domingo, 31 de março de 2013

das horas

        imagem da bienal de artes de são paulo que eu esqueci o nome do artista
o problema do excesso de trabalho, às vezes, nem é o excesso. é a vontade de não fazer. há sempre um momento em que dá vontade de ser um Bartebly e sair espalhando: "acho melhor não". e essa vontade de não fazer advém da constatação de que toda a vida está girando em torno do trabalho. eu não sei como me meti nessa roubada. eu que sempre fui tão desatenta com as coisas do cotidiano, envolvida num mundo interior que eu julgava tão conturbado quanto bonito, tamanho o excesso de lindezas a que eu me permitia - um pouco todos os dias.

eu levava tão a sério uma vida voltada para a belezuras que fazia listas e mais listas. do que fazia e do que ia fazer em breve, muito breve. as listas persistem, mas não tenho vontade nem mais de atualizá-las. compro livros que não têm a ver com os estudos muito mais por compulsão do que por acreditar que vou lê-los. teimosa, separei uma pilha desses livros e fiz a lista com um título irônico de "lista-deleite" (uma das bobagens que ando precisando saber para poder não morrer de fome), com a esperança de que... O último leitor, de Ricardo Piglia; A filosofia da composição, de Edgar Allan Poe; Andy Warhol, de J. C. Danto. Reparem que nem são livros de literatura. São ensaios que até servem para os estudos, mas que por não se relacionarem diretamente com as mil atividades que caem diariamente sobre a minha cabeça, têm poucas chances de serem lidos, apesar da minha boa vontade de separá-los em pilhas "especiais".

minha vida tem parecido isto: pilhas especiais de desejos não cumpridos: domingo com os dois homens da minha vida, sono de 10 horas seguidas, 3 a 4 filmes por semana, 50 páginas de leitura por dia, alguma viagem (Inhotim continua lá e eu aqui descascando batatas...), parecem não caber mais; assim, coisas que eu fazia bem, tudo muito, como já me disse Mariamada.

agora, eu só cumpro a lista de "Tarefas diárias". e ainda assim, malemale. quando eu vejo, já há muita coisa acumulada: relatório com prazo estourando, monografias a serem lidas, orientações não dadas, emails não respondidos, organização de evento super atrasada, e os anais do Silic anterior. como assim, ainda não foram enviados aos participantes? e a organização da revista, também nem comecei? e já venceu o prazo da revista que enviaria um artigo? venceu hoje? pois é. uma colega de trabalho, com o mesmo acúmulo desumano de trabalho, me disse que estava com medo de virar uma farsa. ou melhor, já estava se sentindo uma, tamanha a falta de tempo para o exercício da reflexão. assino embaixo. houve um tempo em que eu pensava que ser professora universitária era o grande lance para ter tempo  de estudar, ler, pensar. agora, pareço um camelo. 

daí que volta e meia eu me pego pensando em fazer de novo um concurso que me levaria de volta àquele empregodeassinarpontotodososdias, como o que eu tinha há alguns anos e ganhava mais ou menos o que ganho hoje e tinha tempo de passar longas noites de festas e tempo para ler meus livros, e tinha dinheiro para viajar e também para jantar quase toda noite no que eu considerava o restaurante de peixe mais saboroso de Porto Velho. tudo bem que eu era jovem e gastava mesmo só com estas bobagens. não me importavam em nada as espinhas no rosto, o cabelo oleoso na raiz e as roupas compradas nas lojas Marisa. agora, com quase 40 anos, até as espinhas irritam, para não falar sobre as tais gordurinhas que teimam em se apossar no meu outrora corpo magro. Mariamada, que me conhece como ninguém, não leva a sério estes meus resmungos. no telefone, eu reclamo, resmungo, ameaço chorar e, quando menos esperamos, já estamos dando gargalhada e traçando planos para... mais trabalho (!). assim, nem eu posso me levar muito a sério. de todo modo, hei de encontrar um jeito de refazer o meu percurso para poder me livrar de um tanto de tranqueira. 
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