domingo, 19 de dezembro de 2010

Por ora, a vida

A Princesa, clicada por mim, na  sua noite

Por um tempão eu me perguntei por que na volta para casa fui ler Memória de elefante, do António Lobo Antunes, um livro triste, triste, triste. E emendei com as suas Entrevistas, um catatau onde ele destila seus venenos, alternando sua crença na literatura com a pouca crença nos escritores.

É um livro triste para se guardar, para ler e reler. Um dia na vida de um homem, psiquiatra, separado da esposa que ama, pai de duas filhas que ele venera e angustiado com tudo isto, com a profissão, o casamento, a paternidade, o amor. O primeiro livro do Lobo Antunes e ele já nos dá um soco destes. Dele, só havia lido Os cus de Judas. E muito por causa desse livro, aproveitei a disciplina do semestre passado para "obrigar" os alunos a lerem o Lobo Antunes. Mas enrolada com o próprio tempo, eu mesma não havia dado conta. Talvez por isto, porque a dor no estômago não me era suficientemente grande. 

Eu tenho muito claro o tipo de livro que me prende. Tem que socar meu estômago. E a maneira mais fácil disso acontecer é quando encontro, juntas, densidade psicológica e uma linguagem que não se deixa vencer facilmente. Quantas vezes já não disse que Faulkner, Kafka, Bernhard, Beckett são deuses? Lobo Antunes ainda não está no time, mas...

É porque 2010 está sendo um ano estranho. E às vezes eu tenho que fazer um esforço enorme para que tudo não fique cinza. E eu devo fazer um esforço enorme porque tudo que me interessa e me importa continua aqui: o meu filho, tatupai, a família buscapé toda, os grandes amigos, meus gostos, meus planos, meus pobres enganos. Então esta porra de movimentos limitados, esta parca força que me deixa exausta até quando arrumo uma cama, ponho uma manta no sofá ou seguro o Poeminha mais que um minuto não deveriam me incomodar tanto. Mas o fato é que incomodam. Eu fui uma criança doente. Uma criança doente, pobre, numa família que não ligava pra mim. E cuidar disso vida afora dá um trabalho dos diabos. Então eu quero agarrar meu filho e rodopiar com ele, para que ele sinta, muito mais do que saiba, que eu me importo. Eu não quero ser uma pessoa doente, é isso. Não gosto de sofrer, eu queria já ter pago minha cota de. A doença em mim não é nem nunca será a doença nietzscheana, a doença que constrói uma obra.

Então um livro como o do Lobo Antunes não me consola, mas me extasia, me sacia. E assim como ver meu filho andando seus passos tortos e firmes ou ver a minha Princesa linda, louquinha, meio perdida de alegria e de tristeza na sua festa de formatura, como eu mesma já atravessei tantas noites assim, num desespero doce e sublime, um livro como Memória de elefante me faz agradecer a todos os deuses, a tantos quantos possam existir,  por estar viva. E que se fodam meus parcos movimentos e minha pouca força. Por ora, a vida deve bastar. E esta é a resposta que demorou a chegar.
*
*












]
Categories:

1 Palavrinhas:

Anônimo disse...

...e de tanto sentir
...
la folie de vivre...la joie de vivre...l'ivresse de vivre...la tristesse de vivre...la angoisse
ahah..et pour vivre sa vie!