quarta-feira, 31 de março de 2010

Coisas da vida

A vida anda rápida, rápida, e eu mais lenta do que poderia. Abril já? Não pode ser. Mas é. Poeminha cresce tranquilo. Delícia isto: um filho risonho, sempre a postos para brincadeiras mil. Quase não chora. Tudo bem que não tem motivos. O tratamento é vip, creio. Mas sei que existem crianças que, apesar de todos os cuidados, chora bastante e por qualquer razão. Poeminha, se chora, quando estamos brincando com ele, é sono. Sigo direitinho os horários das suas mamadas - e agora dos seus sucos e papinhas - mas por duas ou três vezes dei uma escorregadas. E ele, tranquilaço! Nem pra avisar...

Talvez não seja apenas sorte. Talvez o ambiente tranquilo seja o que o faça feliz. Sim, porque tenho certeza de que ele está feliz, embora ainda não saiba o que é este conceito, tão perseguido, tão fugidio.  Eu mesma estou muito mais relaxada.. No início, eu quis seguir várias regrinhas e me angustiei muito "tentando não ser uma mãe igual às outras". Pronto, disse. Acho que ficava lendo de madrugada só para não ter a sensação de que tinha passado o dia entre fraldas. Digo isso porque já não tenho lido de madrugada. Há dias que fico o tempo todo com ele. Em outros,  deixo-o na casa da bisavó no período da tarde. E sem angústia, o que é muito melhor. 

Este negócio de que os filhos nos deixa mais sábia é bem verdade, pois embora eu sempre tenha tido um "ritmo lento", sempre me chicoteei muito por não dar conta de tudo. E meu "tudo" é muita coisa. Lista infindável de livros, de filmes, de cds que não posso morrer sem ler, sem ver, sem ouvir. Pois bem. Posso morrer. E isso não será nenhuma tragédia. Tragédia mesmo, para mim, será morrer cedo... 

Se passasse dois dias sem ver um filme, já ficava inquieta. E ontem eu me dei conta de que não vi ainda nenhum dos filmes ganhadores do Oscar. Ou melhor, não vi nenhum filme nas últimas semanas. Virei então mãe? Virei. Mas uma mãe à la Milena. Sinto que o que Poeminha tem me ensinado é focar nas prioridades. Por exemplo, agora que estou preparando uma disciplina, tenho feito apenas isto. Todas as leituras têm sido direcionadas. E  nem doeu deixar pela metade aquele livro maravilhoso sobre a Clarice, e aqueloutro do Faulkner. 

PS. E estou esperando, ansiosa, a chegada de um presente. O presente mais bacana - senão o objeto de consumo mais cobiçado - da minha vida. Coisas do Tatupai. 
.
.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Eu, professora. Eu, Milena

Havia desencanto ontem. Ou antes de ontem. Já não sei mais. Por isso, o texto daí debaixo. É o sofrimento de sair da bolha. De saber que apenas nela me sinto plena. Hoje, sem desencanto. Ir sempre além da imagem. Forçar o entorno e acreditar. Estou às voltas com 100 anos de literatura portuguesa. É uma insanidade, sem dúvida. Mais uma ementa inapelavelmente sem sentido. Porém, tão instigante. E eu me renovo nisto. Na possibilidade de ler muitos livros que ainda não li, ainda não conheço. O desconhecido, eis. Disse ontem aos alunos: gosto de aprender. Eles não devem gostar. Devem preferir o professor que veste a persona de sabe tudo. Eu arrisco umas ironias, mas jamais a soberba. Então, eu leio. Que maravilha: Fernando Pessoa, Cardoso Pires, Saramago, Lobo Antunes, Teolinda Gersão, Adília Lopes... E vários outros. Arriscar-me, eis. 

