o que me incomoda é este céu aberto – e vermelho. porém, se não for aberto, perde o sentido para mim. se não é meu sangue que escorre, de que valeria escrever? não quero me preocupar se algum escroto vier aqui e tirar conclusões sobre o que escrevo, como se tivesse adquirido a chave de mim e pudesse entrar a qualquer hora. de madrugada, apenas meus amigos têm a chave. apenas eles podem entrar e eu continuar dormindo; senhores absolutos da casa que cuido para eles. os que vêm aqui e que eu amo sabem mais de mim do que qualquer outro. estes que vêm sem nenhuma alma não podem sentir a alma que aqui habita. não que os que nunca vi não saibam de nada. sabem. mas é um saber frio – como tudo aquilo que está distante. e muitos que nunca vi têm alma e calor nas palavras. é porque de fato eu quero um espaço amoroso. o amoroso é minha figura. uma busca obsessiva de lugares de espanto e de amor. e eu quero o espaço amoroso que não me estrangule – que me ouça ou me cale com a delicadeza de uma pena de ganso. aquela mesma que eu deixei perdida no lago onde estive sozinha. eu continuo com medo – e às vezes ranjo os dentes no escuro. o mesmo escuro que alcançou meus olhos por dias infindos da infância. sim, já estive cega. sei o que é abrir os olhos e ver uma pasta cinza bem à frente. eu achava que esta experiência havia levado todo o medo do escuro. mas faz pouco que descobri que o escuro do outro causa muito mais medo. como é que eu não soube disto antes? sim, é de mim que tenho medo – é do medo em mim que eu sinto medo. porque agora eu olho para um outro e vejo tudo cinza à minha frente, mesmo que a delicadeza esteja tão evidente no sorriso maroto e meio tímido. mas a aranha desce morta de trás do quadro que arrancamos da parede para colocar os anzóis e as adagas de cyane. os anzóis e as adagas que fazem saltar os olhos. sim, sempre há quem nos perfure os olhos. mesmo assim, tomamos de empréstimo o vermelho do almodovar e por enquanto estamos a salvo. nada pode ainda nos fazer mal. e se algum escroto vier aqui e achar que eu disse algo indevido, é porque o adjetivo que lhe impus lhe cabe muito bem.
5 mulheres para acompanhar os passos:
Há 9 anos
1 Palavrinhas:
Um espaço de amor que não sufoque, não estrangule. Mas agora ainda, esse medo do escuro do outro. Sim, como nunca pensamos nisso antes?
Fantástico pensar que por mais que o tempo passe, viagens sejam feitas, livros sejam lidos, beijos esquecidos, problemas novos comprados, certezas perdidas e dores de cabeça... nós todos continuamos a ser a criança com medo do quarto escuro de noite.
O escuro do outro, que reflete o meu escuro. Afinal, é só por isso que amamos, pra tentar juntar escuros e juntos, quem sabe, quase nunca dá, mas quem sabe, achar de uma vez por todas a tomada de luz.
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