domingo, 29 de janeiro de 2012

Hatoum, Kundera e os acordes requintados

Não foi por um gesto vago de amor - cada vez mais raro em tempo de tantas leituras obrigatórias - que acabei de reler Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum. Havia uma razão para a releitura. Havia um propósito. E o que eu quero comentar, antes de mais nada, é de que talvez tenha sido essa "obrigação" que me fez ler melhor o livro do Hatoum. Talvez meus dois ou três leitores se lembrem de que, mais de uma vez, já escrevi sobre esse autor. Na última vez, expressei meu desencanto - e expus as razões. Continuo encontrando problemas insolucionáveis nos seus romances pós Relato de um certo oriente e Dois irmãos. Mas um texto de Milan Kundera, lido logo em seguida à leitura de Órfãos, e a própria leitura, proporcionou-me uma pequena reconciliação com ele. No texto, Kundera comenta que todo romancista convive com o "esquecimento devastador" do leitor que percorre um romance construído como um "indestrutível castelo do inesquecível, apesar de saber que o leitor só vai percorrê-lo distraído, rápido, esquecido, sem jamais morar nele". 

E talvez por não ter lido distraída, tendo que fazer inúmeras anotações à cata de possíveis trechos passíveis de análise (que, no fim, nem será feita por mim, nesta tarefa espantosa que é ser orientadora de textos de outros!), eu tenha visto mais "acordes requintados" nesta leitura do que na feita anteriormente. Em Órfãos do Eldorado, em pouco mais de 100 páginas, Hatoum conta uma história perpassada ora superficialmente ora de forma brilhante por uma lenda da Amazônia. Uma narrativa muito próxima de uma discursividade oralizada, sobretudo porque o artifício é o de um narrador que conta para um passante a sua história de riqueza, amor, incompreensão e perda. Não há nada, aqui, que cause o espanto de Grande Sertão Veredas, que parte do mesmo artíficio. E só no finalzinho da narrativa, a linguagem se aproxima do que deveria ser a fala de quem conta: um homem perturbado, que perdeu a riqueza e o grande amor, e a quem toda a cidade chama de louco. Não é a voz de um louco a que lemos.  E lamento por isso. 

Por outro lado, as redes de relações estão bem amarradas, deixando várias indícios que só fazem sentido se o leitor... prestar atenção! Hatoum como que faz o seguinte: como seria esta lenda se fosse um romance? E faz o romance, contando a vida de um homem fraco e uma mulher misteriosa. E a Manaus que surge daí, a história com seus jogos de identidade, não me causaram tanta antipatia como antes. Talvez porque minha própria concepção de literatura esteja mudando aos poucos, talvez porque simplesmente seja uma boa história. E Hatoum seja mesmo um grande escritor contemporâneo.
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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

As praias de Agnés

As praias de Agnés é um dos mais belos documentários a que já assisti. E ao dizer isso logo penso que não me expressei bem. Poderia dizer, sem titubear::: um dos mais belos filmes. E ainda assim, falta-me a palavra exata, porque As praias são um exercício de dizer de si própria na forma de um ensaio visual. Em vez da escrita, a imagem. E que imagens? A da vida da cineasta Agnés Varda, que assina o filme. E a vida, aqui, está de tal modo entrelaçada com o fazer artístico que é impossível não se apaixonar por essa senhora tão cheia de fantasias. E mais ainda::: é impossível não desejar uma vida com tantas experiências-acontecimentos. A sua expansividade, a sua paixão, a sua intensidade pertencem a um mundo que me parece cada vez mais inabitado. E ao dizer isso logo penso que não me expressei bem. Talvez tenha sido sempre assim. Os artistas, os verdadeiramente tomados por uma força criativa e criadora, são quem vive da forma mais inteira possível, desligados do comezinho da vida.

