sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sobre as coincidências (ou Trilhas sonoras de amor perdidas)



Eu gosto dos que têm fome
E morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem 


Estes versos da Adriana Calcanhoto eu bem poderia continuar assim: eu gosto mesmo daqueles que não sabem muito bem o que fazer com esta sede, com esta vontade. Dito de outro jeito: gosto dos desajustados, dos chatos, dos malucos, das belezas, dos que me irritam até o último fio do cabelo, mas que de repente se redimem com uma frase, um gesto.

Em cada canto que eu vou, encontro pelo menos uma "espécime" que cabe nesta definição acima. Devo ter açúcar, sei não. O certo é que aqui em Vilhena há o Bozoca. Ah, o Bozoca, sempre fazendo algo que destoa, com jeito de menino egoísta que nunca vai crescer e capaz de proferir frases tão desastrosas quanto geniais sem mudar de tom.

A literatura também é farta destas gentes, entretanto nunca havia visto uma representação tão perfeita de um ser que conheço como a que encontrei na peça Trilhas sonoras de amor perdidas, do Felipe Hirsch, que fui ver com meu irmão no Sesc Belenzinho*. É como se eu estivesse diante do Bozoca, excetuando a altura de Guilherme Weber, que faz o protagonista. O resto é tudo igual: os trejeitos, as angústias, o deslocamento no mundo, a paixão pela música, sobretudo por uma certa cultura grunge que parece ter desaparecido no tempo, mas que continua aí para alguns. Para Bozoca, falta apenas a cara metade. 

Vivi, então, uma emoção dupla. O tempo todo "via" Bozoca e ria, e imaginava. E também  reencontrei a Sutil Cia. de Teatro, da qual eu já havia visto Educação sentimental do vampiro e Avenida Dropsie. Na Sutil Cia., eu enxergo um trabalho muito bonito sobre o que há de mais complexo no ser humano, sem paliativos e sem julgamentos. Todos fazemos parte de uma época, um lugar e encontramos gentes que nos fazem bem e nos fazem mal e, assim, construímos nossas idiossincrasias, nossos medos, nossas alegrias. E há o amor, a música, a arte para nos ajudar a superar a morte, o medo da morte, para nos manter vivos com mais inteireza. Foi assim que eu vi Trilhas sonoras de amor perdidas. Foi assim que eu senti. 


* Não posso deixar de comentar o quanto fiquei horrorizada com a reforma no Sesc Belenzinho, que virou uma coisa medonha, com cara de clube de nouveau riche sem gosto algum).
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