segunda-feira, 11 de julho de 2016

68ª Reunião da SBPC



foi perturbador acompanhar a 68ª Reunião da SBPC durante cinco dias - um dia na SBPC Educação, em Teixeira de Freitas; e quatro, na SBPC, em Porto Seguro. se eu fosse jornalista, ou fotojornalista, precisaria de um sem-fim de leituras para especificar o grau do meu espanto, nesta reunião que se coloca como o encontro científico mais importante do país. 

senti uma espécie de constrangimento -- e isso para além do que ocorre e diz respeito apenas à UFSB, anfitriã deste ano. porque neste ponto, nada de novo. a hospitalidade festiva não escondia o mesmo de sempre: um corpo incapaz de estar aberto a outros corpos - um corpo incapaz do exercício da escuta; de querer-aprender com o outro, de querer-saber da pesquisa dos corpos científicos das outras universidades e associações que ali estavam; para quê movimentar estudantes e professores a ouvirem um grande pesquisador, a participarem dos resultados de uma pesquisa por demais importante, se o que importa mesmo é criar o discurso da excelência e do único? a UFSB criou, assim, uma programação paralela intensa, para além da oficial constante no catálogo, ausentando-se, portanto, daquilo que ajudou a planejar. o corpo docente e discente da UFSB transitou quase que exclusivamente pelas reuniões e mais reuniões de portas abertas ou fechadas nas quais se discutiam apenas o seu "grande projeto" de universidade que acredita pairar sobre todas as outras. assim, em vez de, como anfitriã, ter recebido seus convidados, discutido com eles, retirou-se para espaços outros, para partilhar com seu corpo fechado o grande delírio de estar na vanguarda, ainda que seus estandes fossem, de longe, os mais esvaziados de sentidos - um nada ainda a mostrar. no fundo, movimentos agônicos de sustentação de um poder que rui ante sua própria incapacidade de enfrentamento dos impasses. patético, risível e previsível.

como disse, não foi somente isso. mas a própria concepção da Reunião da SBPC é por demais perturbadora. difícil acreditar que, apenas neste ano, foram despendidos R$8.000,000,00 dos cofres públicos para sua realização; e não exatamente porque a estrutura não seja, de fato, dispendiosa, mas porque é óbvio que essa estrutura absurdamente cara tem menos a ver com os debates sérios, científicos e imprescindíveis que ocorrem durante o evento, e mais com o que acontece em seu entorno, que a faz parecer uma grande feira barulhenta e festiva. o catálogo da programação expunha o caráter minguado das discussões, mas ninguém parecia se importar: fininho, com grandes espaços e letras garrafais, denuncia largamente a falência do modelo "seminário". na SBPC da sustentabilidade, não vi um único invento que se relacionasse com o tema. as mesmas lixeiras coloridas, os mesmos banheiros "sustentáveis" e a aclimatação dos pavilhões feita por potentes ares-condicionados, como gigantes brancos no fundo a denunciar a inércia dos homens a quem servia. pensando que minha memória podia estar me traindo, ao chegar em casa hoje, procurei os catálogos de grandes eventos da minha área, também de associações: Abralin, Abralic, Anpoll, buscando ali pistas para a gravidade e densidade que lembrava ter sentido em alguns deles, com uma pontada de desconfiança de que talvez tivesse me enganado quando presente em tais eventos. e senti uma espécie de alívio. os catálogos estão aqui: densos, graves e grossos, o que me faz concluir que não apenas eu mudei nos últimos anos, mas, sem dúvida, a concepção de eventos desse porte.
 
tudo beirava ao kitsch. kitsch eram a Expotec e a SBPC jovem com suas feições de feiras de ciências de colégios de ensino médio, as quais pareciam dizer respeito apenas às muitas levas de estudantes que entravam nos estandes como ovelhas livres de seus cercados. logo na entrada da SBPC Jovem, uma "invenção" demonstrava que corpos de mãos dadas, quando um leva um choque, todos também levam. apontei a câmera para fotografar, mas uma espécie de pudor me deteve. não tirei uma única foto em nenhum desses pavilhões, embora tenha perambulado demoradamente por eles. achei melhor deixar que a minha parca memória se encarregasse de ruir - como certamente se encarregará - o que vi e o que me espantou.

