sábado, 12 de janeiro de 2008

Imagem da Dê e poema do Marcos

Hoje resolvi juntar duas pessoas que adoro. A primeira é a Dê, que é uma das minhas pautas preferidas. Desde que a conheci, ela só me ensina. Ela registrou este pôr-do-sol nas suas férias de fim de ano e enviou para mim. A outra é Marcos Siscar. A meu ver, ele é um dos leitores mais impressionantes que conheço, com um olho capaz de perceber o imperceptível (e sei disso porque sou sua orientanda desde o mestrado). Ele foi o maior presente que o acaso já me deu; aprendo bastante com sua voz pausada e com seus emails capazes de me fazerem ver num piscar de olho as besteiras que por vezes coloco desleixadamente no papel. Só não aprendo mais porque sou péssima aluna. Coloco aqui um dos seus poemas. Sim! Ele é também poeta, e dos bons!

MODO DE USAR


Sinceridade não vai bem na prosa. Só o verso lhe dá abrigo. Do verso se espera o teatro da sinceridade, mostrar-se nu como quem mostra a nudez de um outro. É o véu e o fetiche da sinceridade. A prosa sincera é imediatamente indecente, como o tímido que é pego nu. Não se escreve prosa com o coração, a menos que a inteligência o cubra de protocolos. A prosa quer ser moeda de troca. O verso se torna a prosa da poesia quando se nutre da fidelidade à experiência ou da impessoalidade programada; do salvo conduto da isenção. (Vou lhe contar um segredo. Hoje em dia, é preciso coragem para escrever um verso sincero.) Já a simplicidade vai bem em prosa. Cabe no canal da prosa o fluxo raso da prosa do mundo. A prosa aceita conduzir ao coração solar da realidade, constatar, relacionar, afirmar sentenciosamente. Apenas para o verso a inteligência é indecente. Há prosas frias, ponderadas, alusivas, irônicas, embriagadas. Mas a prosa não aceita engodo ou gramática alternativa. Na prosa, assim como no câmbio, não se mexe. Só o verso consegue às vezes dar um nó na gramática da prosa. Moral da história: não há verso simples, apenas prosa subvertida. (In O roubo do silêncio. Rio de Janeiro: 7letras, 2006).
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1 Palavrinhas:

Anônimo disse...

Milena,


realmente, um belíssimo texto!


Depois dos teus comentários de ontem, sobre a perda nas relações de amor, fiz um acréscimo ao post original.

Se puder, leia.


Abraços, flores, estrelas!