sexta-feira, 18 de abril de 2008

O canto que vem do frio

No fim de semana que passou, eu, o amado e AnaFlor fomos ao show de Vitor Ramil e Marcos Suzano, lançamento do cd dos dois, Satolep Sambatow. Suzano dispensa apresentações. Sua percussão, que ficou conhecida pelo pandeiro, e hoje flerta com o eletrônico, é famosa. Suas parcerias dão sempre o que falar. Eu adoro o Olho de peixe, com Lenine. Já Vitor Ramil é menos conhecido, mas não menos talentoso. Ele é um compositor de primeira. E vem do frio, de Pelotas, no Rio Grande do sul. Desenvolve a estética do frio, como ele denominou o título de seu livro. Sua música, então, nada tem a ver com a “festividade” do verão: é intimista, cheia de imagens surreais. Desde que o ouvi, lembra-me qualquer coisa de cancioneiro. Um homem contando e cantando a nostalgia com uma força poética incrível: as letras são muito poderosas e trazem mesmo esta estética da solidão, um certo modo nostálgico envolvido em mistério; a semântica nunca é exata, transfigurando-se sempre em alguma imagem indefinida, como se a cada objeto, seja pessoa, seja sentimento, seja lugar, fosse dado um outro sentido, um outro lugar. Ainda não posso falar muito. Tenho apenas um dos seus cds: o Tambong. E ouvi há muito tempo Longes e Ramilonga. Foram estes que me fizeram ir ao show. Minha parca memória guardou-os como um momento de pura beleza. O amado depois me disse que a voz dele parece com a de Caetano. Parece mesmo, o que não é demérito, nem mérito. Ramil tem um estilo que é dele, que vem das suas belas letras acompanhadas pela busca da melodia perfeita ou da palavra exata. Vi que ele tem uma paixão por Bob Dylan. E pelos poetas, colocando-os lado a lado da sua poesia. Em Tambong, tem uma versão de Gotta serve somebody e, no show, ele cantou Joquim, que está em outro cd e é uma versão de Joey. Musicou também o belo poema de Paulo Leminski que me me arrepia cada vez que a ouço:
**********
Desta vez não vai ter neve
como em Petrogrado aquele
dia. O céu vai estar limpo e o
sol brilhando. Você dormindo
e eu sonhando.
**********
Nem casacos nem cossacos como
em Petrogrado aquele dia.
Apenas você nua e eu como nasci.
Eu dormindo e você sonhando.
**********
Não vai mais ter multidões gritando
como em Petrogrado aquele dia.
Silêncio nos dois murmúrios azuis.
Eu e você dormindo e sonhando.
**********
Nunca mais vai ter um dia como em
Petrogrado aquele dia. Nada como um
dia indo atras de outro vindo. Você e eu
sonhando e dormindo.

Ramil está bem acompanhado. Seja pelo parceiro de agora, Suzano; seja por Katia B, que participa do novo disco e cantou no show; seja pelos poetas que lhe acompanham; e pelos músicos também, ele é mais um tesouro da música brasileira. Pena que tão pouco conhecido por estas bandas! Alguns momentos com letras de Tambong:
















Vou andei. E me chegando assim te cercarei.
Digo, aqui tô eu. Que te amo e às tuas pernas quero bem.
...
E tudo isso foi no mês que vem.
Foi quando eu chegar. Foi na hora em que eu te vi. (Foi no mês que vem)
















Pintei de verde a grama em dia claro.
De verde forte e falso e vivo e raro.
Que seja a grama brutal. Se eu quero a cena ideal (Grama verde)



As imagens descem como folhas. No chão da sala. Folhas que o luar acende. Folhas que o vento espalha. Eu plantado no alto em mim. (A ilusão da casa)

















Quarto de não dormir
Sala de não estar
Porta de não abrir
Pátio de sufocar (Espaço)



Dia de sair. Ir naquela idéia radical. Tudo o mesmo, nada sendo igual. Tudo pra valer.

















Estrela, estrela. Como ser assim.
Tão só. Tão só. E nunca sofrer.
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2 Palavrinhas:

Loba disse...

Depois de ler este texto só posso dizer que fiquei faminta!!!! Será que encontro algo deles aqui na net? de qq forma, vou procurar, ah vou!
Este poema do Leminski tb me arrepia... e já estou imaginando com melodia!
Seu texto é um belo convite, viu? até pra inveja! rs...
Beijoconas

Bee Box disse...

Você viu Vitor Ramil!!! Tenho aqui, vários CDs autografados, ahah... Nem um pouco tiete ^^
Besito.