terça-feira, 5 de agosto de 2008

Bilhete deixado na janela

Ainda a noite é muito longa, mas vai ser apenas hoje. Eu sempre fui a primeira a dizer que amor tem prazo de validade, salvo para alguns poucos. Difícil é pôr as lembranças a salvo e longe. O tempo, eu sei: senhor. Os cheiros com outros cheiros no mesmo ar, até que se esvaiam. Se eu tivesse sabido, teria guardado você bem aqui junto de mim. Mas eu vou lhe guardar de qualquer jeito. De outro jeito, mas vou guardar. Quando eu vi você naquela última vez, eu já sabia que você já tinha partido. E senti muita serenidade. Vi você correndo na rodoviária e me perguntei quem era aquele que corria. Não me reconhecer já era sua forma de adeus. E procurei deixar você ali no banheiro da rodoviária junto com aquela água misturada com xampu. Mas quando saí você ainda estava ali. Nenhuma emoção no olho de pedra que você aprendeu comigo. Eu gostava de ver você dormindo enquanto a insônia atrapalhava meu sono. E gostava de outras coisas também; sobretudo das suas mãos suadas e dos seus dedos chatos nas minhas entranhas. Eu vou me lembrar de você. Vou me lembrar de você rindo. Aquele riso diferente que era só seu do início, do meio e que aparecia raramente no fim. E do meu riso provocado por você. Já esqueci você outras vezes. Vou lembrar como foi. Guardei tudo que nos pertenceu. E era muito pouco. Ritual. Antes todos os adeuses me pareciam no seu tempo. Agora sinto a extemporaneidade, e por isso tudo guardei. No outro adeus tinha você para me consolar. E Dostoievski me trazia o outro inteiro. Até você roubar todos os Dostoievskis. Não seremos amigos, eu sinto. Já tenho grandes amigos de outras histórias. E nada era em comum em nós a não ser aquela loucura; aquela. Era a doçura que nos sustentava. Você, Eduardo; eu, Mônica. Sem final feliz. Sem filho para atrapalhar as férias. Nestas, eu irei para aquela cidade distante que aprendi a amar. Talvez foi lá. E agora eu estou tão mudada. Agora não estou achando nada. Agora estou irremediavelmente sozinha. Mas apenas com um pouco de medo. Não se preocupe que eu não me preocupo: só queria dizer adeus ainda como um beijo de amor.
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