sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ano ano ano, venha

Em tempos de tempestades
Diversas adversidades
Eu me equilibro, e requebro
É que eu sou tal qual a vara
Bamba de bambu-taquara
Eu envergo mas não quebro

(Lenine/ Carlos Rennó)




No fim de ano,  tudo fica meio em suspenso. Eu fiquei dois dias sem dormir - e não é modo de falar - na tentativa de colocar a vida em dia, antes de vir para a casa da minha irmãManeca, onde estão meus pais. Mesmo assim, trouxe serviço na mochila. Muito.  Com duas exceções, quando cheguei, desisti de fazer qualquer coisa. Abri um hiato. Até mesmo O homem sem qualidades, que eu tinha a esperança de poder colocar como um dos livros lidos de 2011, quase não foi aberto. 

Na verdade, eu estou com uma sensação de cansaço. E é contra ela que eu luto agora. Em 2011, foram muitos os momentos maravilhosos. Mesmo assim, terminei com um sentimento indefinível de "algo fora da ordem". Não que eu goste só da ordem. É que estou com o sentimento besta de vazio. Questões irresolvidas em mim. Decisões que já havia tomado e não levei adiante, como a de não trabalhar nos fins de semana, que consequentemente daria mais tempo para me dedicar ao que amo e a quem amo. Daí, a maior parte do tempo ter sido de trabalho, num ano em que perdi muito da alegria que o trabalho na Universidade me dava. Lá mesmo, involuntariamente, estive muito perto do lado mais feio e terrível de pessoas. E essa sensação indefinida tem um pouco de horror de perceber o outro dessa forma. Poucos dias antes de vir para cá, um fato em especial me chocou profundamente. Vi muito de perto a intolerância, a maldade, o preconceito virarem atos de loucura e total desrespeito ao outro. Sobraram horrores e faltaram brechas, embora elas tenham existido. 

Em 2001, foi o ano em que li Anna Karîenina. E mais uma meia dúzia de livros que nada tem a ver com meu trabalho de professora. Consegui manter isso. Pena que deve ter sido o ano em que menos vi filmes e ouvi música. Por outro lado, viajei um mês inteiro::: fui a Flip, a Curitiba, a São Paulo por duas vezes. Vi as cataratas do Iguaçu - e achei que aquela imensidão de água bem poderia ser chamada de milagre. E eu e Tatupai temos em nós a alegria de estarmos conseguindo envolver o Poeminha num ambiente de amor, risadas, milhares de beijos, abraços e "uhhhuuuuus" (nossa concepção de cama nunca foi tão parecida com a de um parque de diversões, em que cambalhotas acontecem a qualquer momento!). Em troca, vivenciamos diariamente a existência de um menino que dá risada de corpo inteiro, que beija, abraça, acaricia rostos, mãos e queixos como quem sabe que tudo de bom vem pela via do carinho. Então, não foram poucas as vezes em que, de emoção, chorei e proferi minha frase favorita desde que adoeci: "Ainda bem que não morri".

Por isso, a última postagem do ano merece pontos de luz, mais do que fados. Eu estou de novo acreditando que será um novo ano verdadeiramente feliz, a matéria-prima de toda e qualquer relação - com o mundo, com as pessoas, com nós mesmos. Planos não faltam. Nem projetos. Nem promessas. Nem resoluções. Nem desejos. Está tudo aqui em mim esperando para se tornarem fatos, acontecimentos, momentos, vida, enfim.
*
*
*
Por fim, um abraço bem abraço para meus dois ou três leitores que por aqui passam. Sempre quero escrever aqui mais do que consigo. E sempre quero escrever porque escrever aqui é uma das minhas alegrias.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Ser mulher sem tempos mortos


Realizar algo em que se coloca muita expectativa pode ser meio caminho andado para a decepção, para a sensação de que a imaginação era muito maior do que o acontecimento. Um risco. Falo ainda da peça Viver sem tempos mortos, direção de Felipe Hirsch, com Fernanda Montenegro. A outra peça que eu escolhi assistir nos poucos dias que fiquei em Sampa – Prometeus – mais me decepcionou do que causou admiração. Daí, o temor.

Quando me sentei na penúltima fila da plateia, porque não havia mais nenhum lugar mais próximo, ao lado da manaMácia, para assistir a Viver sem tempos mortos, eu me dei conta do risco.  E como pensamento não tem rédeas, no momento mesmo em que Fernanda Montenegro entrava no palco, eu pensava: “Caralho, será que vai ser bom? E se eu estourei, mais uma vez, o tal orçamento doméstico em vão?"

Quando Fernanda, já sentada na cadeira da qual ela só se levantaria uma hora depois, começou a falar, passando a ser Simone de Beauvoir, esqueci imediatamente esses pensamentos tolos. E ora com tristeza, ora com alegria, ora com emoção, de forma indefinida e veloz, eu senti ali imensa consciência de ser uma mulher; não por ter nascido mulher, mas por ter me constituído como tal, porque as batalhas de uma mulher são e sempre serão diferentes das do homem.  E é um risco muito grande ir ao encontro da liberdade. Não falo daquela liberdade emancipadora e por vezes autoritária, que tantas vezes foi a minha guerra. Falo da liberdade de poder ser livre sem perder a ternura – saber-se presa a algo, a alguém, a alguéns, e ainda assim manter o desejo e, com ele, escancarar as portas.

