terça-feira, 25 de outubro de 2011

livros

amanhã, eu faço 37 anos e, talvez pela primeira vez em muito tempo, não sinto "aquela" euforia. e eu acho isso de uma tremenda ingratidão com a vida. então fica assim: próximo ano, eu prometo comemorar. o que comemorar, tenho. há tanta beleza por aqui::: só a existência do Poeminha, com seu sorriso lindo, suas mãos delicadas agarrando nossos rostos para dar aquele beijo, com seu mamã em tons diversos, já seria motivo de soltar muitos rojões. 

então, façamos um brinde a minha porção leitora que, no meio de tantas intempéries, existe e resiste. eu tenho tantos livros na fila que bem poderiam ser testemunhas de que meu ser leitora anda bem combalido. basta dizer que não li NENHUM dos livros que comprei por causa da Flip (e não foram poucos). mas as minhas novas investidas na vida têm me proporcionado momentos maravilhosos de leitura. vale a pena se demorar sobre isto, então. 

o livro mais sofrido, mais lindo, mais intenso que li nestes dias foi o Diário de luto, de Barthes. Nas primeiras páginas, eu já comecei a chorar, embora o início seja contido, quase uma investigação neutra sobre o luto. como eu pretendo escrever sobre este livro numa outra postagem, deixo assim::: desde sempre Barthes é meu escritor essencial, porque de sua escrita eu sinto que sai uma inteireza sem máscaras. e neste livro de notas sobre o luto da morte de sua mãe cada linha é um exemplo dessa inteireza. todas as razões por que amo Barthes estão aqui. e quando falo em gratidão, refiro-me a isto: sou grata a Barthes por ele ter existido e por ter escrito o que ele escreveu, como escreveu.

dos outros três que quero falar, dois são romances contemporâneos: Passageiro do fim do dia, de Rubens Figueiredo e Inferno, de Patrícia Melo. eu nunca havia lido nada desta escritora, embora soubesse de todo o seu sucesso.e confesso que gostei. fiquei ontem até às 3h da manhã, acompanhando a saga de José Luís, garoto da favela carioca que se transforma em grande traficante. e no fim da leitura, bateu-me uma grande nostalgia. depois, fiquei pensando que esse traço de identificação advenha da própria narrativa que, embora trabalhe com graus de violência e crueldade altíssimos, e também com uma virulência terrível em relação às personagens, não nos impede que, testemunha dos seus percursos, ora nos aproximemos ora nos afastemos delas, chegando quase a perdoá-las, a torcer por alguma via de saída. que não há. toda uma tradição sobre a relação ambígua que mantemos com esses espaços sociais poderia aí ser desnudada. no samba, na canção popular, no cinema, na literatura, o pivete vai ser sempre esta mistura de anjo e demônio. todas as desigualdades, mesmo que não seja a intenção, acabam por ser descritas como as responsáveis diretas pelo ocaso destes seres; daí a culpa terrível que recai sobre quem lê, embora tudo seja tão "cinematográfico". deixo aqui um talvez.

eu estava tão ansiosa para ler Passageiro do fim do dia que talvez isso tenha atrapalhado. Eu havia lido Barco a seco, do mesmo autor, e gostado muito. Daí que quando começaram a falar do lançamento do seu novo livro, eu logo o tenha colocado lá em cima da minha lista de leituras imperdíveis, atropelando vários outros. e confesso::: não gostei. sempre o gesto estéril do gosto/ não gosto. e pela mesma razão: senti falta de densidade nas personagens. o livro é primoroso na relação que estabelece com o espaço, mas o "olhar de fora" do protagonista me fez pensar mais uma vez do quanto a narrativa brasileira contemporânea está marcada por um ascetismo exagerado. Pedro não parece ser afetado nunca por aquilo que ou está na iminência de acontecer ou já aconteceu. tanto no presente, como passageiro de um ônibus que pode estar levando-o para um espaço de violência, colocando-o numa situação de perigo, quanto na rememoração do seu passado medíocre, que o conduziu até ali, tudo me pareceu antipático, estéril, cerebral e racional. até o amor que, muito depois, ele demonstra sentir pela namorada pobretona - razão por ele estar no ônibus que o conduz a sua casa - é colocado quase como se fosse uma vergonha, mais uma marca do fracasso do protagonista. enfim, é  como se não faltasse técnica para um tratado sociológico disfarçado em romance, mas sobrasse inaptidão para o aprofundamento do que é próprio do romance, seja lá o que isso for. e eu acho que uma das intenções foi esta mesma, de mostrar como há sujeitos que vivem de forma medíocre, e estende isso para todos os aspectos da sua vida, mas também acho que houve outras intenções, como a de fazer um relato de viagem que fosse, sobretudo, uma viagem interior. o problema é que no interior parece não haver nada. então, sobram aquelas cenas patéticas das injustiças sociais, atravessadas pelo olhar analítico do outro que, admite, não pertence ao lugar para onde se dirige: a namorada que pensa que é diferente dos seus amigos suburbanos, mas que não consegue esconder sua diferença em relação ao mundo que quer adentrar, o quase sogro mestre de obras que é obrigado a se aposentar e sonha adquirir um cartão de compras e quando consegue... por isso, como leitora, eu quero poder dizer que não gostei, apesar do mainstream especializado ter assinalado esta obra como uma das mais importantes de 2011.

relação oposta foi com Livro dos homens, do Ronaldo Correia de Brito. e se eu já era apaixonada por esse escritor só de ler suas entrevistas, agora gosto mais ainda (adoro o modo como ele trata a questão da regionalidade na literatura, sem escamotear nada). tudo que eu disse anteriormente, serve aqui, mas no exato contrário. é bonito é bonito é bonito. sabe aquilo que faz com que nos apaixonemos por uma personagem, como se ela fosse de carne e osso? pois os homens de Brito são assim: como se fossem gente de verdade; assim, na beleza e na feiura mais transparentes. cada conto revela uma beleza interior em contraste com o exterior (o seco do sertão nordestino). por outro lado, não posso deixar de dizer que talvez a relação pessoal que tenho com os espaços descritos seja a responsável pela minha enorme emoção. de certo modo, eu conheço todos os homens de Brito, eu já convivi com eles e, mais ainda, eu sou um deles. e isso deve fazer muita diferença.
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2 Palavrinhas:

Halem Souza disse...

Nunca tinha ouvido falar nem em Rubens Figueiredo nem em Ronaldo Correia de Brito (vou correr atrás).

Sobre um trecho da sua postagem: "sabe aquilo que faz com que nos apaixonemos por uma personagem, como se ela fosse de carne e osso?".

Milena, acho que o que mais me dá prazer numa obra literária é justamente isso: a empatia com um ou mais personagens! Muitas vezes, abandono uma narrativa (ou então leio com má-vontade) só porque não senti emoção alguma (agradável ou não) com o modo como os personagens vão se apresentando e se construindo.

Grato pelas dicas. E parabéns pelo aniversário.

Mácia e PH. disse...

Mana e suas leituras. Parabéns sempre nós te amamos. bjbjbjbjbjb.