terça-feira, 17 de junho de 2014

"incorporar essa saudade num projeto de futuro"


nestes dias, tudo a flor da pele. tanta coisa parece sem sentido quando aqueles que amamos partem. a vida perde. e isso não me sai da cabeça. e quando os que estão vivos cortam nossa carne ao meio é ainda mais difícil. eu voltei do Ceará com a alma curvada. tudo doía. o que ouvi e vi e vivi. não posso dizer aqui. mas tudo tem um grande sentido. por que as pessoas não sabem? não saberei eu? as pessoas não sabem quando nos cortam ao meio? talvez tudo tenha início no não-saber. 

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meu filho me salva neste grande deserto. sinto uma solidão tão grande que sei vir de mim. estão todos aqui, mas não os sinto. queria o quê? não sei. sempre estive só. é o que me vem nestas horas. não por não ter pessoas que me amam. penso que tenho muitos. mas por saber que que o próprio amor às vezes fica árido. e o que eu quero é cuidado. cuidem de mim. que não me deixem só, desprotegida nesta hora tão cheia de dor. mas não é exatamente por aí que me professo. a carapaça serve basicamente para afrontar o outro, ouvi ontem. e para lembrar que não posso me curvar. que vou fazer quarenta anos e que até mesmo escrever aqui, à mercê do olhar de outros que nunca poderão me alcançar, é uma tolice. é o voltar a ser criança. é voltar à desproteção da criança. aquele que cuidava de mim se foi. e é tão esquisito que tão poucos se disponham a cuidar. e que justo um deles tenha partido agora. e que eu não saiba o que fazer com ela que ficou. uma vez, há muito tempo, falei para uma pessoa que ela não poderia ficar comigo, pois eu era um ser egoísta, que amava viver sozinha no meu espaço. e esse ser era tão bonito que não se importou com o que eu disse. eu também era bonita nesta época. sentia que o mundo todo estava ali, para que eu fizesse dele o que bem quisesse. mas hoje sinto que talvez a partilha não tivesse sido tão improvável como imaginei na época. meu filho sentirá esta falta de mim?

ele me abraça forte e diz frases improváveis. falou assim: "mamãe, foi um dia inteiro de amor e de beijinhos". quase desmaiei. sei que vêm dos meus gestos e mesmo assim tenho um medo terrível. me amará no porvir? ou se sentirá obrigado a me amar para proteger o mínimo de equilíbrio possível? isso que sou o distanciará um dia de mim? não posso fazer essas perguntas. sei que não devo. seria tão mais fácil se... então, eu me agarro a única coisa que não posso confiar. confiar em si mesma é sempre outra grande tolice. numa noite, dançamos horas sem parar. inventei de ouvir e dançar uma música de cada cd que mais gostava. e ele, inteiro, ali comigo, agarrou na minha loucura e dançou. dois dias depois, foi ele que repetiu o mesmo gesto. pegou uma grande pilha de cds, espalhou no sofá, tirou todos os encartes e foi colocando um a um para ouvirmos. eu fui escolhendo as músicas. quando viu o cd do Binho, seus olhos brilharam tanto, como se dissessem:  "este eu conheço". e ouvimos. e dançamos. e eu disse o quanto amava o Binho. e sei que ele entendeu. entendeu tudo. e fomos dormir, irmanados por um sentimento que somente a música pode dar. e eu, não importa o porvir, senti-me inteira feliz por poder vivenciar um momento assim com meu filho de quatro anos.

há alguma proteção no grande deserto da dor. 
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todo dia acordar e pensar, em alguma hora do dia, que um ser amado não será nunca mais visto. não estará lá, quando, esporadicamente, eu lá estiver. vou fazer quarenta anos. e não sei como sentir tudo isso. está tudo aqui. os dias seguem uma normalidade, até que me vem algum pensamento. 

"O pesar como uma pedra...
(no meu pescoço
no fundo de mim)" 
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2 Palavrinhas:

Rubens Vaz Cavalcante disse...

aprender com a ausência que a presença é fundamental.

Anônimo disse...

...porque queria me proteger, tinha de me proteger...
-thomas bernhard, extinção

*sutis ressonâncias,miragens na neblina...