segunda-feira, 29 de junho de 2009

minhas cidades imaginárias

todos sabem da minha paixão por cidades grandes. sabem também que ao menos duas destas cidades têm lugar cativo em mim: são paulo e paris. calha que quase por coincidência, no meio dos meus tantos afazeres, naquela meia hora insone antes de cair nos braços dos mistérios, estou lendo dois livros que falam destas cidades: paris não tem fim, de Enrique Vila-Matas e o livro amarelo do terminal, de Vanessa Bárbara. deliciosos. dá vontade de mordê-los de tão bons. cada qual na sua. depois, quem sabe, resenho-os por aqui.

e por lê-los, caiu em mim esta pergunta: por que amo tanto estas duas cidades? e penso que a resposta que mais se aproxima é por que elas representam a minha juventude - este lugar que quando começa a se afastar vira cada vez mais imaginário: devaneio de luzes e sombras. não fui levada para estas cidades. eu me levei. e o que fui fazer de sério por lá (um doutorado) desde o início foi um pretexto para vivenciá-las. resultou que tenho em mim uma sampa que é só minha e uma paris que é só minha. imaginário. sou incapaz de reclamar do trânsito ou da poluição de sampa e do frio e da indiferença de paris. simplesmente porque nunca os percebi. nunca entranharam em minha carne.

o que se fincou em mim como ideário desta juventude perdida são cidades imaginárias onde cabiam todos os meus interesses que por falta de outro nome chamo de culturais. sampa e paris são sinônimos de teatro, cinema, música, exposições. e aos borbotões. tudo ao mesmo tempo agora. uma vida toda em 4 anos. uma caipira na cidade grande. uma deslumbrada no estrangeiro. sem nenhum medo dos estereótipos porque com arrogância suficiente para me saber capaz de segui-los ou rompê-los quando bem me conviesse.

se me perguntarem por que, ainda mais que sampa, paris ficou em mim, eu responderia pela tangente, com uma frase ambígua: porque foi lá que eu mais me pareci com a pessoa que sempre quis ser: insone, liberta, meio louca, estudiosa, relapsa na medida certa e nem tão certa. e sem ninguém a quem dizer. para quem voltar. nenhuma explicação nunca. manchando os livros de vinho nas noites insones, correndo para pegar a sessão das 11h da manhã no cinema antigo, fugindo da biblioteca para dar um espiadinha em alguma exposição. juventude tardia, mas juventude inteira.

e em sampa foi lindo. imersa naquele espaço amoroso foi impossível enxergar o que ali perdia devido a esse espaço. mas o certo é que toda cidade grande pede uma solidão essencial. pede o ser liberto disposto a acordar sem ainda ter dormido. pede o vazio da ressaca. pede o perder das horas. entrar no meio da tarde no cinema e à meia noite ainda correr para pegar a sessão da praça roosevelt. fiz isso. mas havia as correntes. no meu último aniversário, em sampa, embriagada o suficiente para sentir a vista doer com as luzes neons do bar abafado, lamentei não ter estado só enquanto lá estava e deixei ali minha juventude imaginária. não pedi mais. tanto que não voltei. e sei que quando voltar já estarei mais velha em todos e prováveis sentidos. já terei outro papel. já será outra cidade. já serão outras cidades.

e penso agora sem saudosismo. nada mais triste do que envelhecer querendo manter o sangrar da pele da juventude. seria escolher a caricatura, a máscara, a fantasia enquanto olharia aterrorizada a pele enrugar. estas cidades estão lá. quem não está mais sou eu. e demorei a perceber que isso não é o fim do mundo nem da minha vida. é só o fim de algo que desde o princípio tinha data marcada. que vou voltar muitas vezes ou em definitivo qualquer horas destas é tão certo quanto o futuro que pode não existir. mas aí já é outro papo. já não é mais sobre juventude. é justo o contrário. são os planos da maturidade.
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- foto: fachada do Sesc Consolação, em São Paulo

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3 Palavrinhas:

Anônimo disse...

"Bem-aventuradas as que moraram em São Paulo e Paris, porque delas será o bendito reino das vivências compensadoras"

Tá certo que tudo tinha prazo para terminar; que se confundiu com a juventude (a "época das épocas"); e que você pôde parecer-se com quem sempre quis ser: mas precisava fazer um texto tão bonito desse, que até quem nunca esteve lá divida e sinta essa saudade?...hehehehe...

Aproveito e falo de algo da postagem anterior. Milena, você que sabe mais, me explica: por que que a "crítica" nacional sempre força um pouco a barra pra fazer do Machado de Assis influência de 8 em cada 10 escritores brasileiros? Eu não li Leite derramado, mas, por mais que eu goste de Machado de Assis, arrisco dizer que a genealogia do romance do Chico Buarque deve ter outra matriz (se é que tem uma). Outra coisa: concordo plenamente com você: muitas das pessoas que dão opinião sobre literatura prendem-se ao que as editoras dizem a respeito dos livros. É por isso que eu acho que o papel de crítica literária está cada vez mais na mão dos editores, quando deveria ser também o dos professores e dos jornalistas menos preguiçosos.

Ufa! Falei demais. Um abraço.

marcos disse...

Que experiência bacana. É muito legal quando todas as coisas casam tão bem.

Aline Belle disse...

Moça!
Estão aí, no seu texto, três grandes paixões minhas! Literatura, Sampa e Paris.
Acho que sobre minha paixão pela Literatura já falei uma vez por aqui. Por minha paixão a SP nunca escondi por aí, acolá. E Paris faz parte do meu imaginário, uma história que está para acontecer. E com seu texto, de amor e reverência, fiquei ainda mais empolgada pelos três! Enfim...
Beijos, querida. Pra vc e pra poeminha