sábado, 14 de outubro de 2017

mano --- tão bonito



Mano está à direita, blusa preta, de boné. com o prato na mão, comilão, que nem eu.

nesta semana, tia Fá postou uma lembrança de um daqueles almoços na casa dela, sempre festivos, sempre felizes. eu sinto falta. eu sempre fui uma pessoa nem sempre presente. ou quase nunca presente. mas sempre muito acolhida. eu chego nestes almoços e é como se estivesse ali todos os dias. eu sinto assim e sinto que as pessoas me sentem assim também. meu irmão era de outra ordem. meu irmão se fazia presente. aparecia pela necessidade de aparecer. ele devia sentir saudade --- o que eu sinto apenas agora. 

pois foi isso que senti de forma ainda mais tangível ao ver as fotos que tia Fá postou. meu irmão estava lá em um daqueles almoços. era 2015 e meu irmão ainda estava lá. meu irmão e seu sorriso banguela porque ele não estava muito disposto a cuidar do seu sorriso banguela, embora Maneca sempre dissesse que pagaria para que ele --- meu irmão era miolo mole. e nisso, somos muito parecidos. 

eu me espanto e me enterneço ao ver - e pressentir e relembrar - o jeito terno do meu irmão. ele era terno. um terno envergonhado, como se a vida toda devesse ter feito dele o contrário da ternura e não tivesse conseguido. meu irmão era do sertão. meu irmão era pobre de marré. meu irmão ia pra mata porque sabia que não era bicho da cidade. e meu irmão tinha amores grandes dentro de seu peito. 

não sei se é por isso, mas todos os dias eu penso que a vida ficou mais feia, mais triste, porque meu irmão não vive mais. já experimentei de tudo::: xinguei-o por dias seguidos porque ele entrou naquele poço; rememorei tudo que vivemos juntos e amaldiçoei o que esqueci; filosofei sobre a finitude da vida, sobre o luto, sobre a perda, sobre o que fica depois da morte. mas tem dias, como este em que vi as fotos das lembranças de tia Fá, que nada adianta. 

eu quero meu irmão vivo --- é fato. um fato nunca mais possível. quero meu irmão vivo para poder não sentir saudade. #agorapronto, diria ele. e se levantaria dando por fim a conversa. agora pronto --- me vem o medo de morrer. uma certeza de que nós, da geração 70, estamos destinados a. meu irmão não levaria a sério esse meu medo. meu irmão gostava de mim e adorava nossas parecenças. 

 é difícil viver sem meu irmão. me dá ânsias de novas vidas --- fico querendo novas vidas. já não quero mais os velhos problemas. nem os sentimentos viciados e acomodados. por ora, domestico essas ânsias. e fico nessa labuta. mas aqui dentro tudo me contorce. sigo os dias. e acho que porque estou inteira dentro. em outubro do ano passado, eu havia decidido tanto. aí, janeiro chegou e o ano todo se vestiu de luto. estou assim. ainda. e não estou com pressa. mas outubro chegou novamente. não me veio nenhuma nova alegria. apenas a lembrança do outubro passado.  em outubro e novembro, parece que todos nós renascemos: minha mãe, Ferdin, eu, ManaMácia, Maneca. agora, tem sido difícil o renascimento. o Mano parou de renascer. mas eu sinto --- como hoje ao falar mais de hora com manaMácia --- que estamos no caminho de reaprender. e vamos nos encontrar e chorar e sorrir e falar e amar. em breve. e Mano não estará. mas estará. porque eu descobri agora o que é isto de alguém estar para sempre em mim --- é um músculo. mano está em mim, no meu coração --- é um músculo que pulsa, inseparável de meu corpo, de meu pensamento, de minha vida. 

e não é só ele. meu pai. minha mãe. manaMácia, Maneca, Morg, Ferdin. estão em mim. meu filho está em mim --- mais e mais. e tantas outras gentes - não tantas, mas minhas - estão em mim. meu irmão não precisava ter morrido para eu descobrir isso. eu já sabia. latente, sabia. mas o fato de ele ter morrido torna essa constatação tão mais dolorida, tão mais grande, tão mais triste, tão mais difícil de ser vivida. 
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