quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O perfume, de Patrick Süskind


Mas o ódio que sentia pelas pessoas permaneceu sem eco. Quanto mais ele as odiava nesse momento, tanto mais elas o adoravam, pois nada percebiam dele senão a sua aura, a sua máscara odorífera, o seu perfume roubado, e este era, de fato, divinamente bom.

Terminei a leitura de O perfume, de Patrick Süskind. Estava lendo-o quando Poeminha resolveu vir ao mundo. Depois, ele ficou um tempinho na cabeceira. Aliás, é uma releitura. Havia assistido ao filme em Paris em um dos cinemas mais bonitos de lá. E não gostei muito. Porém, não lembrava muito do livro. Só minhas marcações revelavam que eu já o havia lido. Esta memória tirana. O livro é formidável - infinitamente melhor do que o filme, constato agora, embora não goste muito desta comparação, em que o livro, para os aficcionados, sempre acaba por ganhar. Esta é uma daquelas comparações que não dá em nada, além de ser previsível. Como eu gosto de cinema tanto quanto gosto dos livros... Mesmo assim, arrisco um palpite de o porque de o filme ser tão distante da excelência do livro: a culpa é do protagonista que, no filme, parece um abobalhado, enquanto que, no livro, ele se parece premeditadamente abobalhado. Eis toda a diferença. O verme Jean-Baptiste Grenouille, de fato, é um homem mau. E a narrativa da sua vida, desde a hora do nascimento até ao momento em que decide extingui-la, é para reiterar esta maldade, que acaba por destacar a de todo ser humano com o qual ele convive. Neste sentido, as forças antagônicas estão irremediavelmente ligadas: a vida e a morte, o odor bom e o odor fétido, a explosão de cheiros (sentida por Grenoille) e a ausência de cheiros (inexistente em seu corpo). Daí vem a inexistência de sentimentos ligados ao corpo. A matéria seria desnecessária, se não fosse ela que carregasse os odores.

Como trazer para a linguagem o olfato? O ar fétido da Paris do séc. XVIII, a podridão das ruas, o corpo nojento das pessoas, a putrefação das comidas, o fedor dos cadáveres, o horror, o horror... embora a linguagem seja clássica, está tudo aqui. O escritor alemão nos conduz por uma viagem inebriante pelos infinitos odores do mundo. Aproximamo-nos tanto do abjeto quanto do sublime e nos damos conta de que eles estão sempre próximos. E espantados, concluímos que é para esconder o abjeto que buscamos o sublime. As garras daquele são as asas deste.

É, portanto, a história da incompletude de um eu que, sabendo-se deus, reconhece como ninguém a solidão. E a solidão leva ao mais primitivo dos sentimentos: o ódio - que bem pode ser amor.

Soberbo!



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2 Palavrinhas:

Ana disse...

Eu lí o livro e ví o filme e não percebí o que tinha me incomodado no filme até ler seu texto Milena. Também gostei bastante do livro e sua análise ficou fantástica. Beijocas, Ana (de BH).

Sergio disse...

Oi Mi! Pois é... Voltei ao Nelson depos de um montão de tempo. Poxa...Li o livro do Suskind faz um tempão, sugerido pela Rose, logo que saiu, no século passado...eheheh.

Sim! O perfume é um livro impressionante, o Suskind conseguiu um feito raro, que é fazer aquela coisa crua, feroz que são as descrições do livro, sem imagens visuais...Os odores, o cheiro é o que manda!

O filme é uma porcaria (eu acho). Pena que o Suskind não tenha feito nada melhor depois.

Beijos