na melhor das hipóteses, pode-se pensar o quanto inesquecível é para um jovem acadêmico participar de evento tão aparentemente grandioso.  e se é para almejar que alguns estereótipos nos redimam, em vez de cientistas engravatados, com ares carrancudos, uma horda jovem e alegre vez ou outra tomava conta dos corredores largos do centro de convenções transformado em universidade.  espiando uma sala e outra, nos debates simultâneos, raramente vi mais do que trinta pessoas reunidas, mas lá fora as pessoas iam e vinham sem saberem exatamente para onde, sem a paciência devida para pararem, mas, em um desses momentos fugidios, vi-me também como parte dessa horda alegre e festiva. senti-me liberta com esse músculo que pulsa tão pleno. e se soubesse rezar uma outra oração além das tradicionais, teria deixado a reza tomar conta de mim, agradecendo sentimentos que dizem respeito apenas a mim.     

e para voltar ao cerne da questão, eu diria, parafraseando de memória Laura Erber, que acreditar que uma reunião desse tipo contribui para o avanço científico do país é o mesmo que acreditar que a Bienal de Artes de São Paulo forma uma leva grande de novos apreciadores de artes. Ou a Flip, essa festa literária tão colocada à baila nas duas últimas semanas,  muda os rumos da produção literária contemporânea. tudo carece, de fato, de um propósito. e perguntas urgentes deveriam ser feitas: para quê mesmo uma reunião como esta? e para quem? mas como ter a grandeza de enfrentar os impasses? A diretora da SBPC, em uma das reuniões de última hora, renunciou diante de uma onda de vaias e gritos de "Fora, Temer", pois em nome da defesa da ciência, defendeu imparcialidade e necessidade de negociar com o governo golpista. E na assembleia seguinte foi "reconduzida" ao cargo que, de fato, nunca abandonou. pão e circo na grande tragédia farsesca do tempo presente brasileiro.

talvez a imagem emblemática da Reunião SBPC seja esta aí de cima. de longe, parecem ocas indígenas, tanto quanto podem ser confundidas com quiosques mais sofisticados de beira de praia. e talvez não sejam nem uma coisa nem outra: meio ocas, meio quiosques, custaram de todo modo o olho da cara. e essa indecidibilidade é o preço que temos que pagar por vivermos neste país tropical em que tudo acaba em samba. literalmente.

8 Palavrinhas:

Pão e circo disse...

“As coisas nos parecem absurdas ou más porque delas só temos um conhecimento parcial e estamos na completa ignorância da ordem e da coerência da natureza como um todo.” Spinoza

Ou não!

Anônimo disse...

Parabéns por seu texto, uma voz crítica e serena no meio da aclamação geral. Não estive no evento mas acho que sua crítica se aplica a todos os eventos deste tipo, que funcionam em boa parte como parque de diversões. A pergunta ė exatamente: para que servem? Só com base em objectivos se pode avaliar e saber se ė dinheiro público bem gasto.

Anônimo disse...

Hm interessante, mas pq você não usa letra maiúscula no início dos parágrafos?

Anônimo disse...

Você poderia ao menos dizer a verdade minha cara.... que participou dos dois últimos dias do evento e não se cinco. Suas meias verdades continuam ao longo do texto. Quem realmente participou sabe...

Cláudio Pinho disse...

... a questão discutida não foi direcionada... mas, ao conteúdo e sentido Esvaziados do SBPC; k, já na minha época de univ. pública, era extremamente precária ! De modo geral, como todas as outras instâncias do fazer acadêmico público, pouco afeito à inclusão de novos (quer pesquisadores ou postulantes à pesquisa); burocracia, Egos inflados de Dr's, quase sempre, sem produção k justifique a pompa, etc
Por outro lado, vendo a programação, parece interessante; ainda qdo, volto a salientar, nem sempre corresponde ao efetivamente realizado. Até pk, se o SBPC fosse o k deveria ser, com tantos ilustres, nossa produção acadêmica sairia dos muros da universidade - e nunca saiu! Sequer, abrange 1/5 dos universitários!rsrsrs 1/5, estou sendo EXTREMAMENTE otimista !

Cláudio Pinho
Cláudio Pinho rsrsrs 1/5, estou sendo EXTREMAMENTE otimista !

Letícia disse...

