sábado, 13 de dezembro de 2008

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o que me incomoda é este céu aberto – e vermelho. porém, se não for aberto, perde o sentido para mim. se não é meu sangue que escorre, de que valeria escrever? não quero me preocupar se algum escroto vier aqui e tirar conclusões sobre o que escrevo, como se tivesse adquirido a chave de mim e pudesse entrar a qualquer hora. de madrugada, apenas meus amigos têm a chave. apenas eles podem entrar e eu continuar dormindo; senhores absolutos da casa que cuido para eles. os que vêm aqui e que eu amo sabem mais de mim do que qualquer outro. estes que vêm sem nenhuma alma não podem sentir a alma que aqui habita. não que os que nunca vi não saibam de nada. sabem. mas é um saber frio – como tudo aquilo que está distante. e muitos que nunca vi têm alma e calor nas palavras. é porque de fato eu quero um espaço amoroso. o amoroso é minha figura. uma busca obsessiva de lugares de espanto e de amor. e eu quero o espaço amoroso que não me estrangule – que me ouça ou me cale com a delicadeza de uma pena de ganso. aquela mesma que eu deixei perdida no lago onde estive sozinha. eu continuo com medo – e às vezes ranjo os dentes no escuro. o mesmo escuro que alcançou meus olhos por dias infindos da infância. sim, já estive cega. sei o que é abrir os olhos e ver uma pasta cinza bem à frente. eu achava que esta experiência havia levado todo o medo do escuro. mas faz pouco que descobri que o escuro do outro causa muito mais medo. como é que eu não soube disto antes? sim, é de mim que tenho medo – é do medo em mim que eu sinto medo. porque agora eu olho para um outro e vejo tudo cinza à minha frente, mesmo que a delicadeza esteja tão evidente no sorriso maroto e meio tímido. mas a aranha desce morta de trás do quadro que arrancamos da parede para colocar os anzóis e as adagas de cyane. os anzóis e as adagas que fazem saltar os olhos. sim, sempre há quem nos perfure os olhos. mesmo assim, tomamos de empréstimo o vermelho do almodovar e por enquanto estamos a salvo. nada pode ainda nos fazer mal. e se algum escroto vier aqui e achar que eu disse algo indevido, é porque o adjetivo que lhe impus lhe cabe muito bem.
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1 Palavrinhas:

Lucianne Menoli disse...

Um espaço de amor que não sufoque, não estrangule. Mas agora ainda, esse medo do escuro do outro. Sim, como nunca pensamos nisso antes?

Fantástico pensar que por mais que o tempo passe, viagens sejam feitas, livros sejam lidos, beijos esquecidos, problemas novos comprados, certezas perdidas e dores de cabeça... nós todos continuamos a ser a criança com medo do quarto escuro de noite.

O escuro do outro, que reflete o meu escuro. Afinal, é só por isso que amamos, pra tentar juntar escuros e juntos, quem sabe, quase nunca dá, mas quem sabe, achar de uma vez por todas a tomada de luz.