quarta-feira, 10 de agosto de 2011

a dor de todos nós (ou louise bourgeois)

 explicando ao taxista o que eu ia fazer no instituto tomie ohtake num domingo: "(...) é preciso gostar de arte contemporânea para gostar desta artista". uma imprecisão. a artista em questão era louise bourgeois. esta foi a outra coincidência que me causou espanto. uma exposição de bourgeois em sampa. quando soube, comecei a desconfiar que não era coincidência. e comecei a acreditar no que caetano sempre repete: sampa é o mundo. tudo o tempo todo acontece. amo esta cidade com todas as minhas vísceras. divaguei: viveria numa casinha apertada, como a que estava hospedada, tranquila, só para ter o prazer de vivenciar tal mundo: louise bourgeois. 

a exposição me causou grande impacto. só não chorei mais porque a dor, diante de bourgeois, é sempre uma dor represada. uma dor silenciosa. dor de espanto. mesmo diante do abraço apertado (há  seres que se abraçam), pressentimos que não há ali encontro. a arte de bourgeois é tomada pelo estar só - um estar sozinho visceral, original = que vem da nossa própria origem. seres que choramos quando viemos ao mundo.

os seres pendentes, os seres de panos, os seres com prótese, os seres disformes, as grutas, os quartos, as celas - há aprisionamento em tudo. é difícil atravessar o impacto das imagens, seja das esculturas, seja dos desenhos, seja das frases - de todos os lados, dói. louise bourgeois pode ter se exilado nos estados unidos, mas sua arte é europeia, sem dúvida. em nenhum outro lugar, há tanto frio.

há uma falta de afeto na arte de bourgeois. falta de afeto por quem vê, diga-se. ela não tem piedade pelo espectador. não dá para ficar impassível. como pode? esta cela com este espelho. este corpo numa posição impossível (mas quantas vezes não nos sentimos assim, dilacerados, agônicos, desesperados, numa espécie de dor que é tão psicológica como física?), este ódio a um quarto tão antigo? = todos os nossos traumas estão lá transfigurados por uma beleza transcendente e perturbadora. não é por mim que chorei. não é por ela. é porque há beleza em coisas tão horrendas: nesta aranha a agarrar tudo. é tudo tão abjeto. como a tristeza. a tristeza é abjeta. nus. nus diante de nós mesmos.

e ainda.

era tão tarde. eu sentia muita fome e, mesmo assim, permaneci lá tempo suficiente para os guardas se incomodarem com minha presença, entre uma sala e outra. eu havia me perdido na cidade que vivi por mais de um ano. eu estava com o nariz vermelho. eu queria comprar o catálogo, mas era caro para quem já estava viajando há um tempão (fechei os olhos e comprei, mas, por culpa, como uma criança, fiz questão de dizer ao vendedor que era pobre - em outros tempos, diria que era estudante), eu queria comer naquele restaurante absurdamente caro, mas entre o catálogo e comer, escolhi o catálogo. queria ver minha mãe. e, quando saí, andei, andei, com a minha mochila pesada, com meus pés doendo a cada vez que pisava. queria queria e queria. e pisei forte, muito forte, para sentir a porra dos meus dedos dormentes, olhando ora pro chão ora pra cidade ora pra nada ora pra bem longe. e para me proteger pensei muito no Tatupai. pensei muito no Poeminha. pra lembrar que não estou sozinha. que por ora estou com eles. inteira. ainda que ali, naquele instante, estivesse tão cheia de pedaços espalhados.
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e ainda.
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quem puder ir, não deixe ir. porque de vez em quando é preciso destrancar as dores. no instituto tomie ohtake, até 28 de agosto, grátis, a maior exposição de louise bourgeois já vista no Brasil, uma das maiores artistas do nosso tempo.
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2 Palavrinhas:

Pips Marshall disse...

miiiiiiiiii, eu fui tb! é muito impactante! meu deus como suas palavras são lindas e como doe! Eu chorei la e chorei aqui com vc!
beijos de saudades
Fa

Milena Magalhães disse...

Fabiolabela, saudades de você! Que bom que você foi a expo da Louise Bourgeois. Ela atormenta meu sono/sonhos/pesadelos há bastante tempo, rs. Fiquei numa felicidade de menina quando soube desta exposição.

Um abraço bem abraço.