Posso estar sendo idealista, mas é o que o filme da Agnés me suscitou. Ao tratar de tempo e memória, como toda autobiografia, ela me fez lembrar de outro autor-personagem, muito mais do que de seus colegas da Nouvelle Vague. Lembrei de Federico Fellini. Não especificamente dele, mas das personagens de seus filmes, aqueles loucos cheio de esperanças, apesar das dores. Nada é totalmente estranho ao discurso autobiográfico, mas o que emana daí é uma alegria genuína diante daquilo que escapa desse discurso. Diferentemente do que normalmente acontece, não vemos apenas os fatos "marcantes" de sua vida. Aquilo que, inicialmente, não lhe diria respeito muitas vezes toma conta da tela, e justo essa "colagem", esse "inesperado" se transforma, bem diante de nós, numa cena inesquecível que diz respeito ao outro, e não a ela mesma, a autobiografada. Assim, o outro é o protagonista deste documentário que, filmado em 2008, é uma espécie de testamento de uma vida dedicada à arte. Um testamento que é também testemunho.
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Tudo essa declaração apaixonada para anunciar que estou empenhada em voltar a assistir filmes com a constância desejada - que o diga Cildo, documentário de Gustavo Moura, que vi sábado assim que acordei, com o Poeminha transitando para lá e para cá, como se também tivesse adorando o filme. Queria muito escrever sobre A ilha de Bergman, documentário de Marie Nyrerod, para relembrar aos meus três ou quatro leitores o quanto sou apaixonada pelo cinema desse cineasta. Ou escrever sobre Bob Dylan - Dont look back, de D. A. Pennebaker. Mas deixa pra outra hora::: que as horas sejam minhas amigas, é o meu desejo.  

domingo, 22 de janeiro de 2012

os dias com ela

o fim de ano foi mesmo, para mim, fim de feira. queria escrever, mas calei. e já estamos quase chegando ao fim de janeiro. tempo tempo tempo. escrevi para mariamada: "conviver com amores partidos é como caminhar num campo de flores com cacos de vidros escondidos". eu passei anos me cuidando para não me sentir assim em relação a ela. aí, ela veio. e algo se partiu, sem palavras, sem grandes gestos. e quase sem nenhuma lágrima. e agora... é agora. jámeiodistanciadadosdiascomela, eu me pergunto ora por que ora se precisaria ser assim. ela -  que tem nela uma amargura atávica àquelas a quem pôs no mundo. 

e se um silêncio indeciso toma conta de meus dias, algumas alegrias apontam para o porvir. porque o tempo - e o horror que ele nos impõe - às vezes nos faz desviar do travo amargo. e ainda que reste em mim cinzas que teimem em não desaparecerem no ar, que existam sobras que exalem um cheiro de podre, eu carrego amores imensos. e são eles que protegerão meu filho de mim, uma mãe também. assim:::: um buraco na fechadura, um afagar de mãos antes que o sono tome de conta, um abraço que só alcança a perna, mas que se balança e pede um minuto de amor - que se estende por dias infindos. um passarinho. e eu me esforço para enxugar as asas que por ora, molhadas, pesam sobre mim. para ser, de verdade, uma mãe. não uma mãe triste. uma mãe. que ama.
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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

perto da casa da infância i e ii

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

mimo



que eu gosto de decoração, meus dois ou três leitores que passam por aqui já sabem. Nem por isso, marinheira de primeira viagem, deixei de errar ao arrumar o quarto do Poeminha. Mandei fazer baús que até agora, por serem pesados e grandes, não servem para nada. Os brinquedos, indomáveis, migram para todos os cômodos e a mim cabe pisar neles, quase escorregar e, no fim da noite, recolhê-los para no dia seguinte deixar livre os espaços para as novas cirandas. Comprei o berço maior e mais bonito da loja e ele usou dois meses. Vieram os deslocamentos, as distâncias, os mimos. E agora só ocupa espaço. Mandei fazer uma cama com um marceneiro que eu não conhecia, e ficou simplesmente horrível. Um coisa medonha que quando a conta corrente ficar mais amiga será substituída de imediato. O guarda-roupa, mandado fazer sob medida, é mal distribuído e não parece lá muito branco, sua cor que deveria ser.

Por essas e outras, o quarto do Poeminha, solenemente ignorado por ele, que prefere dormir conosco (ops! comigo!!! eeeeeeehhh), é mais um depósito de brinquedos do que qualquer outra coisa. Porém, lá tem três objetos bem bacanas: a cadeira Charles Eames, ocupada pelo Cebolinha e o Woody; o quadro do Yellow submarine e o cabideiro Hang it all, também dos Eames.

E este último tem uma história daquelas.  Demorou demais a chegar. Eu moro na mata, como todos sabem. E o frete para mata não é de brincadeira. Eu comprei na Desmobília online e enviei para a casa de uns amigos, em São Paulo, que me prometeram enviar para cá a preços bem mais aceitáveis. Mas meus amigos  - leitores e malemolentes - deixaram-no lá, esquecido. E só quando eu fui, em julho passado, com mais de um ano de comprado, é que eu o trouxe. Finalmente, ele ocupa seu lugar de direito. Adoro. Gosto de tudo dos Eames! Tudo é delicado, como pronto para habitar uma casa de boneca. E é útil, muito útil. Ao contrário das outras coisas...

(ando assim neste início de ano::: querendo casa, amando a casa, cuidando da casa...)
e
m

p
a
z
!