sábado, 30 de novembro de 2013

os aprendizados do Poeminha. e as alegrias tantas.



em vão eu tento "domesticar", dar ordem, fazer a distinção entre o brinquedo e o objeto; em geral, um objeto que nomeio como meu; objeto que custa dinheiro, que tem valor pra "mamãe". a fantasia sem freios de Poeminha homogeneiza tudo. tudo é brinquedo, tudo é matéria para um fazer-a-mais.as prateleiras das estantes viram pistas de carro, o saleiro vira mesmo saleiro, e não se sabe de onde ele tirou tanto o gosto de sal, a cadeira de design vira suporte de escrita, a porta da geladeira é uma pista onde imãs amalucados fazem círculos, o depósito de sutiã para lavagem na máquina ora vira garagem de carrinhos, ora enormes peitos que se juntam ao meu peito; a lanterna do pai serve para um jogo de luz que, de debaixo da mesa, ele orquestra e comanda sobre o que deve iluminar ou não. o sofá é o depósito dos copos, é o lugar do pula-pula, por falta de.; a caixa de fósforo acende e o olho brilha; a máquina fotográfica tira fotos mesmo e isso o fascina. as fitas adesivas viram arco-íris que se espalham pela casa. e ainda "obras de arte". 
.
daí que devo guardar:::: o tom do seu "acho que sim". "acho que não". e o "sim". e "que foi?" - quando, surpreso, busca entender. ou ainda: "éeee", quando também tenta entender. e enquanto os pés dançam doidamente, diz: "meus pés estão doidos".

ou, depois de pensar por alguns instantes, após alguma idiotice minha, tasca: "por que eu tenho que pedir desculpas "mumigo" quando grito, e você não?". fico ali, então, desarmada, buscando a explicação mais inteligente possível, uma explicação que dê conta de um raciocínio tão completo, tão inteiro, tão filho meu. é isto, filho. deixe não. agora você grita e eu tento lhe dizer que isso não é legal. mas não esqueça que eu também não devo gritar. responda sempre na mesma altura, na mesma justeza. faça valer os dias, pois na vida é preciso um tanto de coragem:::  e aquele dia? depois de perambular pela revistaria do aeroporto, lá no alto, vê um livro e aponta. olha, folheia e diz: "quero este. posso?". pode, sim, filho. pode. e esta é a beleza. 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Vanguart


Continuo achando que o Hélio Flanders tem muito sex appeal no palco, apesar do bigodinho ridículo. Bob Dylan é o fantasma de Flanders, mas convenhamos que não é de todo mal ter Bob Dylan como fantasma. No novo álbum, tem coisas do tipo:

vou embora, 
mas vou te levar comigo
vamos juntos pra ver o sol nascer...

E "Demorou pra ser":

(você é a vida da minha vida)

enquanto eu tiver saúde
enquanto eu tiver de pé
enquanto a gente se amar
enquanto a gente ainda tiver
um coração tão cheio
tão cheio de amanhã
vê? meu coração tão cheio
estou aqui

E ainda:

eu vou até o final,
eu vou até te ver
sob águas claras: carvelas
sigo a estrada do sol no céu
em sonhos antevejo teus vales
respiro a américa
repetindo: - eu vou até o final
eu vou até chegar

O título do novo álbum é "Muito mais que o amor", mas tem muito de amor. Talvez não tenha aquela dor de amor quando o amor acaba. E tem trompete e violino, que cria um tom intimista em várias músicas. Faz tempo que percebo que os músicos - aqueles que antes chamávamos de roqueiros - cada vez mais cantam o amor. E mais que isso, cantam o viver-bem, a passagem do tempo, a vontade de que as coisas deem certo. Claro que falo daqueles que estão envelhecendo junto comigo: Arnaldo Antunes, Lenine, Marcelo Camelo etc.. Desapareceu a raiva. Ainda sinto falta do grito, mas agora bem menos. Como eles, ando sentindo vontade de andar descalço, de olhar em volta, de cuidar mais de mim. E aí, vem todo o movimento: músicas no ipod, dois romances pela metade, o livro de 1000 páginas e terça com cara de sexta.

domingo, 17 de novembro de 2013

Anotações para futuras postagens

[1]
Sempre que fico um tempo com minhas irmãs, ou fico muito eufórica, ou muito pensativa. Ou alterno os dois sentimentos. Sempre me assombro com as semelhanças, inclusive físicas. Nestas horas, é quando penso como há muito de "determinação" nas nossas atitudes diante do mundo. Daí, a razão dos dois sentimentos. Já pensou poder colocar toda a culpa na genética? seria a glória. o problema é que não é só uma questão de culpa. Também há o pensamento. E na mesma medida em que vejo, nas minhas irmãs, a configuração dos meus entraves, vejo também as minhas levezas, embora estas, menos. O que será mesmo de mim? O que me distingue? Prometo escrever sobre isso depois.