SBPC das contradições... Oito milhões e uma megaestrutura, enquanto os alunos comem qualquer coisa na rua, com os parcos 22 reais reservador por noite para jantar. Para quem nunca participou de um evento desta magnitude pode ser interessante pela experiência, mas de resto... Não mudou nada. Fico pensando quanta coisa poderia ter sido feita com todo este dinheiro. Passado o "carnaval" da ciência, recordamo-nos que não temos laboratórios, que professor treina anamnese deitando aluno sobre carteiras, que não temos R.U., que a verba para os auxílios é parca, que queremos debater os "rumos da ciência", mas não conseguimos levar um debate de cabo a rabo no CONSUNI... Tudo se protela, tudo se varre para baixo do tapete. Pensemos grande agindo pequeno, façamos inclusão excluindo boa parte dos alunos, sejamos vanguardístas com cabeças retrógradas, tentemos resolver os problemas da Bahia, do país, sem nem ao menos resolver o desfalque do corpo docente, falemos de humildade enquanto humilhamos o aluno ou o colega... Façamos tudo igual diariamente, enquanto aguardamos um resultado diferente. A SBPC é a materialização da nossa arrogância e ignorância.
Lembremos ainda, que a própria SBPC e seus doutores de feições graves, "comeu e bebeu da nossa comida", e saiu falando mal, com nota à imprensa e tudo.
Somos assim! Somos kitsch, somos panis et circenses, somos inovadoramente óbvios! Somos a UFSB! Palmas para nós!!

May disse...

Estive tão envolvida na SBPC Indígena que mal circulei pela ExpoTec ou participei como ouvinte de mesas e conferências fora de nosso espaço. Assim, não posso avaliar o que houve de kitsch ou de espetaculoso na montagem do evento para além da impressão de enormidade na quantidade de posters ou de stands pagos que vi.
Mas posso falar sobre o que vi e ouvi com profundidade. No espaço da SBPC Indígena houve mesas redondas e conferências muito importantes. Importantes tanto para o movimento indígena local, que articulou antigas e jovens lideranças, como para a UFSB, muito jovem e novata na região, que precisava se articular com os 45 anos de trabalho pregresso. Não há como se construir uma antropologia séria sem essa articulação justa e digna com o protagonismo dos Pataxó, dos Pataxó Hahahãe e dos Tupinambá. Sem tirarmos o chapéu para os predecessores, não ha como se construir um trabalho sério na universidade que nasce, embalados por alguma ilusão de se estar inventando a roda, o politicamente correto, ou o próprio índio. Como ponto de partida, a UFSB precisa reconhecer os trabalhos da UFBA, do IFBA, da UNEB, e principalmente, dos Pataxó, na região. Enfim, não há como criar um programa de antropologia, formar antropólogos ou nos engajarmos em um movimento que vem se desenvolvendo há décadas, sem humildade e seriedade.

E nisso, não duvido que tenhamos acertado e agradeço muito a Caroso por ter possibilitado esse protagonismo da comissão. Finalmente, foi uma pena que não tenhamos tido a presença de mais docentes no nosso evento paralelo. Os interessados nessa luta puderam se informar com qualidade nos quiosques-kijemes, que - pelo menos pelos indígenas que lá estiveram - não foram vistos como kitsch mas sim como um espaço qualificado que dignifica sua presença na universidade.

No mais, a reflexão crítica é sempre válida e talvez possamos extrair algumas lições desta. Talvez o entusiasmo de marketing de nossa jovem instituição pudesse ser amadurecido por alguma dose de sobriedade... talvez tais eventos (que certamente diminuirão nos tempos vindouros) possam ser pensados de forma a serem menos caros. Não estou em posição de avaliar se este congresso científico tem menos importância no estímulo ao trabalho de jovens acadêmicos do que nas reuniões bianuais da ABA, em minha área, nas quais essa importância é vital e fundamental. Enfim, havia um tanto mais do que circo, em operação, na SBPC em Porto Seguro.


E, finalmente, o protagonismo da SBPC na resistência a Belo Monte e outras bandeiras de luta da sociedade brasileira não pode ser descartado, embora se possa e deva - sim - questionar suas tomadas de posição a cada gestão.

Anônimo disse...

Um texto esquizofrênico, mentiroso e mal escrito! Crítica rasa, baseada em achismos e sem um pingo de olhar holistico.