quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Ser mulher sem tempos mortos


Realizar algo em que se coloca muita expectativa pode ser meio caminho andado para a decepção, para a sensação de que a imaginação era muito maior do que o acontecimento. Um risco. Falo ainda da peça Viver sem tempos mortos, direção de Felipe Hirsch, com Fernanda Montenegro. A outra peça que eu escolhi assistir nos poucos dias que fiquei em Sampa – Prometeus – mais me decepcionou do que causou admiração. Daí, o temor.

Quando me sentei na penúltima fila da plateia, porque não havia mais nenhum lugar mais próximo, ao lado da manaMácia, para assistir a Viver sem tempos mortos, eu me dei conta do risco.  E como pensamento não tem rédeas, no momento mesmo em que Fernanda Montenegro entrava no palco, eu pensava: “Caralho, será que vai ser bom? E se eu estourei, mais uma vez, o tal orçamento doméstico em vão?"

Quando Fernanda, já sentada na cadeira da qual ela só se levantaria uma hora depois, começou a falar, passando a ser Simone de Beauvoir, esqueci imediatamente esses pensamentos tolos. E ora com tristeza, ora com alegria, ora com emoção, de forma indefinida e veloz, eu senti ali imensa consciência de ser uma mulher; não por ter nascido mulher, mas por ter me constituído como tal, porque as batalhas de uma mulher são e sempre serão diferentes das do homem.  E é um risco muito grande ir ao encontro da liberdade. Não falo daquela liberdade emancipadora e por vezes autoritária, que tantas vezes foi a minha guerra. Falo da liberdade de poder ser livre sem perder a ternura – saber-se presa a algo, a alguém, a alguéns, e ainda assim manter o desejo e, com ele, escancarar as portas.

E por que não saber que, às vezes, não temos como ir além porque seria estrangular demais os próximos passos, e outras vezes, estar disposta a estrangulá-los? Eu achava até então que o nome disso era maturidade, e me achava próxima a ela, embora a imaturidade, o egoísmo, a displicência, não me abandonem por mais que eu peça aos deuses. Porém, assistindo a Viver sem tempos mortos, eu me senti, ao invés de madura, mais livre. Livre, por exemplo, para enterrar os passados ruins (porque nunca é apenas um); livre para vivenciar com mais leveza  as insatisfações do ambiente profissional e continuar escavando ali o que me detém, e mais livre ainda para desejar o porvir nunca mais desacompanhada. 

Como é possível tanta potência diante de uma mulher sentada, falando como se fosse outra? Eu me vejo obrigada a me despir de toda teoria para dizer simplesmente que, se não é apenas a arte que pode nos levar a tal estado de potência, ela é, sem dúvida, uma das manifestações mais eficazes.      
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Imagem borrada do teatro Raul Cortez, onde está Viver sem tempos mortos.
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1 Palavrinhas:

Unknown disse...

Professora Milena,



só recentemente, a partir de um curso de Especialização em Literatura e Ensino feito pelo IFRN, entrei em contato com um texto de Barthes (pode até ser que na minha distante formação em Letras eu tenha visto algo dele, mas não recordo). O impacto que você teve também ocorreu comigo. Encontrei o seu POR QUE (AMO) BARTHES? quando buscava algo mais dele. Lera dele apenas o O PRAZER DO TEXTO, por exigência do curso. Aliás, interessante foi constatar o impacto negativo que a obra teve em alguns de meus colegas de curso. Acharam o texto demasiado estranho, confuso, incompreensível.

Para mim, tratou-se de um texto não compreendido integralmente mas que deixou uma impressão altamente positiva. Achei a escrita dele genial.

Busquei na net o texto dele A AULA e já comecei a saboreá-lo aos poucos, como quem degusta uma sobremesa bem especial.

Partilho de suas impressões sobre a escrita de Leyla Perrone. Como sou poeta, senti uma leve vontade de encarar o desafio de, um dia, fazer um trabalho sobre Barthes. Será que eu não poderia, de algum modo, fazer algo que o tenha como protagonista na monografia que apresentarei ao final do curso? Quem sabe, né?




Tem algo mais escrito sobre ele? Que obras recomendaria?



Um abraço, e obrigado por partilhar o texto na net.



Veja blogs que gerencio:



http://apoesc.blogspot.com / http://bloggcarsantos.blogspot.com

Tentei enviar-lhe um mail por gcarsantos@gmail.com mas parece que não deu certo.