[2]
Sou tão gastona como a minha mãe. E digo isso sem orgulho. Acho que muito do olhar impiedoso da minha mãe sobre nós advém das necessidades que os desejos materiais impõem. Isso de precisar de dinheiro para comprar. Eu tive mais sorte do que ela no quesito salário. E também tive mais sorte em relação ao que esperar do outro, pois desde muito cedo me veio uma espécie de certeza de que apenas eu deveria ser responsável pelo meu sustento e, consequentemente, pelos meus excessos. Quando eu ainda me orgulhava de ser gastona, eu costumava dizer que era uma mulher cara, com a vantagem de que me bancava. Agora, eu queria ser menos gastona com coisas materiais. Ando sentindo cada vez mais vontade de ter dinheiro para cair no mundo, o que tem sido cada vez mais difícil; agora que sou também uma família.

[3]
Fico abismada como há cada vez menos público para a cultura. Vejo aqui na mostra de cinema que promovemos no campus de Vilhena da Unir - que nunca se pareceu com um campus, mas cada vez mais me parece um depósito de pessoas que não sabem exatamente o que querem - mas sabem com certeza que não querem o que um curso como o de Letras pode oferecer. Mas vejo também em outros lugares. Minha família também vive ao largo de uma certa movimentação cultural que há em Porto Velho, coordenada pela prefeitura e pelo Sesc. Acabei de chegar de lá e senti bem isso. Havia poucas pessoas no I Festival de Arte e Cultura, promovido pelo Universidade. Às vezes, penso que isso não deveria me incomodar, mas incomoda. Sobretudo, incomodam-me os jovens presos aos seus celulares e a uma vida em que o horizonte de coisas cotidianas interessantes parece se resumir a jogos nos seus celulares. Penso, às vezes, que todos estão usando esta prótese, porque no fundo sabem o quanto são desinteressantes, o quanto não sustentam uma conversa, pois não têm nada a dizer a quem está ali do lado. Estou mesmo ficando velha. Mas não o suficiente para esquecer que, embora fosse menos falante do que hoje, sempre tinha o que dizer a quem estava ao meu lado. Agora, o que tenho vontade de dizer já não há mais quem ouça. Também já não consigo alcançar a quem realmente queria, mesmo a alguns a quem amo de amor grande, mas que os dias distantes tiraram a intimidade.

[4] 
Algumas amizades ficam intactas no decorrer dos anos. Ter encontrado a Márcia, o Binho, a Ida, o Manu, nestes dias me confirmou esta grande alegria. Não que seja como antes, mas o fato de ser quase como antes, de ainda haver uma cumplicidade grande que nos permite dizer as maiores besteiras sem nenhum constrangimento, que nos deixa contar antigas histórias às gargalhadas, rindo de nós mesmos, já é uma façanha e tanto. E há também outras pessoas bonitas que me dão muita vontade de investir na amizade, embora eu seja meio ruim em fazer isso, como o Dudu e a Mariana. E ainda aqueles que sempre que vejo de longe, tenho certeza de que se fosse menos desatenta - ou menos tímida nas abordagens - gostaria muito de ser amiga, como Rinaldo e Deivis. E há os que rodeiam todos eles e que me enchem de ternura. São muitos. Carla, a quem sempre acho que deveria conversar mais, Fernando que me parece tão bonito, Ariana, tão doce e tão forte, Joéser, artista tão inteiro. Edinei, que amo tanto de coração. E tantos, tantos outros.

[5]
Chorei quando vi alguns dos "envolvidos no mensalão" entregando-se à polícia. Ao mesmo tempo que precisamos de uma noção tão movente como Justiça, dá um certo terror averiguar como o ser humano é frágil diante de decisões que se vestem sob o manto da justiça (e um caso de foro íntimo nestes dias só aumentou minha perplexidade!). Acho que levaremos muitos anos para entender o que realmente aconteceu, mas tenho a firme convicção de que não é nada disso que a grande mídia tenta nos vender. Joaquim Barbosa não é o salvador da pátria. E nestas horas, penso nas nossas profundas mesquinharias individuais, nos nossos grandes abismos, e só consigo pensar que tudo é obra do humano, que por sua própria natureza não tem como ser salvador de nada.

[6]
O livro que estou lendo é O remorso de baltazar serapião. Ontem, depois de umas cinquenta páginas, no ônibus, tive que parar. Era terrível demais o que lia. Como mulher, senti todos os meus "buracos" expostos, sob perigo de serem violados. Que livro é este, jesuscristinho? Que condição é esta, a nossa? Chorei choro mansinho. Não queria assustar ao Poeminha, que dormia tranquilo ao meu lado. Fazia tanto tempo que um livro não fazia isso comigo, de me fazer chorar, assim, sem vergonha nenhuma, sem nenhum melodrama. De me obrigar a parar porque não tinha condições de continuar.

