sábado, 1 de janeiro de 2011

Para 2011, coragem


Saudações a quem tem coragem

Aos que tão aqui pra qualquer viagem
Não fique esperando a vida passar tão rápido
A felicidade é um estado imaginário
Frejat, Dé e Guto


Eu morri. Morri uma pequena morte em 2010. Não sei onde li sobre a impossibilidade de proferir a frase "eu morri". Acho que em Derrida. Mas em algumas ocasiões, talvez seja possível. Quando o fio de medo percorre seu corpo e martela, é ali que a morte está. Por um erro médico, quando minha doença, enfim, foi diagnosticada, eu morri. Senti o fio da navalha, meu corpo em pedacinhos jogado aos abutres. E não adiantou nada os médicos ao redor me tranquilizarem. Se um médico havia me dito que ter Guillain-Barré era definhar até morrer, era nele que eu deveria acreditar. Ali eu ainda não sabia o quanto um médico pode errar. Cada segundo daquela noite, eu senti medo. Esta doença me pegou lá onde morava a minha inocência e me arrancou de lá a pontapés. Por isso, eu faço questão de não heroicizar nada. Fui pequena diante da morte. E acho que tem que ser assim mesmo. É uma tolice deliciosa arrotar a ausência de medo da morte. Precisamos desta tolice quando a vida toda parece estar a nossa disposição. Quando parece haver tão pouco, fica apenas o essencial.  E apesar de amar tanto a vida, de querer tanto viver tanta coisa, durante toda a noite em que pensei que ia morrer, eu só conseguia me lamentar porque achava que não veria uma outra vida. A do Poeminha. E ainda hoje, quando o medo já passou, quando eu não morri, e resta-me da doença apenas a rotina enfadonha de um tratamento demorado, que vai me livrar das dormências e restaurar minha força, é quando olho para o Poeminha que mais agradeço por estar aqui. Durante a fase crítica da doença, eu devo ter clamado a Deus, mas não me senti injustiçada. Assustei-me horrores com as dores, mas achei que bem podia morrer mesmo, por que não?  Nunca, em nenhum momento, eu disse ou pensei: "por que comigo?". Talvez porque nunca vi doença como castigo. Morrer é o esperado. É o inevitável. 


Às vezes, eu devo ter pensado: "Vivo com amor à vida. E vivi intensamente. Já morei em Paris. E já fui em muitas cidades que 'arrebentaram minha retina', como Toledo, Praga e Rio de Janeiro. E morei em barraca na beira da praia,  sem um tostão no bolso. Já li Crime e castigo e só não terminei Em busca do tempo perdido por puro enfado. Já fui ao show da Björk e fui a Bruxelas só para ver Bob Dylan. E fui sozinha. Por amor à vida. Vivi belas histórias de amor. Tão aberta ao outro como não se pode ser. E agora vivo outra. Deixo mesmo no mundo um homempai. Um tatupai. E sobretudo, um filho. Tive um filho nas minhas entranhas. E já bebi grandes porres com os amigos mais queridos que se pode ter neste mundo. E escrevi uma dissertação, que renego, e uma tese, que admiro como Narciso. Então, eu deixo uma obra. E por isso, choramingo. Porque o que falta fazer não é da ordem do que não foi feito, mas da ordem do que deveria continuar fazendo". Eu devo ter pensado assim muitas vezes. 

Então eu desejo muita coisa em 2011. A minha meia dúzia de leitores, eu desejo sobretudo coragem. Coragem não para morrer. Mas para viver. Porque, diante de uma pequena morte, conta muito a vida que se vive. Conta muito a coragem. Não só ir em frente, mas ir sofregamente. Isso que o Poeminha ensina lá em cima. Ver o mar e sair em disparada para sentir o gosto do sal, o bater das ondas. Antes que algo ou alguém venha e lhe agarre.  Conta muito a alegria. Gostar de gostar.
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3 Palavrinhas:

Jeferson Cardoso disse...

Olá, Milena! Que 2011 seja um ano de muito sucesso e alegria! Abraço do blogueiro Jefhcardoso, de blog em blog

“Para o legítimo sonhador não há sonho frustrado, mas sim sonho em curso” (Jefhcardoso)

Feliz2011!

http://jefhcardoso.blogspot.com

Anônimo disse...

Oi, Milena! Sempre acabo aqui quando visito o blog da Candice, tem um link la pro seu. Adoro a forma como voce escreve, e este seu post tá lindo demais. Boa sorte pra voce e recuperacao rapida. Juliana

Anônimo disse...

Acho que vc já tem bem mais que meia dúzia de leitores... Aliás eu sempre faço propaganda desse blog... Esses dia te vi na rua e fiquei com uma vontade de falar que sou sua leitora, mas fiquei com vergonha...
bjuuu e muita saúde