quinta-feira, 15 de março de 2012

para o filho

poeminha, eu tenho muito medo de errar. dito assim, parece assinalar um atestado de culpa. um diagnóstico antecipado. mas não é, filho. juro. eu acho que um dia você vai me dizer que queria mais. e eu vou dizer que queria ter dado mais. o que estou deixando de ver, filho, eu não sei. as mães são cegas porque se veem semideusas. como não se sentir assim se são elas que o filho procura quando acorda no meio da noite? se é com ela que se enrosca quando uma queda, uma contrariedade imprevista, acontece e o choro vem?  filho, de uma coisa eu sei::: nem sou superprotetora nem sou desligada. estou no meio do caminho. você caminha pela casa - muitas vezes sozinho. mas se me chama, eu acolho. acolho sempre. nem que seja por minutos. e mesmo quando não me chama, eu me certifico: "poeminha, onde você está?". é porque também tenho esse medo generalizado de lhe perder. e já formulei teorias acerca disso. porque, irracionalmente, estou sempre à cata da racionalidade::: filho, é porque ter você é uma inteireza tão grande, uma alegria tão completa, que me assalta o medo::: "não, não pode existir algo tão completo sem que nada de ruim aconteça". eu amo você, poeminha. e não me canso de dizer. por isso, uso esta voz imbecilizada, algumas vezes, ao falar com você. tchu tchu tchu tão lindo oxi, tão bonito amo. amo filho você demais. azi tão gostoso. que delíciaquedelicia ter você. amo amo amo. vem nego, deixa de conversa, vamo logo. sei lá que língua é esta, filho, sei que é idiota, e peço perdão por ela. mas saiba que isso é acalanto. eu sei que você sabe por que me imita. imita de um jeito doce. vira a cabeça de lado. faz bico pra beijar. agarra minhas pernas num abraço que só se completa quando eu o abraço.

não conheço nossa vizinha da esquerda, filho. conhecemos apenas os seus gritos. e o choro da criança. às vezes, juntos, ouvimos estupefatos tanto os gritos quanto o choro da criança. e eu, poeminha, covarde, não tenho coragem de dar um telefonema que poderia acabar com isso (não tenho coragem de dar telefonema algum). mas por vezes, sobra um lágrima. uma lágrima de dor e também de agradecimento. não sou nem serei, poeminha, uma mãe perfeita, mas me consola e me comove o fato de não ser eu a dar esses gritos nem você a soltar esse choro sentido. não que às vezes eu não tenha ímpeto de. você é um carrossel que não para de rodopiar. mas pode acreditar, poeminha, até agora, dois anos e cinco meses depois de você ver o mundo, nunca, jamais, transformamos o ímpeto em ato. para quê, poeminha, se a vida toda há de ser tão difícil? agora mesmo, às vezes, choro escondido pela falta de mãe. por que farei isso com você? e não, poeminha, como lhe disse, você perambula pela casa e sorri pedindo mais colo que nem sempre tem. ainda assim, filho, pode acreditar::: nessa sua memória que logo mais vai ser subterrânea, não haverá opressão nem pancada nem grito histérico nem castigos levianos. porque o que eu quero mesmo é que lá muito depois você só desencave as minhas mãos no seu cabelo, o modo doce e lento com que eu leio pra você todas as noites antes de dormir ou o modo desencantado e frio com que eu bato vitaminas no liquidificador na incapacidade de preparar o sal da vida. este, fica com o seu pai. ainda agora, filho, quando eu tenho que me reinventar inteira, tão descrente de tudo, é com você, e para você, que eu vivencio o melhor em mim.   

em tempo, filho::: agora, eu consigo correr. uma corrida desajeitada, em que os pés vão cada um para um lado. mas uma corrida. acho que nem preciso dizer como isso me faz feliz. dia desses quase caímos juntos na grama que plantaram há poucos dias no quarteirão que costumamos caminhar. quase é quase nada, filho. e isso me deu uma tremenda alegria. consegui lhe acompanhar, enquanto você dava gargalhadas.

* (tem sido difícil manter uma constância no blog. tudo tão rápido. aqui e ali alegrias grandes. aqui e ali tristezas fundas. e a pele toda descarnada em busca de mim).

** as fotos são antigas. lá na academia da tiairmãdopai.. 
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2 Palavrinhas:

Luana disse...

Poeminha, que lindo! Adorei mesmo... Daquele tipo de carinho que da inveja de não ter pensado antes.. E olha que eu nem tenho filhos para poder usar, mas enfim...

LINDO

Marilza Gusmão disse...

Ah, Mili, minha flor... Não sou mãe, mas sou filha, e eu sei que por mais esforço que faça, sempre terá a falsa sensação de que podia dar mais, e mais... Mas não esqueça: você é só uma e seu dia só tem 24 horas. Viver com culpa é ruim. Tente, eu sei que não é fácil, mas tente ver o que é bom: o amor incondicional que você tem por ele e que ele tem por você! É tão lindo quando você descrever os momentos que passa com ele que chego, muitas vezes, a me emocionar. Essas "cartas" serão uma das muitas heranças lindas que o poeminha terá a felicidade de receber.
Te amo, flor, e, mesmo sem conhece-lo, saiba eu amo o poema mais lindo que você já fez.