Na ida a Porto Velho para a aula inaugural do mestrado, visitei os amigos do antigo trabalho. E embora eu sempre diga que detesto a ideia do sacrifício ou da batalha árdua (porque tudo foi, no fundo, uma grande festa!), foi bom lembrar que fiz escolhas. Eu poderia ainda estar lá, confortável com o rico dinheirinho que o emprego de revisora me possibilitava; e não estar deve-se unicamente ao fato de não querer estar. Mari, que escreveu nos comentários, tem razão. É bom lembrar minha trajetória. Ela é bonita. E eu  não quero esquecer disto. E quero que continue sendo bonita.  Quero que as malas sirvam não para que eu tranque desejos, mas para que eu as encha de vontades. Devo isto a mim. E agora ao meu filho.

ps. adorei a imagem. Encontrei-a lá no "imagens" do google.
.

sábado, 27 de março de 2010

Peixe pequeno

Recebi hoje no meu email, um cartaz da ABRALIC. Pra quem não sabe, a ABRALIC é a Associação Brasileira de Literatura Comparada que promove um dos encontros mais bacanas de Literatura do meio acadêmico.  Eu gostaria de ir, mas há uns dois meses decidi não ir -  escolhas. Porém, ao ver o cartaz, fiquei por aqui experimentando sentimentos que não deveriam ser públicos - e ao mesmo tempo não há por que não sê-los. Lembrei do que um dia a Mari, minha melhor amiga, me disse: algumas universidades, alguns seminários, já nascem grandes. E seus organizadores, seus dirigentes, resmungam como se assim não fossem. Como se fossem grandes devido a uma batalha árdua e corajosa. O fato é que lembrei disto por que a Universidade onde estou é peixe pequeno. Nasceu peixe pequeno. E não importa o que se faça, o que se deseja fazer, continuará sendo peixe pequeno. E seus dirigentes, seus organizadores, se digladiam ou se confraternizam como se assim não fosse, porque é a forma que eles encontraram para assim não sentirem a  pequenez. 

Nesta semana, participei da aula inaugural do mestrado do qual farei parte como docente. Oficialmente, tenho minha primeira orientanda. E não poderia ser mais bacana, afinal ela é uma das participantes do  grupo de pesquisa do qual faço parte. Para retirar a medida de emoção inerente a um momento deste, problemas de toda ordem. E os salgadinhos, ah, os salgadinhos, foram por conta da boa vontade de um dos professores (não era para ser uma vaquinha?), afinal por que a Universidade deve se preocupar com isto?
 
Ainda hoje, como líder de um grupo de pesquisa, pus o meu capacete de burocrata e fui atrás de uma sala maior para abrigar os cerca de 20 interessados que, às segundas-feiras, dia do encontro, têm lotado nossa minúscula sala. Não consegui, evidentemente. Só coloquei mesmo meu capacete porque ele combinava com meu penteado. Para consertar os computadores que há por lá, não tive nenhum pudor de tirar o capacete e barganhar o meu corpitcho com um Tatupai em troca de uns serviços técnicos de informática. 

Gracinhas à parte, as verdades que me assaltam exigem respostas. Ou exigem que eu me cale. Há cerca de um mês, assisti ao filme Foi apenas um sonho. E lembro que uma das partes mais doídas é quando a personagem descobre que só suportava aquele território inóspito por que se achava diferente. Eu devo ter me identificado. Porém, já faz tempo que não me sinto diferente. Ou a minha sensação de ser diferente sempre veio acompanhada de uma desconfiança em relação a mim que preexiste a qualquer sentimento de diferença. 

Não sei se estou sendo clara. Também não precisa. O que eu precisava mesmo pôr para fora é que eu piso em território inóspito, sinto-o sob meus pés, perdendo a crença, a delicadeza. E com isso não desmereço pessoas. Não estou falando de conhecimento. Ou de competência. Estou falando de estrutura. Do fato de ser peixe pequeno. Arranho vez ou outra as escamas que me cabem como parte deste peixe pequeno, sem de fato arrancá-las de vez. O que me resta, então? 

A consciência é insuportável.  É dolorosa.
.
.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Sobre o trabalho

Volto a trabalhar na próxima semana - e hoje comecei a ensaiar a volta (ou seja, comecei a preparar a parte que me me cabe neste semestre!). Causa espanto quando digo que poderia passar a vida sem trabalhar, mas, sim, eu poderia. É certo que eu batalhei para ser professora universitária. Por essa profissão, submeto-me a um corpo de forasteira. Porém, jamais diria uma frase como: "o trabalho é a minha vida". Nem de longe o meu foco está apenas no trabalho - nunca me entedio aos sábados, domingos e feriados. E isso desde sempre. Trabalhar é bom para ganhar dinheiro. E para mim, "dinheiro é um pedaço de papel,.... Dinheiro tem valor quando se gasta". Eis uma das lições valiosas do moço lindo Arnaldo Antunes.

