MODO DE USAR
Sinceridade não vai bem na prosa. Só o verso lhe dá abrigo. Do verso se espera o teatro da sinceridade, mostrar-se nu como quem mostra a nudez de um outro. É o véu e o fetiche da sinceridade. A prosa sincera é imediatamente indecente, como o tímido que é pego nu. Não se escreve prosa com o coração, a menos que a inteligência o cubra de protocolos. A prosa quer ser moeda de troca. O verso se torna a prosa da poesia quando se nutre da fidelidade à experiência ou da impessoalidade programada; do salvo conduto da isenção. (Vou lhe contar um segredo. Hoje em dia, é preciso coragem para escrever um verso sincero.) Já a simplicidade vai bem em prosa. Cabe no canal da prosa o fluxo raso da prosa do mundo. A prosa aceita conduzir ao coração solar da realidade, constatar, relacionar, afirmar sentenciosamente. Apenas para o verso a inteligência é indecente. Há prosas frias, ponderadas, alusivas, irônicas, embriagadas. Mas a prosa não aceita engodo ou gramática alternativa. Na prosa, assim como no câmbio, não se mexe. Só o verso consegue às vezes dar um nó na gramática da prosa. Moral da história: não há verso simples, apenas prosa subvertida. (In O roubo do silêncio. Rio de Janeiro: 7letras, 2006).
1 Palavrinhas:
Milena,
realmente, um belíssimo texto!
Depois dos teus comentários de ontem, sobre a perda nas relações de amor, fiz um acréscimo ao post original.
Se puder, leia.
Abraços, flores, estrelas!
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