terça-feira, 28 de abril de 2009

Valsa com Bashir, o filme

Valsa com Bashir é um daqueles filmes que me explica por que eu gosto tanto da sétima arte! É um filme que incomoda e deleita, que inquieta e encanta. Essa espécie de documentário de animação do iraniano Ari Folman sobre um fato histórico vivenciado por ele é um libelo contra a memória. Não sobre a memória, mas contra; porque o tema é o do inconformismo contra os esquecimentos provocados devido a um fato traumático; no caso, a presença do diretor no massacre ao povo palestino ocorrido no Líbado em 1982. Soldado israelense à época, o que lhe atormenta é não conseguir saber sua real participação no acontecimento. No desenrolar do filme, à medida que o real se aproxima, contraditoriamente, torna-se mais nebuloso. Os depoimentos dos seus amigos que estavam - ou não? - com ele nos dias fatídicos comprovam o que o filósofo Walter Benjamim disse acertadamente sobre a incapacidade de narrar nos tempos de pós-guerra. As narrativas confundem o real e o irreal. Não à toa o estopim da busca da verdade é um sonho, assim como a imagem que persegue o diretor tanto pode ser um sonho como um fato ocorrido, mas que, para ele, se assemelha a um pesadelo. Se existe o real, o acontecido, e isto se comprova historicamente, o problema é que agora só existem os testemunhos. E cada testemunha é atormentada pelos seus próprios fantasmas, possuem os seus próprios buracos negros. Devido a isso, as imagens que vimos a partir dos testemunhos não são da ordem do factual, mas do "estive lá", com toda a carga de subjetividade que isso carrega. O fato de ser um documentário de animação, ao invés de minimizar o incômodo da confissão, reitera a impossibilidade de restabelecer qualquer verdade que não seja calcada na dúvida, na reinterpretação dos fatos. Quando surgem as imagens reais, no mesmo tom azulado-sérpia da animação, é como se despertássemos de uma espécie de pesadelo; mas um pesadelo com trilha sonora e tiros que parecem de festim. Quando o engano se desfaz, o filme acaba. Já é outra realidade.
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Fotos: http://www.interfilmes.com/filme_v4_20887_Valsa.com.Bashir.html#Imagens

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4 Palavrinhas:

Cristina Soares disse...

Aiiinnnn.... E Madame fica só assistindo comédia que é pra não imaginar nem em sonhos esses horrores... pois é... defeito de Madame!! Fugir do horror e viver no Mundo Cor de Rosa !! Bjinho

QuincasB disse...

a realidade sempre é outra, é de sua natureza

renata penna disse...

menina!
vi esse trailer duas vezes recentemente, e juro que não me atraiu em nada. achei uma chatice.
mas agora lendo tuas linhas sobre, acendeu a vontade. acho q vou rever meus conceitos...
bjo!

Anônimo disse...

Milena,
sim, concordo que cada memória apresenta buracos! Não é possível reconstruir o vivido, ele busca nos outros respostas, mas esses também apresentam lembranças incompletas. Mas a impossibilidade da reconstrução, a meu ver, se configura pelo que parece ser o grande tormento: o silenciamento diante do massacre. No final do filme, eles assistem às execuções, aos bombardeios do topo de um prédio! Nós assistimos aos bombardeios pela televisão!!! É como se o diretor perguntasse o tempo todo: como, por que ficamos em silêncio? Então, se nada ele fez em termos de ação, houve a inação. Lembra da cena em que aparece a família sendo excutada? Houve um silêncio enquanto um grupo agiu na calada da noite! O esquecimento fica inaceitável! Lembra do Fernando Bársena que, apoiado na Hanah Arent, fala do horror dos campos de concentração? No final do texto, Bársena diz que temos que pensar, discutir aquele horror para que não deixamos que ele volte a acontencer. Rememorar, construir uma memória, mesmo que esfarrapada, do que aconteceu talvez seja a forma que o diretor de Valsa com Bashir encontrou de lutar contra o silenciamento da memória (que esquece), contra o normalização do massacre (a autoridade é avisada do que estava acontecendo, mas volta a dormir). Nesse sentido, as imagens finais, naquele tom azul, funcionam numa fronteira de contradição. A cor remete ao que é irreal, mas o mostrado não permite que se fique nesse lugar do sonho, de um póssível acontecido! Os corpos retorcidos, empilhados, aquele choro das mulheres (sempre elas, o que lembra as mães argentinas gritando pelos filhos que desapareceram nos porões da ditadura) nos arramcam desse lugar. Funciona como uma sopapo bem forte!!! É como se dissesse: é proibido esquecer!!! Marinalva