sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

infância


tive não infância. a infância no Nordeste, na minha época, era um longo processo de privações, de falta. tudo era escasso. até as brincadeiras eram escassas. não havia brinquedos. e não havia liberdade de fazer de brinquedo o que estava a mão. lembro até hoje das resmas de papéis que, num dia já tão distante, quis usar como divisórias de uma casa imaginária de brinquedo e fui violentamente impedida. era preciso que tudo estivesse em ordem. 

tenho medo não de dizer. foi quase tudo muito sofrido. naquela época, não havia infância. os adultos, muito preocupados em sobreviver, em garantir o mínimo de dignidade. minha mãe era assim. penso que imaginava como apagar, como dissolver, o que era quase tudo uma falta inominável. e minhas irmãs, igual. as roupas de festas eram suas únicas preocupações, porque eram tudo que tinham para esconder um pouco o deserto frio. como fazer de conta que a vida não era miserável? havia não espaço para ser criança. para se lambuzar. para rolar na areia. a higienização implicava em ter que comprovar que a vida era limpinha, apesar da enorme falta.

precisa não ser assim com Poeminha. suas roupas bonitas podem e devem ser arrastadas pela alegria de ser criança. e ainda que eu faça a divisão (como não carregar o peso do que já passou?) do que pode ser ou não brinquedo, ele sabe ignorar. tem a gentileza de nada quebrar. e de contar as "babunças". há espaço para o pé no chão. para a calça suja de areia. roubarei não isso do meu filho. pé no chão. areia. sorriso franco e largo.
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quando ele se afasta muito, eu digo:::: "filho, você me ama?". sei  que, ainda, a resposta será sempre a mesma, o gesto será sempre generoso. e enquanto for assim, eu desejarei que seja sempre assim. ele precisa, é certo. mas eu preciso muito mais. sei da necessidade e não exijo nada. 
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é bonito, é bonito.
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1 Palavrinhas:

Neuza disse...

Que texto liiindo! Você está escrevendo como uma fera!