Existem muitos pequenos prazeres - e são por eles que vale a pena viver - e trabalhar. Nestes seis meses, vivenciei muitos desses pequenos prazeres. E custa-me sair da bolha! Não foi apenas ser mãe. Foi descobrir ainda mais a delicadeza. A emoção de viver fazendo o que se gosta, com quem se gosta. Sinto-me, sim, invariavelmente cansada; olheiras, muitas.  É uma mão-de-obra ser mãe! Porém, eu fiz tanta coisa. Li uma porção de livros - e deu tempo de adquirir outro hobby. Sim, sim, agora sou uma senhora que assiste a séries de TV. No caso, quatro: The good wife, Brothers and sisters, House, 24 horas. A princesa passou por aqui e implantou este vírus nos Tatus. 
Eu sinto uma grande alegria por ser assim. Respeito muito a história de quem passa a vida trabalhando e faz disto a base de sua vida, mas não me serve de exemplo. Eu sempre achei que precisava dar um passo a mais, cultivando o estar à toa na vida. E cavando muito bem as minhas horas à toa, sem desperdiçá-las com porcarias como este tal de Big Brother (desculpem-me adentrar neste assunto, mas enquanto escrevo não consigo parar de pensar em uma das chamadas do Yahoo, que diz que mais de 70 milhões votam nos "paredões". Quequéisso, meu jesuscristinho. Pensando bem, pra quê tempo livre para este 70 milhões?!!).
.
.
.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Uma casa sem a casa

Mudamos. Bem que ainda posso dizer no gerúndio: estamos mudando. Dias e dias organizando os livros.  E mais um dia e uma noite, os cds.  No dia que trouxemos tudo, caiu uma chuva de lascar. Roupas do Poeminha, na lama. Ainda estão ali com a esperança vaga de voltarem a ser brancas. E aquele ovo comprado em Paris, num bairro remoto onde fui pegar minha carte d'étudiante, este não teve jeito: quebrou. Dava para passar superbonder, mas não gosto de remendar, emendar nada. De que adianta uma beleza remendada?

Já fui menos apegada às coisas, foi o que descobri nesta mudança. Antes, quando algo quebrava, eu me consolava pensando que já tinham cumprido seu tempo por aqui. Desta vez, talvez pelo excesso de quebra-quebra e arranhões, fiquei mal humorada um par de horas; não mais que isso, pois mau humor por muito tempo é falta de educação.

Foi o susto. Não menos do que uma centena de caixas. É o que dá ter uma casa sem de fato ter a casa. No fundo, passamos a vida no provisório, mas procurando viver como se assim não fosse. Agora, olhando em volta, consola-me ver tudobonito. Ok. A pia da cozinha ainda não chegou. Tatupai ainda não organizou a sua estante de tralhas. O ainda. Mas como diriam os mais velhos, o pior já passou. E muito por causa da minha compulsão de fazer tudo o mais rápido possível.

Espanta-me a quantidade de vezes em que ouvi que mudança é assim mesmo, demora dias, meses - até anos - para pôr tudo em ordem. Não, não. Não consigo. Só senão fosse filha da minha mãe. Meu desejo é fazer tudo logo para que assim a vida comece a andar em outro compasso. Sinto falta do outro compasso.
.
.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Para o filho


Poeminha, quase seis meses. Nova casa para você. Agora, sim, espaço para você andar, quando assim decidir. Longe da beira da estrada - imagem tão valiosa para sua mãe; uma simbologia que relutei em me desfazer. Nestes dias, tive medo, filho, de ficarmos presos aqui para sempre. Como carregaremos mundo afora todo este peso? Estes pensamentos tortos no meio da noite, quando você dormiu pela primeira vez no seu quarto, no seu berço, que deve lhe parecer enorme, em comparação com o que estava no nosso quarto - tão bonito, aquele. Sentirá saudades dos balanços? Fiquei de olhos arregalados no escuro, filho, porque já não podia simplesmente abrir os olhos e lhe ver pelas frestas, como se o pequeno espaço que agora nos separa à noite fosse um vão enorme. Não é, filho. Certamente, acordei com seu primeiro movimento. Você terá percebido que estava sozinho? Se percebeu, você foi bem discreto. Logo parou de resmungar quando eu lhe acalentei na nossa cadeira de balanço. Uns "golinhos" de leite, como eu costumo brincar, e você já de novo dormia.