[7]
Tatupai acaba de me ligar. Diz que, na ilha, sentiu uma saudade danada de nós dois. De mim e do Poeminha. Ficou imaginando que se algo acontecesse conosco, ele estava na condição de não ter como saber. Penso que ele sentiu algo próximo ao que sinto a cada vez que lembro que fui para a mesma ilha sem levar o remédio de alergia do Poeminha. Faço mil cálculos mentalmente tentando calcular se, diante de uma crise, teria como salvar meu filho sem o tal remédio. E a cada vez vejo que, devido à distância, não tinha e me mortifico diante do ser avoado que sou. É loucura. Mas vou dizer que é loucura advinda de um sentimento de amor desmesurado. E quem tem a sorte de ter amores desmesurados? Pois é assim.
*
*
Sobreviveremos todos, não tenho dúvida. Talvez pela lógica reinante no mundo, sejamos uns perdedores, uns avoados diante das ordens práticas do mundo. Para mim, somos uns sonhadores. Da estirpe dos que não se desgarram dos seus sonhos diante das monstruosidades. Da estirpe dos que, diante de janelas fechadas, consegue tirar dali alguma beleza.
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domingo, 10 de novembro de 2013

Sucumbir e atravessar


“O homem é uma corda, atada entre o animal e o
além-do-homem – uma corda sobre um abismo.
Perigosa travessia, perigoso a-caminho, perigoso
olhar-pra-trás, perigoso arrepiar-se e parar.
 

O que é grande no homem, é que ele é um passar e
um sucumbir.
 

Amo Aqueles que não sabem viver a não ser como
os que sucumbem, pois são os que atravessam.
 

Amo os de grande desprezo, porque são os do
grande respeito, e dardos da aspiração pela outra
margem.”


Friedrich Nietzsche

(citação recolhida da belíssima tese de Daniel Abrão, sobre Catatau, de Leminski)


a cada vez que volto de viagem, volto grávida de desejos, de mínimos desejos; todos eles envolvem pequenas mudanças no dia-a-dia. nem eu mesma levo a sério essas miudezas, mas por dias e dias carrego-as comigo. é o de sempre::: assistir a todos os filmes da extensa lista já feita e continuar a fazê-la de modo diário, de forma amorosa. e ainda ler a enorme pilha de livros urgentes a serem lidos. dividi-los por prioridades, talvez. mas prioridades que digam respeito a algumas urgências, como ler mais hilda hilst, valter hugo mãe e, ainda, ler o novo livro de michel laub, quando ainda não consegui ler nenhum dos anteriores, e este antonio geraldo figueiredo, de que todos falam agora. mas, sobretudo, eu sinto vontade de voltar a ouvir música com a mesma constância de antes. e por isso, e por outras razões, itamar assumpção não para de tocar na nossa vitrola.

assim, desejos mínimos. como mínimo é o tempo. comecei semana passada um movimento que talvez me mantenha próxima a esses desejos mínimos. e comecei pela parte mais difícil: a leitura de um grande livro, de mais de mil páginas. não sei se irei adiante.  reluto em abandonar a sensação de beleza que me acompanha. começou o período das chuvas. e afora que o mofo se aproxima violentamente dos livros, gosto muito das chuvas, do ar brumoso das chuvas. não sei. sinto o gosto de estar reconciliada com a vida que agora acontece, embora existam tantas aparas a fazer. que bela concepção de sucumbir, esta de Nietzsche. e a ela me entrego metade. 
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terça-feira, 5 de novembro de 2013

kubrick no mis

Eu só tinha um parâmetro de comparação sobre a exposição da obra de um cineasta.  Em 2006, vi uma exposição sobre Pedro Almodóvar na Cinemateca Francesa - que até agora me parecia insuperável. Mas ao ver a de Stanley Kubrick, neste ano, no MIS, fiquei tomada por uma emoção intensa. 

Diante da exposição, e dos filmes, de Kubrick, é fácil perceber o cinema como uma arte que ergue tijolo a tijolo novos mundos, como se fossem do nada, embora sejam tão semelhantes ao nosso. Apresentam, no entanto, uma diferença radical, porque regidos por um gesto autoral que faz de cada detalhe um material para se pensar. Há uma assinatura Kubrick; uma assinatura que nos confronta, em geral, com o que há de mais inominável no humano.  E o fato de cada um desses mundos [desses filmes] ser rigorosamente distinto um do outro, é o que mais impressiona. Difícil um cineasta que tenha feito filmes tão distintos uns dos outros e que, ainda assim, seja (re)conhecido em cada um deles. Fiquei um pouco tonta. E ao mesmo tempo, inteira alegria. Nos espaços que foram montados para cada um dos filmes, há um rico material: roteiros originais, objetos, câmeras, muitos vídeos e fotografias; verdadeiras paisagens fílmicas. O fetiche do objeto. E na passagem de cada espaço, cortinas pesadas de veludo escuro. Ao fetiche do objeto acresce-se o fetiche do gesto, levando-nos por um labirinto de sensações, de imagens difusas dos filmes, das sensações provocadas por elas.  

