quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A saga dos dentes

Há duas semanas: Acho que não vai ser desta vez que tenho uma doença incurável ou qualquer coisa que eu imaginava já corroendo meu pescoço e indo até a minha pobre cabeça desmiolada. Talvez tudo não passe de um dente de siso que só pôde ser visto em um raio-X; é o que me disse compenetradamente um dentista muito simpático que já nasceu dentista, creio eu. Toda a família na placa de entrada do consultório c-h-i-q-u-é-r-r-i-m-o, onde tenho que fazer um esforço enorme para não rir diante de tanta chiqueza e formalidade. Como quem não quer nada, pergunto-lhe se é normal um transplante (é o que tenho que fazer em outro dente) junto com a extração do siso; ele me responde que é muito normal e quando lhe digo que minha pergunta é idiota porque, se não fosse normal, ele não me diria, ele se compenetra todo e me conta do seu mestrado em transplante. Fiquei mais tranqüila. Não pelo mestrado, porque eu costumo pensar enquanto falam comigo e pensava coisas deste tipo: eu também tenho mestrado, além de doutorado, nem por isso sei muito da minha área, aliás acho que sei bem pouco e também me perguntava se porventura ele não seria disperso como eu e quantas aulas ele havia deixado de assistir; e se tivesse sido justo aquela de arrancar um siso que nem está a olho nu? Enfim, ele falou uma boa meia hora e eu fiquei mais tranqüila apenas porque ele apertou bem forte minha mão e deu um sorriso dizendo que não doía nadinha! Como as mulheres são suscetíveis aos sorrisos... De todo modo, deixei lá seis folhas de cheque, tamanha a exorbitância, e agora só me resta torcer para não pensar nestas coisas enquanto ele estiver transplantando meu dente e jogando fora meu único juízo. E torcer para que depois esta dor no pescoço me abandone.

Há 9 dias: meu pescoço dói, minha cabeça mais ainda e ainda passei a noite insone. Mesmo assim, vou ao dentista começar o tratamento. Sei lá o que falei ao telefone, mas sei que entenderam que eu queria fazer o transplante naquele dia. Nem tive tempo de dizer que não, que estava doendo a minha cabeça, que eu não estava agüentando nem que me sorrissem quanto mais me arrancassem dois dentes. Não tive tempo. E quando dei por mim já estava debaixo de um lençol com a boca arreganhada ouvindo os barulhos mais terríveis que uma pobre alma pode ouvir e suportar. Uma tortura. Uma tortura sem dor, mas ainda tortura. Vez em quando eu mexia os pés e gemia. Puro medo, porque doer não doeu nada. Experimentava meus gemidos, talvez; porque um dos absurdos que descobri nestes dias de ida ao inferno é que gemidos que variam podem incomodar mais do que um elefante. Vejam se tem fundamento uma neurose desta envergadura? Sem gemidos, a frigidez; com gemidos, bah!, jesuscristinho me proteja de mim mesma, já que não me protegeu de uma neurose desta. Enfim, saí mais frágil ainda do consultório, anestesiada, boca rasgada, dentes a menos, e só me restou passar dias à base de sopinha e sorvete e muito analgésico e antiinflamatório que me deixaram grogue, grogue até não agüentar mais olhar nem para a rede nem para a cama e experimentar dormir em pé encostada na parede.

Há cinco dias: meu rosto ainda estava um pouco inchado, o que não me impediu de ir assistir a Kung Fu panda e me matar de rir, assim como não me impediu de berrar na derrota do vôlei masculino e dizer todos os palavrões possíveis e impossíveis na frente dos donos da casa onde fui pela primeira vez. Kotz, kotz!

Hoje: meu pescoço continua doendo. Hipocondríaca, penso que talvez vá morrer jovem. Amanhã irei a outro médico. Aquele dentista, apesar de levar TODAS as minhas economias inexistentes, não me tirou esta dor no pescoço. Também o que eu queria? Sua especialidade não é pescoço. Só uma coisa é certa: os dentes agora jazem e tenho uma janela entre os outros que me deixa com vergonha de sorrir. Fudeu! Vou bem ali me jogar da varanda. Pensando bem, vou continuar lendo os Sermões, senão, além de não sorrir, não vou saber o que falar amanhã na aula às 7h30. Mas quem sabe falar seja o que for às 7h30 da manhã? Fudeu duplamente! Ou triplamente ou de quatro ou um grande bacanal. Qualquer coisa, mas nunca às 7h30 da manhã, por favor.
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2 Palavrinhas:

dade amorim disse...

Menos mal, Milena Não vai doer nadinha, viu o que ele disse? É o Faissol?
Sucesso no tratamento e não se preocupe com o juízo, ele não é tão concreto assim que precise de um dente pra existir. :)
Beijo.

Cristina Soares disse...

Milena. Madame aconselha vc a pensar em Paris. Pense em Paris e a dor sumirá, e vc tbém saberá o que falar às sete e meia da manhã. na dúvida, fale sobre Paris !!!!!