E por que não saber que, às vezes, não temos como ir além porque seria estrangular demais os próximos passos, e outras vezes, estar disposta a estrangulá-los? Eu achava até então que o nome disso era maturidade, e me achava próxima a ela, embora a imaturidade, o egoísmo, a displicência, não me abandonem por mais que eu peça aos deuses. Porém, assistindo a Viver sem tempos mortos, eu me senti, ao invés de madura, mais livre. Livre, por exemplo, para enterrar os passados ruins (porque nunca é apenas um); livre para vivenciar com mais leveza  as insatisfações do ambiente profissional e continuar escavando ali o que me detém, e mais livre ainda para desejar o porvir nunca mais desacompanhada. 

Como é possível tanta potência diante de uma mulher sentada, falando como se fosse outra? Eu me vejo obrigada a me despir de toda teoria para dizer simplesmente que, se não é apenas a arte que pode nos levar a tal estado de potência, ela é, sem dúvida, uma das manifestações mais eficazes.      
*
*    
Imagem borrada do teatro Raul Cortez, onde está Viver sem tempos mortos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Lira

Por que Lirinha, com sua fragilidade tão escancarada, com sua sensibilidade tão à flor, me chama a atenção? Será por que sua música, embora revestida agora de toda espécie de parafernália eletrônica, é ainda dolorosamente sentimental, como um pedido de socorro que não quer ser atendido, justo para que possa, sendo música, ser dor? São seus tecnomovimentos que tornam ainda mais visível seu diminuto corpo, oscilando entre ficar em pé e uma queda que acaba por se mostrar apenas possível. É tão bonita a sua performance solitária que chega a doer; dessa vez, sem aquela camisa larga e branca de galã e sem seus companheiros de cordel encantado, que lhe davam um suporte de deus, ele é, mais que nunca, um sujeito só urrando seu espanto diante do inapreensível do real. Daí, os hinos de amor, de perda, de saudade, que são tanto o show que vi no Auditório do Ibirapuera, quanto o cd recém-lançado de nome Lira. Como um passe para a vida adulta, até o diminutivo Lirinha foi abandonado. E ele teria conseguido a maioridade, “se não fosse o amor”, como ele mesmo profetiza. Toda fuga é fuga de si mesmo. E ele continua ele mesmo, menino doente de poesia. A vontade que sentimos de cuidar dele é certamente maior do que a dele de ser cuidado. Pois é essa falta de cuidado consigo mesmo que faz com que seus versos, e a disposição de entoá-los como um trovador muito antigo, sobrevivam, pairando acima de tudo.     





quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Augusto de Campos e Caetano Veloso::: eu fui

Eu conheci a poesia através do meu amigo Binho. Trago em mim aqueles dias de conversas sem fim. E ele é um poeta visceralmente apaixonado pela poesia concreta. Fui por esse caminho, embora ainda hoje não seja grande leitora de poesia – aliás, não sou grande em nada. Dispersa, cultivo diversas paixões, que me causam muito mais experiências do que conhecimento. Para se ter conhecimento, é preciso memória. E eu sou desprovida de tal. Então, não à toa, chegando a São Paulo, depois de 24 horas entre ônibus, aviões e aeroportos, eu tenha ido assistir a um pedacinho da Balada literária, justo aquele pedacinho em que estavam Augusto de Campos, o homenageado desse ano, e Caetano Veloso. Eh momento raro! Podem dizer o que quiserem, mas eu era toda emoção quando os vi bem a minha frente. Não podia nem abrir a boca para reclamar de um tal Vitor que, ao mesmo tempo sabido e inconveniente, tumultuava o pequeno salão do B_arco. Se abrisse a boca, cairia no choro. E foi assim que os ouvi, relatando curiosidades, encontros, trocando gentilezas, agindo como se confidenciassem a nós o amor mútuo de uma vida inteira. Assistir a esse encontro não acrescentou nada ao que eu já sabia sobre eles, sobre poesia, sobre o tropicalismo. Tudo está nos livros. E eu não sei mais dizer quantos livros já li sobre o assuntoo, sempre com interesse constante. E a música de Caetano nunca para de tocar na vitrola daqui de casa. Para mim, seus movimentos foram determinantes para a música e a literatura no Brasil. Por que, então, a necessidade de vê-los e ouvi-los de perto? Talvez pela desimportância, para poder guardar no meu íntimo a alegria de ter visto dois seres que, sem jamais terem dirigido algo diretamente a mim, há tanto tempo fazem parte da minha vida.





quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sobre a amizade

Propositalmente, fui para São Paulo dois dias antes do encontro com meu irmão Ferdin e minha irmãMana (sim! o de acaso em acaso tem muito a ver com ela), para ter tempo de encontrar duas amigas. Ando sentindo falta dos amigos. Não porque não os tenho aqui, mas porque tenho muitos espalhados mundo afora. E como um ser nada afeita a telefone e cada vez mais afastada das redes sociais, sinto por vezes solidão de amigos. E doi em mim, assim como doi nos amigos, essa distância toda. 

Para cada amiga em Sampa encontrei um novo jeito de me relacionar, de estar, de olhar se a amizade ainda vingaria, depois de três anos e meio de distância. Verificar, enfim, se o amor ainda dizia. E ainda diz, claro, mas de modo diferente. Primeiro, fui para Anaflor. Neste intervalo de tempo, ela virou mãe da Júlia, uma linda menina que da idade do Poeminha fala pelos cotovelos. E é doce doce doce. Ficamos, assim, ligadas pela nossa vida, tateando nossas confidências, nossos desejos comuns. 


Depois, fui para a Lan. E bem que todos os encontros deveriam ser assim. A delicadeza, a alegria, muita cerveja, caminhada pela noite adentro e a conversa como se tivesse sido interrompida no dia anterior. Senão a cumplicidade do dia-a-dia, a confiança dos dias que passaram. Bonito bonito bonito. Noite das mais lindas, para provar que a beleza, a inteireza, da amizade existem, e só precisamos saber onde buscá-las.