terça-feira, 10 de maio de 2011

para o filho

poeminha, não sei que magia você intui nos barulhos variados da máquina de lavar. só sei que desde algum tempo a cada vez que a máquina muda de função, sobretudo se é a de centrifugar, você corre ao meu encontro para que eu lhe ponha nos braços e, assim, você possa observar o movimento da máquina pela tampa. você não sabe, mas essa interrupção contínua é por vezes exasperante e inconveniente. porque às vezes vem no meio de uma frase escrita ou lida, de um email quase a ser enviado, de um descanso necessário ou mesmo de uma cena de filme imperdível. e ainda assim, quase nunca eu lhe furto desse prazer. intuo que há ali um encanto que não cabe a mim quebrar. o que você pensa é a mim interdito. mas gosto de pensar que tem a ver com os sentidos do mistério que você constrói aos poucos. é o girar, é o cair da água, é o intervalo entre um e outro.

e você quebrou, pela primeira vez, um objeto de valor, sentimental que seja. continua com sua delicadeza, mas vivencia constantemente uma curiosidade atenta em relação às coisas. eu estava viajando. e ainda bem que estava. não sei se, num impulso, não teria dado uma bronca sumária. como era o olhar amoroso e condescendente de sua bisavó que lhe vigiava, o que restou do acontecimento foi a sua narrativa. e você ainda não pronuncia palavras e frases inteiras. filho, e foi linda a sua narração. seu pai chegou mesmo a dizer que valeu a pena você ter quebrado só para que pudéssemos presenciar o seu contar. um contar a mim, que tantas vezes lhe interditou o objeto agora quebrado. você ia e vinha, apontava para a outra peça semelhante que sobrou, e balbuciava uma cantilena que finalizava sempre com "bou", "bou" - "bou", de quebrou, como você já aprendeu devido às xícaras da gaveta. e me deu uma alegria, filho. lembrei das tantas vezes que apanhei por ter feito alguma coisa "errada". e das tantas vezes que fiz silêncio com medo de. já adulta, apanhei porque galinhas quebraram as louças da sua avó. supostamente só podia ter sido eu a deixar a porta aberta. e ouvindo a sua história, filho, prometi a mim mesma nunca roubar a sua coragem de dizer. esta de agora. você, ali, resoluto, firme, decidido a narrar da forma mais clara possível, como a não deixar dúvida. e no meio da promessa, já pressenti como será fácil cumpri-la. não se trata, filho, de não ensinar o certo e o errado. trata-se de aceitar o erro como parte da história que nos cabe cumprir por aqui.
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3 Palavrinhas:

Pips Marshall disse...

Lindo! simplesmente lindo!! É incrível como eles nos ensinam lições de amor,compreenção, verdade e generosidade,não é?
beijos
Fa

Rubiane disse...

e tudo se renova, de uma forma nova.

Unknown disse...

...menos a bola