sábado, 20 de novembro de 2010

Tatumãe

 Pedro - saudade! - e Poeminha no primeiro dia em que demos água no canudo e ele prontamente aceitou 


Li agorinha no blog da Rê sobre amamentação, e resolvi também escrever. Já quis muitas vezes falar sobre este assunto. Pois foi um dos maiores espantos da minha história de mãe descobrir que não era "natural" apenas amamentar nos seis primeiros meses de vida do bebê. Ainda bem que sou teimosa. Entraram por um ouvido e saíram pelo outro os milhares de conselhos que recebi para dar chazinho, um pouquinho d'água, um mingauzinho, um leitinho na mamadeira ao Poeminha. Mas como assim, se desde que me entendo por gente ouço que o bebê não precisa mais do que do leite da mãe? 

Uma só vez caí na besteira de dar um chá, pois ele estava febril, mas ele vomitou. Era só o que eu precisava para ficar surda de vez aos apelos das pessoas a minha volta. E por que caí? Porque a pressão realmente é grande. Eu me sentia maltratando-o. Por outro lado, tinha certeza de que ele não sentia fome. E não posso dizer que amamentá-lo foi tranquilo desde o início. Aquelas propagandas lindas de aleitamento materno, mãe toda de branco, com bebê sorridente, não rolaram aqui em casa. Cheguei a odiar estas propagandas, chamando-as de mentirosas ou, no mínimo, escamoteadoras das dificuldades. Algo como aquelas sobre leitura com o slogan "ler é prazer". Nos dois primeiros dias eu não tive leite, mas devia ter algo lá que o satisfazia, sei lá. E durante mais de um mês meu peito direito ficou ferido. Ferido MESMO, com direito a casquinha que saía a cada nova mamada. Nada que eu colocava sarava o danado.  Um dia, quando percebi, a boca do Poeminha estava cheia de sangue - e uma bola de sangue no meu então enorme bico de peito. E haja pesquisar na net a melhor maneira, a posição mais adequada, até que meu obstetra, e não o pediatra, acertou a pomada.E doía? Doía pracaralho. Mas eu trincava os dentes e continuava. E por que continuava? porque não concebia fazer diferente. E porque, apesar das dores, logo me apaixonei pela delícia que era amamentar. A cumplicidade destes momentos não tem igual. Para mim, foi uma forma de continuar doando o corpo ao meu filho, de criar este vínculo que só vem de verdade se houver proximidade, entrega, emoção. 

E já havia decidido amamentar até quando ele quisesse, quando veio minha doença. Nos primeiros cinco dias no hospital, em Porto Velho, ainda burlamos a segurança e o Tatupai levava-o para amamentar. Mas já na viagem de volta para Fortaleza, eu percebi que quase não tinha mais leite. Ele já mamava por carinho, dengo, mas olhava tristonho para o peito e resmungava. Nem eu aguentava mais segurá-lo, nem havia mais leite. Ele tinha então  dez meses e já comia tudo. Ainda assim, foi um baque grande. Pior do que isso só ficar em seguida 12 dias sem vê-lo e mais de dois meses sem conseguir segurá-lo nos braços. 


E ainda tem a novela depois que ele completou seis meses: decidimos seguir uma dieta que eu também achava que toda mãe razoável seguia: sopinhas, comidinhas, muita fruta, sucos sem açucar e nenhum mingau, já que ele continuava amamentando. Desde o início, Poeminha foi bom de colher. Mesmo assim, foi bombardeio de todo lado. Diziam que sem mingau, ele passava fome, que suco sem açúcar era um horror, que fruta não alimentava, que tirávamos todo o "direito" da criança e por aí vai. Ainda hoje há cobranças, mas continuamos como dantes: sem dar ouvidos. 


Quero esclarecer que não sou xiita. Se dão um suco com açúcar, não faço escândalo; se alguém está tomando sorvete, e ele fica com cara de cachorrinho pidão, eu deixo dar um pouco, e eu mesma já dei. Afinal, ele é um glutão, faz um barulho danado, bate os pezinhos de alegria antevendo a delícia da comida, seja ela qual for, e não raro abre largos sorrisos enquanto come. Mas peloamordejesuscristinho o que passa na cabeça das pessoas? que a criança vai aprender a comer comida saudável se for empanturrada de doces, massas, biscoitos? Dia desses, tomávamos coca-cola e estenderam o copo para eu "colocar um pouquinho" para ele. Como disse o Tatupai: aí já é demais. Coca-cola para um bebê de um ano? é claro que sabemos que ele vai tomar coca-cola, empanturrar-se de guloseimas, mas que seja num tempo mais adequado. Enquanto eu puder adiar, não terei o menor pudor de fazê-lo. Já bati o martelo: antes de dois anos, ele não vai sentir gosto de refrigerante. E biscoitos chocolates balinhas massas, só quando passam por cima do meu cadáver. E tem sempre quem passe, infelizmente. 


Então, acho assim: se uma mãe não quiser amamentar seu filho ou quiser dar cinco mingaus por dia porque dá menos trabalho do que fazer sopas, é uma decisão dela. E não posso fazer nada. Mas lamento. E sou taxativa: a mãe erra quando não amamenta, a mãe erra quando não cuida da alimentação do filho. Eu nem digo para que se sinta culpada, pois sentir culpa não é mais do que uma forma de criar uma discursividade que escamoteia o erro. Mas se a ditacuja não se envergonha de posar de coitadinha dizendo que está sendo pressionada a ser "politicamente correta", eu também não me envergonharei de dizer, como diriam os antigos, de que isso é uma baita safadeza. É um discurso próprio do nosso tempo, em que as pessoas querem fazer tudo do modo mais fácil, sem que isso tenha consequência.


Enquanto eu tiver boca, vou repetir o mantra de que dar o peito a um bebê é um dos grandes prazeres da vida. E lamento muito por aquelas mães que não percebem isto. E acho, sim, que o aprendizado de ser uma boa mãe deveria passar pela experiência da amamentação. 
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2 Palavrinhas:

renata penna disse...

adorei especialmente o 'baita safadeza'.
bela reflexão, lindona.
beijo!

macia disse...

Oi!
Saudades imensa, amei a foto e os comentários.
bj bj