terça-feira, 31 de março de 2009

As faces de Arthur Omar

"Os anjos não vêem as trevas, porque sua visão é uma orgulhosa luz da força divina".
Jacob Boheme (1565-1624), na primeira página do livro de Omar.


no tempo da máquina digital, em que qualquer um faz fotos borradas e pensa que faz foto artística, talvez as fotos de Arthur Omar causem menos impacto. Desconfio que comecei com uma generalidade mentirosa. Recomeço. Não é apenas na imagem meio
flou que está a singularização destas fotos. É uma verdade muito maior, mais visceral, como se nestas 3x4 (gigantes nas exposições) o que ocorresse fosse uma violenta confrontação. Omar descobriu que é do rosto que não podemos fugir, seja do nosso, seja do dos outros. E, antropofagicamente, engole a alma dos seus fotografados. pois o rosto, que é matéria, transcende para o misterioso, virando alma. Daí a razão de pressentirmos o espanto congelado nestas faces, embora a sensação de movimento seja enorme. A elas, deu um nome: faces gloriosas. E criou uma teoria. Mas não quero saber da teoria. Prefiro ficar com o mistério, buscando entender o flagrante da tristeza na face preparada para o carnavalesco. Não um carnaval atual, dos camarotes vips, da monocromia pálida dos abadás, mas daquele que existe apenas no nosso imaginário, tão antigo como nossas mais remotas lembranças. O fato é que o preto e o branco, tal e qual nos mostrou os grandes mestes da arte pictórica, contracenam no mesmo espaço para criarem uma outra cor, disputando cada entranha da face, deixando, ali, congelado, todo um lastro de alegria e sofrimento - a matéria de que todos somos feitos e trazemos estampada em cada uma das nossas linhas. Mesmo as máscaras não simulam nada; estão ali como suplemento ao mistério.

Massagem na parte superior da alma que dá para os fundos

rainha da noite com alfinete de luz

o minotauro


































Leite Zulu para harmonia química nacional
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Obs.: A primeira vez que vi as fotos de Arthur Omar foi em uma exposição em São Paulo. Já não lembro onde, nem o ano. Ficou-me apenas o espanto das fotografias gigantes.

Agora, vejo-as no livro: OMAR, Arthur. Antropologia da Face Gloriosa. São Paulo: CosacNaify, 1997.



des cadeaux


chuvinha lá fora. médico super gentil dando uma tranquilizada geral. escrita em parceria que deu certo. emoção sentir os "dedos" pensando outra vez. finalização de projeto. dedos cruzados. grupo de pesquisa registrado e funcionando a todo vapor. planos planos planos. continhas quase equilibradas. pé na estrada à vista para desequilibrá-las. primeiro carrinho zero. peixes deliciosos. vicky cristina barcelona. milk. os girassóis da rússia. felizes juntos. entre les murs. "poeminha" crescendo seguro no seu balanço imaginário. enjoo quase passando. muito assalto à geladeira ao fogão ao armário. palavras bonitas daqueles que amo. marie no meio da tarde. tio no meio da noite. irmãs sempre me procurando. dostoiévski goethe bernardo carvalho cristovão tezza - livrinhos lidos e sendo lidos. livrinhos de arte comprados no último minuto. a prova de que sou uma menina levada e impulsiva que esquece logo no segundo teste de fogo a alegria de continhas equilibradas. ele por aqui a regar nossas flores. flores de verdade a perfumar a varanda. a cuidar de mim. cuidado de verdade. e música bem alta para acompanhar a chuvinha lá fora.
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não é sempre. mas às vezes o presente é um presente.

domingo, 29 de março de 2009

as dobras

leio um livro e quando vejo meus olhos estão marejando. vem uma emoção. é Le pli, de Deleuze. não é romance, nem poesia. é um livro "teórico" sobre o barroco. mas depois de tanto ler sobre o barroco - livros técnicos, cheios de informação, vem esta emoção. não é à toa a fama de pensadores dos franceses. esta preocupação com as palavras, e não apenas com a informação. a poesia no meio da pedra. brotando da pedra. como as dobras do barroco que, no seu livro, estão em lugares inimagináveis.
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talvez seja isto que eu procure em todo e qualquer livro: a dificuldade criadora; o pressentimento de que o não entendimento completo vem da riqueza do que está ali, latente, cabendo a mim completar o dito. as reticências que não são bem reticências. são dobras. uma frase dizendo mais de uma coisa. daí, a emoção. o livro bem ali na minha estante, meio esquecido. e na tarde chuvosa, a leitura. e este sentimento que se desdobra em outros, em outros em outros em outros...
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segunda-feira, 23 de março de 2009

Sobre Cony, sobre...

