sábado, 2 de novembro de 2013

daqui

(escrito em 28 de outubro)

a vida faz e desfaz. estou aqui em sampa com a familinha enquanto aquele que por diversas vezes cuidou de mim na longa infância está em algum lugar inominável, inabitável talvez, sem que eu saiba se ele vai voltar para que possamos, juntos, pagar a promessa que ele fez, quando achava que eu estava prestes a morrer. não. não. tenho um blog em que a tônica é o modo como interpreto a minha vida e os acontecimentos que fazem parte dela, mas jamais colocarei "luto" na minha página de facebook para correr o risco de "curtirem" com a minha dor. minha dor não é para ser curtida. é para ser vivida por mim. e só por mim. o homem que me ensinou a ouvir histórias não é, para mim, uma estatística. não. as estatísticas nada têm a ver o humano. a dor é íntima. dói aqui onde ninguém pode alcançar. onde não há plateia.

às vezes, me pergunto se toda esta gente sem face, no momento de cortar os pulsos, colocará uma foto minuto antes? e todos esses sorrisos sem alma ainda saberão sorrir longe das próprias câmeras? apesar de me identificarem como um ser alegre, e eu mesma dizer tantas vezes como cuido desta alegria, desconfio muito de quem quer pintar a vida de rosa todo o tempo. o que diabo as pessoas estão fazendo com as suas vidas? que pessoas são estas com as caras enterradas em seus celulares? com suas mentiras alegres? com suas tristezas sorridentes? com seus recados coletivos de amor ao próximo, trancafiados em suas redes de segurança?

não. não. prefiro quem sente. prefiro tocar naquele ponto em que nada parece fazer sentido. prefiro ter medo de mim mesma. prefiro assumir que meus desvãos são tamanhos. prefiro dizer que cada dia é uma negociação. comigo. com o outro. com a vida. com o que desejo. com o que tenho. com o que perco. com o que ganho. pois é assim. de tudo até aqui tenho certeza das minhas tentativas. somente das tentativas. e dos encontros. nada é perfeito. nada está exatamente no lugar. nenhum comercial de margarina. sei que posso perder tudo, como já perdi outras vezes. e por outro lado, sei também do esforço. da vontade. da cumplicidade que tenho com algumas pessoas - que tenho com Poeminha e com Tatupai, especialmente. se não vou chorar lágrimas públicas, não é porque não posso mostrá-las. é porque estarei bastante ocupada com o que as provocou. é também por isso que não escrevo neste blog tanto quanto gostaria de escrever. por diversas vezes, enquanto faço algo que considero que vale a pena ser compartilhado, prometo-me que escreverei aqui depois, mas a força da vivência acaba sendo maior do que a da partilha. não é mais importante viver? aprender a cuidar da vida?

na tarde em que fiz 39 anos, assisti a um musical infantil. foi e não foi bonito. porque, às vezes, a vida é assim. Poeminha sentiu a tal ponto. tudo. e dormiu no final. em algum momento, agradeci minhas lágrimas sinceras. só podemos ver a beleza, quando algo em nós permite que ela exista. estranho, não? posso não hoje explicar. também não posso fugir de um certo melodrama. prometo que é só hoje. daqui a pouco, vou agarrar meu filho pela mão e ver com ele a arte de Lucien Freud. poderia levá-lo ao zoológico, e vou me sentir culpada se não conseguir levá-lo (sempre há quem nos diga o que não é certo, o que deve ser feito!). e por outro lado, se eu pudesse pedir algo por ele, eu pediria aos deuses que meu Poeminha achasse mais importante admirar aquilo que é feito pelo humano do que gostar de ver animais enjaulados. porque talvez não exista nada mais importante na vida do que uma certa abertura para o mundo, uma certa curiosidade, um certo cuidado, um certo desejo que transcenda a miséria humana,  seja a nossa, seja a dos outros. 
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3 Palavrinhas:

Marcio disse...

Para variar, foda...

Millena disse...

Nossa ... Acho que é só. Tó sem palavra.

Millena disse...

Palavras ...