias reais de Sophie Calle

As histórias da artista plástica Sophie Calle perdem um pouco da sua força quando destituídas das enormes fotografias em que costumam estar em exposições pelo mundo afora. Foi assim que eu as vi, inicialmente, no Centro Pompidou, em Paris, e, depois, na Bienal de São Paulo de 2008. Talvez por isso, quando eu li o  seu livro publicado no Brasil, pela Editora Agir, intitulado Histórias reais*, eu não tenha achado nada demais, embora elas tenham me impressionado bastante quando as vi expostas. Acho que a questão é mesmo de suporte. Dizendo rasteiramente, no livro, as pequenas histórias, ilustradas por imagens, assemelham-se a postagens de blogs. Por mais ternas, inusitadas, engraçadas que sejam, não têm a força da arbitrariedade.

Dizendo rasteiramente, claro, porque o trabalho desta francesa, no campo da arte, é, no mínimo, perturbador. Trata-se de fazer com que a arte estabeleça cumplicidade com a vida, escondendo o máximo possível o intervalo que há entre uma e outra. E nós, ouriços, como que espiamos pelo buraco da fechadura da vida, quando, de fato, observamos performances artísticas. Tudo milimétrico. Um pequeno escândalo, tamanha proximidade. Eu vejo como que barreiras ruindo; tanto a vida como a arte movendo-se, cada uma no seu terreno, em corda bamba. 

E algo em Sophie Calle tremula entre a delicadeza e a ironia, tanto em relação à exposição da vida quanto à feitura da arte. E eu gosto muito disso. As imagens, se sozinhas, podiam fazer parte de um catálogo de fotografias. E os textos, de um livro de contos ou de poesia. Mas, aqui, a voz que se diz "eu" arrisca tudo na junção, porque ela é ao mesmo tempo autora e protagonista. E é com essa autoridade que ela diz tratar-se de histórias verdadeiras. É essa junção que causa nosso gesto, seja de proximidade, seja de repulsa. Quanto a mim, que sempre acho interessante quando não faz sentido perguntar o que é ou não da ordem da verdade,  gosto demais. 

* No original, Des histoires vraies.
** Esta imagem faz parte do livro.
:)
:)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Lista de impacto (cof,cof)

Se comparar com os outros anos, vi poucos filmes em 2010. Porém,  muito mais do que a lista do lado indicava. Deixei  de anotar muitos. Como não sou boa de guardar títulos, lá se foram muitos  para o escoadouro da memória. Mesmo assim, depois de ver tantas “listas de melhores”  nos últimos dias, resolvi fazer a minha também, a dos dez filmes que mais me impactaram em 2010. Não necessariamente os melhores. Alguns, eu até já tinha visto. Achei divertido olhar para meu “listão” e extrair dali os “10 mais”.  Não sei se para o crítico, mas para uma amadora como eu, o que acabou valendo foi o “tipo” de filme do qual eu gosto, ou seja, é o sujeito que se coloca na frente, comandando as expectativas, importunando qualquer objetividade. Então, talvez seja melhor ficar com minha ressalva do que com minha lista:   

Rio congelado [EUA, 2008], de Courtney Hunt
Valsa com Bashir [Austrália, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Israel, Suíça, EUA ], de Ari Folman
Bastardos inglórios [EUA, 2009], de Quentin Tarantino
Vergonha [Suécia, 1968], de Ingmar Bergman
O homem que amava as mulheres [França, 1977], de François Truffaut
Tropa de elite 2 [Brasil, 2010], de José Padilha
A origem [Reino Unido, 2010], de Chistopher Nolan
Entre os muros da escola [França, 2008], de Laurent Cantet
E la nave va [Itália, França, 1983], de Federico Fellini
O silêncio de Lorna [Bélgica, Itália, Alemanha, França, 2008], dos irmãos Dardenne

sábado, 1 de janeiro de 2011

Para 2011, coragem


Saudações a quem tem coragem

Aos que tão aqui pra qualquer viagem
Não fique esperando a vida passar tão rápido
A felicidade é um estado imaginário
Frejat, Dé e Guto


Eu morri. Morri uma pequena morte em 2010. Não sei onde li sobre a impossibilidade de proferir a frase "eu morri". Acho que em Derrida. Mas em algumas ocasiões, talvez seja possível. Quando o fio de medo percorre seu corpo e martela, é ali que a morte está. Por um erro médico, quando minha doença, enfim, foi diagnosticada, eu morri. Senti o fio da navalha, meu corpo em pedacinhos jogado aos abutres. E não adiantou nada os médicos ao redor me tranquilizarem. Se um médico havia me dito que ter Guillain-Barré era definhar até morrer, era nele que eu deveria acreditar. Ali eu ainda não sabia o quanto um médico pode errar. Cada segundo daquela noite, eu senti medo. Esta doença me pegou lá onde morava a minha inocência e me arrancou de lá a pontapés. Por isso, eu faço questão de não heroicizar nada. Fui pequena diante da morte. E acho que tem que ser assim mesmo. É uma tolice deliciosa arrotar a ausência de medo da morte. Precisamos desta tolice quando a vida toda parece estar a nossa disposição. Quando parece haver tão pouco, fica apenas o essencial.  E apesar de amar tanto a vida, de querer tanto viver tanta coisa, durante toda a noite em que pensei que ia morrer, eu só conseguia me lamentar porque achava que não veria uma outra vida. A do Poeminha. E ainda hoje, quando o medo já passou, quando eu não morri, e resta-me da doença apenas a rotina enfadonha de um tratamento demorado, que vai me livrar das dormências e restaurar minha força, é quando olho para o Poeminha que mais agradeço por estar aqui. Durante a fase crítica da doença, eu devo ter clamado a Deus, mas não me senti injustiçada. Assustei-me horrores com as dores, mas achei que bem podia morrer mesmo, por que não?  Nunca, em nenhum momento, eu disse ou pensei: "por que comigo?". Talvez porque nunca vi doença como castigo. Morrer é o esperado. É o inevitável. 


Às vezes, eu devo ter pensado: "Vivo com amor à vida. E vivi intensamente. Já morei em Paris. E já fui em muitas cidades que 'arrebentaram minha retina', como Toledo, Praga e Rio de Janeiro. E morei em barraca na beira da praia,  sem um tostão no bolso. Já li Crime e castigo e só não terminei Em busca do tempo perdido por puro enfado. Já fui ao show da Björk e fui a Bruxelas só para ver Bob Dylan. E fui sozinha. Por amor à vida. Vivi belas histórias de amor. Tão aberta ao outro como não se pode ser. E agora vivo outra. Deixo mesmo no mundo um homempai. Um tatupai. E sobretudo, um filho. Tive um filho nas minhas entranhas. E já bebi grandes porres com os amigos mais queridos que se pode ter neste mundo. E escrevi uma dissertação, que renego, e uma tese, que admiro como Narciso. Então, eu deixo uma obra. E por isso, choramingo. Porque o que falta fazer não é da ordem do que não foi feito, mas da ordem do que deveria continuar fazendo". Eu devo ter pensado assim muitas vezes. 

Então eu desejo muita coisa em 2011. A minha meia dúzia de leitores, eu desejo sobretudo coragem. Coragem não para morrer. Mas para viver. Porque, diante de uma pequena morte, conta muito a vida que se vive. Conta muito a coragem. Não só ir em frente, mas ir sofregamente. Isso que o Poeminha ensina lá em cima. Ver o mar e sair em disparada para sentir o gosto do sal, o bater das ondas. Antes que algo ou alguém venha e lhe agarre.  Conta muito a alegria. Gostar de gostar.
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