E foi assim que com medo vi o medo passar. Não, filho, não ficaremos presos aqui. Não estamos presos. E sei que iremos qualquer dia. Nada que um grande caminhão não possa levar - um caminhão como aquele que trouxe a  cadeira que nos balançamos à noite. Exceto os livros e os cds, nada que não possa ser deixado para trás, apesar de sua mãe tanto gostar. Somos de nenhum lugar, filho. E ainda caminharemos muito pelo mundo. Tenho certeza.
.
.

eh mundocão!


E vão ficando os caretas, os picaretas, os caras de pau... e toda a tralha sem nenhum humor.  E indo muito cedo aqueles que nos fazem uma falta danada. Não faz nem dois meses que eu e o tatupai morríamos de rir com a reedição da Chiclete com banana, que veio em uma caixinha beleza com as primeiras edições. Os números seguintes ainda estão saindo nas bancas. Líamos e repetíamos: "estes caras são bons demais". E ríamos, ríamos... Agora, o humor de Glauco se foi. Mas ficará por aí em reedições e reedições para nos lembrar que este mundocão ainda nos dá algum motivo para rirmos, mesmo que devezcommuitafrequência nos passe a perna e deixe o dia cinza, como hoje...
.
.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sobre coisas espalhadas e Nelson Rodrigues


Bozoca vem aqui e espalha livros, revistas e cds. Ele não é o único. Eu costumo brincar que alguns devem ver aqui como um parque de diversões cultural. No outro dia, só dá eu recolocando coisas no lugar. Noites destas, depois de desencavar uns cds maravilhosos, ele deixou A cabra vadia, de Nelson Rodrigues, em cima da mesa de centro. E eu, ao invés de guardá-lo na estante, comecei a lê-lo. E não parei mais. Nelson Rodrigues é o maior cronista que o Brasil já teve. E digo isso sem titubear, mesmo sem ter lido os outros (ok, chibatadas por esta pretensão). Mas é possível existir alguém melhor? Alguém que escreve quase sempre o exato contrário do que que você pensa, e mesmo assim  maravilha? Pois Nelson é assim. Cada frase equivocada, um manjar dos deuses; cada obsessão, uma nova volta no parafuso; cada assunto secundário é sempre mais saboroso do que o "essencial".
.
.

terça-feira, 2 de março de 2010

Nova casa

 
As coisas de Poeminha por toda parte 

Sábado, vamos mudar do apê para uma casa. E começando a desarmar o circo, penso que é quase desumano mudar com a quantidade de coisas, coisinhas e coisonas que fui juntando ao longo da vida. Quando vim morar neste apê, imaginei que só sairia daqui em duas hipóteses: para uma casa minha ou se fosse embora da cidade. Mas eu era apenas uma. O escritório com todos os livros, a sala com a TV, a salinha de som - tudo se mistura. Não é lugar para um filho, que teria de ser repreendido a cada passo. Lá na casa tem um espaço de terra, onde plantaremos grama. Na grama, piscininha de plástico. Espaço pequeno, mas terra. E uma grande área para ele engatinhar, andar, perder-se entre os brinquedos. Enfim, por ele e para ele. Gosto da praticidade do apê, mas me encanta a ideia de poder oferecer o espaço que ainda é possível ser oferecido a uma criança, quando se mora numa cidadezinha. Fazia tempo que procurávamos uma casa para alugar. Já estávamos desanimando quando a casa veio bater na nossa porta. Assim que a vimos, sabíamos que era o que procurávamos.

Agora é assim, aprendo a me dividir, a abrir mão da imagem - entre choros, fraldas, vassouras, ouço de uma aluna que já não sou mais a mesma. E não sou mesmo. Alguma dor sempre rola por conta do que tem sido deixado para trás. Mas não me espanta o sentimento de que nunca fui tão feliz. E isso não é pouco: afinal, há mais de dez anos assinei um pacto com a felicidade - e de tudo tenho feito para não descumpri-lo. 

Voilá! Se será bom para o Poeminha, e para o Tatupai, que finalmente terá um lugar para suas maquinarias, será bom para mim.  
.
.