terça-feira, 8 de abril de 2008

Sobre Clarice Lispector ou sobre o que senti ao lê-la


Fazia tanto tempo que não lia Clarice! Houve um tempo que eu tinha a meta de ler todos os livros de Clarice, Saramago e Graciliano. Desinteressei-me dos dois primeiros sem bem saber por quê! E eis-me lendo outra vez Clarice. Culpa da Dê que a estuda... Pois eu li, e lendo, ri e chorei no meio da noite fria. Não qualquer riso, mas aquele alto que me fez ter medo de acordar a minha amiga que estava no quarto ao lado. Nem qualquer choro; mas aquele em que as lágrimas caem doídas. Como é perversa a Clarice! Lembrei porque a amava tanto; e foi todo meu corpo que lembrou. E voltei a amá-la com devoção, sentindo pena de mim por tê-la abandonado tão prematuramente. Clarice é uma escritora que não se deve abandonar nunca. Senti-me traída por mim mesma, por minha falta de perseverança, por meu pouco trato com as imagens; as imagens que tanto amo na Clarice. Mas, lendo-a, sei por que a abandonei: porque é um horror ter Clarice por perto; sua inteligência, sua perspicácia, sua ironia, sua fragilidade aterradoramente difícil! E fico como ela: exasperada, zangada, com vontade de dizer impropérios que jamais direi porque nunca os diria com a sua mesma elegância. Como Dê a suporta? Não sei. Eu não a suporto. Não tenho forças. É preciso ter muita fibra para carregá-la junto ao peito, para tê-la como livro de cabeceira. Vem-me aquela manhã em que Hélène Cixous a colocou tão tranquilamente no meio de monstros como Proust. Hélène a suporta. Sim! Ela suporta o silêncio, o dedo em riste tão delicado de Clarice. Talvez seja por isto que ela suportava e amava Derrida. Estou convencida que foi Clarice quem lhe deu forças. Já estou em delírio. Clarice me deixa cansada. Fico com medo de começar a achar a vida besta demais. Então vou deixá-la um pouco mais, ali, morta na estante, à espera da minha coragem. Uma próxima vez. E quem tem coragem de perfurar a própria carne? Clarice o tinha. Eu, receio. Não quero descobrir nada. Ah, tão óbvio assim, e não quero ouvir. Nem Clarice pode me dizer coisas óbvias. E ela não as diria. Ela diz as coisas mais profundas revestidas de obviedades, pois é certo que não acreditava na obviedade nem na profundidade. Eu não acredito também. Mas não sou Clarice. Nem suportaria sê-lo.
** Fotos tiradas do catálogo da exposição dedicada a Clarice no Museu da Língua Portuguesa, em 2007.
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5 Palavrinhas:

Cristina Soares disse...

Ah, mas vou ter que ler esta Clarice de perto !! Mas ela era muito linda, né ?? Uma máquina de mulher: inteligente, linda, pensadora, formadora de opinião !!! Yes ! não é leitura pra qualquer mente !!

Anônimo disse...

Não sou clarice, mas é tudo que queria ser! Ao contrário de vc, durmo e acordo com ela do lado e seu dedo em riste é como um eterno incentivo a não me perder de vista!
Adorei seu texto. Muitobom! (juntinho assim, como um mantra pra ver se repetindo assimilo um pouco da beleza, tá? rs...)
Tou aqui a pensar nesta tríade: Clarice, Saramago e Graciliano. Na verdade, nunca os vi como tríade. Clarice é minha ídola, Saramago é um mestre no tratamento da língua e Graciliano, um dos maiores criadores de personagens da nossa literatura. Gosto dos três separadamente, mas entre eles coloco alguns outros que amo!!!
Enfim... eu adorei começar a te conhecer. Agora vou ler mais.
Beijo!

IgorVilla disse...

ow! gosto da maneira q vc escreve.. gostoso de ler.. naum eh com muita frequência q futuco o blog dos outros, mas eu deveria vir mais neste aqui pra ver se aprendo alguma coisa.. rsrs...

Falou milena!!!

bjo!!

. disse...

Clarice tbm me amedronta porque ela me espera em casa esquina com uma epifania a me esbofetear. Epifania é clichê, eu bem sei, mas não consigo outra palavra pro fato de que ela faz com que eu me descubra por angulos impensados e na maior parte das vezes, que eu nem queria ver mesmo. De muita qualidade o seu blog. Abraços.

Johnny Dias disse...

Costumo brincar, um jogo perigoso, qual seja, o de me aventurar em Lispector, e isso exige um preparo psicológico, mas não é apenas isso.Clarice é em carne viva, estado este que chego à angústia.E o que é angústia? Angústia é uma plavra que vem do grego e que dizer um vale profundo onde vc vai passando e vai se ralando, mas a passagem tem que ser feita. Entendem? E conseguem entender que a angústia em Lispector é ainda em carne viva?
Mas, buscando o itinerário da autora em minha vida, diria que foi o meu momento de glória, no qual, eu , sem ser mulher, experimentei de meu próprio plasma capsulado num útero que não tinha , tenho ou terei.
Paradoxalmente e ferida a ferida ela fora tomando espaço em meu ser, construindo-se aos poucos - ela é aos poucos!
Li tudo de Clarice, e minha formação, enquanto ser e humano, é clariciana, com ela prendi a mais tarde a fotografar a ferida, exposta ou não.
Hoje escrevo, e muitas vezes para ela, e com ela.
Le adizia que assumimos um personagem - como ela também o fizera.
Por um tempo, fiz igual a vc Milena, fugi, esqueci na estante aquele volume.
Hoje, que estou escrevendo bastante, não tem como eu não envolver em meu peito a flor que lhe dava nome, pois, Lispector que dizer: flor de lis no peito.
Um beijo na íris reluzente de todos vcs.