sexta-feira, 30 de maio de 2008

Nelson, não o Freire, mas o Rodrigues

Para mim, Nelson Rodrigues é uma daquelas personagens comuns no meu - ainda vasto - buraco literário. Pensava sempre: “Devo ler”. E ia sempre adiando. Sua produção teatral também não me atraía o suficiente. Mas por quê? Simplesmente não sei. Sei que é o mais importante dramaturgo destas paragens, assim como sei da fama das suas crônicas. Eu tinha, e continuo tendo, curiosidade, mas algo sempre me afastava. Porém, colhia informações aqui e ali, atiçando minha curiosidade. E para começar escolhi o livro indicado pelo amigo Binho: O óbvio ululante, reunião da crônicas publicadas no Jornal O Globo durante os anos 1960 e que compõem o início do que ele chamou de Confissões. Acho que é um bom começo; ainda mais agora publicado pela Editora Agir, em uma edição caprichada. Antes de começar a ler, tinha visto “Senhora dos Afogados”, produzido pelo Antunes Filho, e gostado muito.

Ora, são tantas as informações sobre Nelson Rodrigues que me custa ter o que dizer. Todos o conhecem; se não o leram, viram a série “A vida como ela é”, do Fantástico. O que falar de um autor tão conhecido? Sempre páro diante deste espanto, diante do que dizer de escritores já tão ditos, com medo da repetição, do óbvio. Nelson é o “reacionário” mais lido e comentado da literatura brasileira. O que acho, e não constinui nenhuma novidade, é que isto é o que há de mais fascinante no seu texto: seu reacionarismo, pois é o que permite uma escrita dissonante. Como leitor, vamos da risada ao mais terrível ódio por ele. Ora, e eu creio que, ao menos em O óbvio ululante, Nelson nada tem de óbvio. Ele vai contra o “coro dos desafinados” de um modo implacável e terrível, mas com uma lucidez que quase nos arrasta com ele. Ele é, de fato, o menino com fome a quem sempre retorna: fome de polêmica, de modo desabusado e perigoso. Ousar pensar diferente não deixa de ser fascinante, embora seja fácil reconhecer seus enganos e suas ausências (nenhum comentario ao AI 5 em todo o ano de 1968)!

É isto: Nelson quase nos convence; e em tempos magros como os de agora fica fácil imaginar uma “esquerda de botequim”, e um ou outro que se promove à custa da fome. Lembrei agora de uma daquelas capas apelativas da Revista Bravo, que dizia o seguinte: “Por que não temos mais um cronista como ele?”. Eu não poderia assinar embaixo do que esta pergunta retórica sugere, até porque leio muito poucos cronistas – vez ou outra leio a do Cony, na Folha de São Paulo, e acho de uma sem-gracice sem tamanho. Se existisse apenas Cony cronista eu concordaria de imediato com a Bravo. Pois, sem dúvida alguma, Nelson era um cronista completo, que sabia lapidar cada palavra atrás da frase perfeita – e são tantas!

Enquanto eu lia, porque tinha lido A descoberta do mundo, da Clarice, a pouco tempo, pensava em como os dois são diferentes:: Clarice sentia culpa de escrever para o jornal, e seu fascínio pelo real era acompanhado de um medo terrível; já Nelson estava totalmente à vontade na sua função de cronista: o real lhe fascinava na crueza mais perversa e não parecia se sentir menos escritor por assim escrever.

Agora, vou para “A vida como ela é”.
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5 Palavrinhas:

Cristina Soares disse...

Ai, Milena, vc escreve de modo tão inteligente que fica difícil fazer um comentário inteligente sobre o seu POST. Mas gosto de passar aqui pra visitar vc e admirar a sua linha de pensamento. Quem dera eu tivesse linha de pensamento haha. Uma abraço

renata penna disse...

interessantíssima essa tua comparação entre Nelson e Clarice. sou apaixonada por ambos, por razões diferentes, de formas diferentes. o bacana do Nelson (pelo menos eu acho) é essa crueza mesmo, esse enfiar o dedo na ferida, esse escarafunchar da neurose-pequenez-mesquinharia do ser humano.
isso, além do fato que, como atriz, Nelson é um prato mais que cheio.
se você gostar de biografias, te recomendo "O Anjo Pornográfico". bárbaro. Outro que vale demais a pena é "A Menina Sem Estrela", crônicas autobiográficas do Nelson. Triste de doer, cru, enfim, rodrigueano!
beijo, querida.

Anônimo disse...

Escrever sobre autores já tão discutidos (e eu faço isso com alguma freqüência, até certo ponto enfadonha)é difícil (pelo risco de soar repetitivo), mas ao mesmo tempo fácil (e aí vem aquela enxurrada de lugares-comuns), quando não totalmente inútil (quem de fato está interessado nisso?).

Mas por que muitos insistem? Acho que é porque estamos diante de patrimônios - e digo isso correndo todos os riscos de ser exageradíssimo - muito mais do que diante de livros. Patrimônios bonitos ou de arquitetura que não nos agrada, mas ainda assim patrimônios, sobre os quais sempre temos o que comentar.

De todo modo, apreciei a maneira como você descreveu sua aproximação da obra do N. Rodrigues.

Se não for pedir muito, ficaria feliz em saber sua opinião sobre um texto que escrevi, e tem a ver em parte como o que você discute aqui. Foi minha penúltima postagem; o título é Sobre crítica literária"

E, com muito atraso (perdão), parabéns pela defesa da tese, que, acredito, deve ter sido brilhante. Um abraço.

Sergio disse...

Hum Hum! Nelson Nelson...eheheh. Sabes como gosto! As peças são inventivas na cenografia que sugerem...e cruéis na esposição das almas descarnadas....Vale o mergulho mas não garanto a integridade de ninguém saindo do outro lado. eheheh.

Sodades de tu, tatu!!! Como vai nas paragens Vilhenenses?

Beijocas Beijocas.

Anônimo disse...

Ih, pronto! Nelson vai ganhar mais uma fã!

Aliás, não vamos pegar pesado com ele por não ter dito nada sobre o AI-5 em 68. Afinal, foi em dezembro, ele não tinha como prever... Piadas à parte, Nelson era um direitista convicto, que só deixou de apoiar o regime quando teve certeza absoluta de que existia tortura: quando seu próprio filho foi torturado.