quinta-feira, 24 de outubro de 2013

miolo mole

 branco céu niemeyer

deve ser meu miolo mole. mas eu defendo que devemos ter um pouco de "miolo mole". é o único modo de trapacear (no sentido barthesiano, claro) com a vida. de não encaretar de vez. de não ficar cada vez mais chata. porque o cotidiano - não a vida! - é muito avaro. apaga a inteireza de muita coisa. e isso não significa viver num eterno adolescer. estou cada vez mais empenhada em cuidar dos meus 39 anos, que farei daqui a dois dias. mas tenho pensado cada vez mais numa vida que não deixe para trás os desvãos. não nos deixe abandonar a vontade de cobrir a vida com hiatos. 

pensava nisso e em outras bobagens enquanto via o Vanguart no Sesc Pompéia. estava numa alegria inteira. há algumas semanas decidimos que viríamos a São Paulo para aproveitar parte da Mostra de cinema - o hiato. pela primeira vez, toda a familinha veio perambular por aqui. sempre viemos separados, mas nunca nos faltou vontade de virmos juntos. então, viemos. e aqui nos juntamos com outros amigos. manaMácia chegou segunda. domingo passamos o dia com Marcos, Margarida e Pedro. foi um dia muito bonito. bonito mesmo. falamos bobagens, demos muita risada, vimos a ópera de Pequim no Sesc Mariana, almoçamos no Lelis, um restaurante maravilhoso, com jeito de cantina. e depois bebemos até ficarmos bêbados num barzinho perto da Paulista. 

noite dessas assisti ao filme Antes da meia-noite. E passei vários dias num banzo terrível a cada vez que pensava nele. neste último filme da trilogia de Richart Linklater, senti todo o peso não exatamente do "antes", mas do "depois". Em Antes do anoitecer, eu já havia implicado um pouco com o papel de Celine, personagem da atriz Julie Delpy. Achei à época que a consciência política lhe havia deixado meio chata, com todo aquele papo de militante francesa (pardon!). Mas aí o fim do filme, naquele estúdio parisiense, com aquela música, levou para longe essa implicância. E neste, sem redenção, achei que a passagem do tempo encaminha a mulher para um plano devastador, do qual escapar é quase impossível. como resistir, é o que penso desde lá. como não ser Celine? sim, porque sua inteligência, seu humor, sua ironia, continuam lá, mas ao mesmo tempo não estão. e o que resta não me agradou. e não me agradou justamente porque estas questões têm passado por mim há muito tempo. há muito tempo venho numa batalha para não deixar o cotidiano me engolir. 

e por causa do filme, e porque comentávamos sobre o fato de como as mulheres distribuem "senhas falsas" num início de namoro, tatupai me disse o que já desconfiava há tempos::: que eu continuo tendo as características pelas quais ele se apaixonou, mas... só que mais chata! (sim, sim, tanto eu como o Tatupai praticamos bastante o esporte perigoso da sinceridade). e eu não tive como discordar. pois hoje a vida me tem muito mais peso. há cinco anos, quando nos conhecemos, eu tinha uma carga de responsabilidade muito menor. sei que há aí toda uma discussão de gênero. e aqui falo muito superficialmente apenas das consequências. se eu for me ater às causas, seria inteira Celine. ela está certa. as reivindicações são justas. e por isso me doeu. ser mulher doi.

e por isso estou aqui. hiato. miolo mole. mostra de cinema. amigos. familinha fora de casa. retardar. ou ao menos trapacear com o inevitável.   
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1 Palavrinhas:

Mariana disse...

Milena,

Olha o que eu tava lendo agorinha:

"as mulheres são
diferentes das mulheres
pois
enquanto as mulheres
vão trabalhar
as mulheres ficam
em casa
lavando a louça
e criam os filhos
mais tarde chegam
as mulheres
estão sempre cansadas
vão ver televisão"*

Eu desimpliquei com a celine, no segundo, já no carro. Nem precisou do estúdio. Acho que tenho mais coração que miolo mole. Não posso com gente chorando. Mentira, parei de implicar no passeio no barco. Ela falando das pequenas coisas. Acho linda. Preciso ver esse último. :)Também acho que, em tempos de cartazes, não faria mal algo do tipo "pelo direito ao miolo mole". Estampado em camiseta. Seria lindo. hehehe

Muitos beijos!

*da angélica freitas.