segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Álbum de memória - Adriane Hernandez

Segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Adriane foi embora num fim de dia chuvoso e triste = azul quase cinza. Eu triste pra cacete. As coisas acontecendo e eu já sentindo a sua falta. A chuva é fria em Paris. Eu, ela e Mari correndo na chuva sentimos isso. Sem abrigo por perto. Subimos na torre Eiffel horas antes de ela partir. Dri tem medo de altura. Suas pinturas são azuis. Seus objetos também. O pão é "amarelo queimado" como todo pão. E branco por dentro. Por duas vezes, vi-os pela tela: ela a me dizer. Prateleiras com mãos humanas entre pães = as mãos da sua mãe. Massa de pão parecendo nuvem carregada de água "mas tem peso". Telas (gigantes, ela me diz) de banheiros meio disformes = o azul se apossando dela como imperativo. E não deve ser difícil uma arte do azul? Picasso, na sua fase azul, é de uma tristeza de escorrer lágrima. O quadro do Soutine que mais me abisma é azul e "amarelo queimado" no centro. Le poulet plumé. O azul da Dri é delicado. Não me parece de dor, a não ser aqui e ali. É uma memória do azul = associações que nos leva a outros objetos, outros tempos. A toalha da mesa que não pode ser separada do pão = a vida nos pequenos gestos [comer pão na mesa preparada para o café da manhã]. Quando vivi isso mesmo? É aí que habita a dor da obra da Dri. Em quem olha. Vestígios do que não se tem ou se viveu ou se perdeu ou se guardou. Indícios, ela me diz. E tem o corpo, isto que sente. Dri embrulhada em papel de pão. O corpo amarelo, como todo corpo, dentro do papel de pão. A sensualidade do pão, o horizonte no pão, o pão onde não se imagina. Este inesperado da delicadeza das pequenas coisas é o que mais me encanta na Dri artista, amiga, pessoa, gente, mulher. Azul e branco sobre azul e branco nas mãos de luva. A mão amarela escondida pela luva azul e branco em cima da toalha de mesa azul e branco. Quadrados. Migalhas. Momentos tomando conta. Me vêm agora estes lampejos, estas frases sem sentido. Sou um azul de saudade num dia branco nesta cidade cinza.
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