E só uma criança para ver com toda a inteireza o quanto a marca da violência em Kubrick é também lúdica. Poeminha, que havia ficado muito entediado na exposição de Lucien Freud, no Masp, entrou e saiu das salas da exposição interagindo com tudo, com uma curiosidade sempre crescente.









sábado, 2 de novembro de 2013

daqui

(escrito em 28 de outubro)

a vida faz e desfaz. estou aqui em sampa com a familinha enquanto aquele que por diversas vezes cuidou de mim na longa infância está em algum lugar inominável, inabitável talvez, sem que eu saiba se ele vai voltar para que possamos, juntos, pagar a promessa que ele fez, quando achava que eu estava prestes a morrer. não. não. tenho um blog em que a tônica é o modo como interpreto a minha vida e os acontecimentos que fazem parte dela, mas jamais colocarei "luto" na minha página de facebook para correr o risco de "curtirem" com a minha dor. minha dor não é para ser curtida. é para ser vivida por mim. e só por mim. o homem que me ensinou a ouvir histórias não é, para mim, uma estatística. não. as estatísticas nada têm a ver o humano. a dor é íntima. dói aqui onde ninguém pode alcançar. onde não há plateia.

às vezes, me pergunto se toda esta gente sem face, no momento de cortar os pulsos, colocará uma foto minuto antes? e todos esses sorrisos sem alma ainda saberão sorrir longe das próprias câmeras? apesar de me identificarem como um ser alegre, e eu mesma dizer tantas vezes como cuido desta alegria, desconfio muito de quem quer pintar a vida de rosa todo o tempo. o que diabo as pessoas estão fazendo com as suas vidas? que pessoas são estas com as caras enterradas em seus celulares? com suas mentiras alegres? com suas tristezas sorridentes? com seus recados coletivos de amor ao próximo, trancafiados em suas redes de segurança?

não. não. prefiro quem sente. prefiro tocar naquele ponto em que nada parece fazer sentido. prefiro ter medo de mim mesma. prefiro assumir que meus desvãos são tamanhos. prefiro dizer que cada dia é uma negociação. comigo. com o outro. com a vida. com o que desejo. com o que tenho. com o que perco. com o que ganho. pois é assim. de tudo até aqui tenho certeza das minhas tentativas. somente das tentativas. e dos encontros. nada é perfeito. nada está exatamente no lugar. nenhum comercial de margarina. sei que posso perder tudo, como já perdi outras vezes. e por outro lado, sei também do esforço. da vontade. da cumplicidade que tenho com algumas pessoas - que tenho com Poeminha e com Tatupai, especialmente. se não vou chorar lágrimas públicas, não é porque não posso mostrá-las. é porque estarei bastante ocupada com o que as provocou. é também por isso que não escrevo neste blog tanto quanto gostaria de escrever. por diversas vezes, enquanto faço algo que considero que vale a pena ser compartilhado, prometo-me que escreverei aqui depois, mas a força da vivência acaba sendo maior do que a da partilha. não é mais importante viver? aprender a cuidar da vida?

na tarde em que fiz 39 anos, assisti a um musical infantil. foi e não foi bonito. porque, às vezes, a vida é assim. Poeminha sentiu a tal ponto. tudo. e dormiu no final. em algum momento, agradeci minhas lágrimas sinceras. só podemos ver a beleza, quando algo em nós permite que ela exista. estranho, não? posso não hoje explicar. também não posso fugir de um certo melodrama. prometo que é só hoje. daqui a pouco, vou agarrar meu filho pela mão e ver com ele a arte de Lucien Freud. poderia levá-lo ao zoológico, e vou me sentir culpada se não conseguir levá-lo (sempre há quem nos diga o que não é certo, o que deve ser feito!). e por outro lado, se eu pudesse pedir algo por ele, eu pediria aos deuses que meu Poeminha achasse mais importante admirar aquilo que é feito pelo humano do que gostar de ver animais enjaulados. porque talvez não exista nada mais importante na vida do que uma certa abertura para o mundo, uma certa curiosidade, um certo cuidado, um certo desejo que transcenda a miséria humana,  seja a nossa, seja a dos outros. 
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