Influenciada pelo meu amigo Halem, do blog Sinistras bibliotecas, nestes dias eu li Carlos Heitor Cony e Bernardo Carvalho. Do Bernardo falo depois. Na verdade, eu sinto uma baitainveja do meu amigo Halem. Creio que já disse isso a ele. Mas com o cuidado de dizer-lhe que minha inveja é sempre branda, daquela que não faz mal a quem é dirigida. Pois tenho inveja porque ele é um puta leitor de literatura brasileira. E eu, vá lá, sou uma leitora sofrível da ditacuja. Para ser mais sincera ainda, quanto mais leio, menos gosto. Aiai, ok, eu já citei aqui meus escritores brasileiros preferidos - e são muitos, apesar da minha rabugice. No ano passado, tive o prazer de acrescentar mais um, que foi nadamaisnadamenos do que Machado de Assis, que nunca tinha lido direito. Por conta de uma disciplina na Universidade, li sistematizado vários dos seus livros. E foi um deleite. Era um período conturbado, infeliz, e posso dizer que Machado foi um achado, para usar esta rima semvergonhazinhadetãoóbvia. Porque é aí que eu quero chegar, na minha desconfiança de que a literatura brasileira sofre do mal da obviedade, sem quase nunca chegar àquilo que realmente esperamos de uma grande literatura.
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No fim do doutorado, atrás de um rumo que quase um ano depois ainda não encontrei, decidi-me leveefaceira especializar-me em literatura brasileira contemporânea - porque se tem algo que gosto menos do que a literatura brasileira é a tal da nossa literatura de formação. Salvo uma e outra exceção, a meu ver, literatura no Brasil só a partir do modernismo, e ainda fazendo uma limpeza bem grande. Meu plano segue, cochomoledevagar, mas segue. Tem até seus devidos afunilamentos, e a relação entre biografia e ficção é uma delas. Daí, claro, com o empurraozinho do Halem, eu ter chegado a Quase Memória, do Carlos Heitor Cony, que promete ser um misto de ficção e memórias relacionadas ao pai do autor. Digo isto para não pôr a culpa por inteiro no Halem - porque depois de todos estes volteios, é lógico que não me resta dizer outra coisa senão declarar o que agora é óbvio: que eu não gostei do livro. Direito meu, penso aqui entre meus vômitos. Dá vontade de agir como uma menina birrenta e dizer: "Não gostei e pronto. E ninguém me obriga!" Mas, vejam, o meu ganhapão vem justamente do fato de eu ser professora da tal ditacuja! Vivo repetindo a mim mesma que não adianta nada eu ser uma ávida leitora de outras literaturas se não souber o beabá da que eu sou paga para saber! Mas eu me pergunto também: a crítica no Brasil precisa ser tão tacanha? Precisa eleger ao panteão qualquer borrabotas que saiba contar uma boa história - certinha, esquemática, previsível? Tudo bem, não estou chamando Cony de um borrabotas. Estou quase. Mas quase ainda não é chamá-lo. Assim como o Quase memória dele não sai de um quase, eu fico por aqui. Ele é um ótimo escritor. É jornalista de formação, todos os pingos nos is, o que neste país de poucas linhas já é muito. Mas não é o bastante. Quase memória ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance no ano do seu lançamento. E o Jabuti, vocês sabem, é o prêmio mais importante destas terras, que faz, entre outras vantagens além da financeira, com que o ganhador obtenha um razoavel destaque nas mídias tupiniquins, fazendo com que um e outro se interesse pelo livro etaletal. Mas Quase memória não é um bom romance nem aqui nem na china nem. No máximo é, como disse Halem, um bom anedotário. E deveria ser, dentro da obra deste autor, aquilo que os franceses chamam de "obra menor". Custavam ter dito isto? Deve custar, afinal "tantos anos que Cony não se aventurava pelo romance", agora vem com este "livro comovente", "ponto alto na produção literária brasileira". Poupem-me! É o que dá dar atenção à crítica de livros! (esclareça-se: não foi o Halem quem disse isto, mas está na contracapa do livro para quem quiser ver). Injuriada, eu fiz questão de ir até ao fim, porque, debilitada fisicamente, eu precisava mesmo ler estas histórias engraçadinhas, assim como qualquer cidadão médio deve precisar de uma novela como Caminho das Indias. Porém, se por acaso tiver um grau de exigência mais apurado, certamente não encontrará muito neste livro nem em Caminho das Ìndias - anedotas. No caso do Cony, bemfeitinho, bemescritinho, engraçadinho, mas só. E ponto.
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quinta-feira, 19 de março de 2009

espanto

o primeiro espanto é o do corpo. antes de qualquer racionalização ou emoção. os seios que parecem querer saltar é apenas o mais visível do espanto. uma pequena revolução parece se fazer à revelia. o que chamam de enjoo é mero eufemismo. sinto um mal-estar geral. e a vontade de ser uma grávida espevitada não é alcançada. um dia, penso: sou aquela que hospeda. não qualquer hospedagem. mas penso naquela teorizada por Derrida. uma hospedagem tão plena que desapropria. uma hospedagem incondicional. e a casa é o meu corpo. por isso, reage. parece querer expulsar este estrangeiro que chegou - sem avisar. vomitar parece ser o caminho escolhido da expulsão. por outro lado, como aquela que hospeda, também me agrada pensar que é o contrário que ocorre: o que o corpo tenta expulsar é o acessório, o desnecessário, o dispensável, para que o lugar fique por inteiro confortável para aquele ou aquela que chega. a imagem de um bebê boiando no que parece ser um vácuo dentro de mim parece confirmar as minhas suspeitas. ignorando todo mal-estar, toda lezeira, e até a dorzinha no pé da barriga que assombram a mim e aos médicos, ele ou ela desliza para lá e para cá num balanço imaginário. o coração parece uma estrela. como marinheira de primeira viagem, custo a saber que aquela estrela que pisca é o coração. digo frases que soam muito engraçadas mas são espanto: "parece um bebê mesmo!" e o médico, acostumado a estas leseiras, sorri e afirma enfático: "é um bebê!". sim, é um bebê, embora com leve aparência de girino, lembra o pai para não perder a piada diante daquele cabeção. e por falta de nome, e para espantar a impessoalidade, passamos a chamá-lo de poeminha. o poeminha ou a poeminha. e eu, a morada.
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segunda-feira, 9 de março de 2009

Um rebento


Pela manhã, eu chorei.
À noite, ganhei a flor com a chupeta.
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Depois, dormimos sonhando nomes.